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Câmara pode reafirmar natureza alimentar dos honorários

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27 de julho de 2006, 15h40

Os honorários advocatícios podem ter a sua natureza alimentar reafirmada, e, assim, terem preferência em falências e liquidações extrajudiciais. É o que prevê o Projeto de Lei 6.812/06, de autoria do deputado Luiz Piauhylino (PDT-PE). A proposta tramita na Câmara dos Deputados e prevê alterações nos artigos 20 e 21 do Código de Processo Civil.

O projeto dá a possibilidade de o profissional reverter o pagamento dos honorários à sociedade de advogados que integra. Além disso, proíbe a compensação dos honorários nos casos de sucumbência recíproca, quando a sentença judicial é parcialmente favorável a cada uma das partes. De acordo com a proposta, se cada litigante for em parte vencedor e vencido, serão recíproca e proporcionalmente distribuídos entre eles os honorários e as despesas, vedada a compensação.

Segundo o autor do projeto, não são raros os casos em que os honorários decorrentes da sucumbência têm sido fixados de maneira aviltante. Ele evoca o artigo 41 do Código de Ética e Disciplina da OAB: “O advogado deve evitar o aviltamento de valores dos serviços profissionais, não os fixando de forma irrisória ou inferior ao mínimo fixado pela tabela de honorários, salvo motivo plenamente justificável”. De acordo com o deputado, há exemplos de honorários fixados em quantia inferior a 1% ou 2% do valor econômico envolvido no litígio.

A Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara dos Deputados está analisando a proposta. Se for aprovado pela CCJ, o projeto passa pela sanção do presidente da República.

Questão controversa

A 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça entende que os honorários de sucumbência não têm natureza alimentar, pela incerteza quanto ao recebimento. Esse tipo de honorário está sempre atrelado ao ganho da causa.

A ministra Eliana Calmon pediu para que a 1ª Seção se pronunciasse para uniformizar a jurisprudência da 1ª e da 2ª Turma do STJ. Mas a questão ainda não está pacificada na Corte. Agora, a questão está nas mãos da Corte Especial do STJ.

Em decisão recente, o Supremo Tribunal Federal concluiu que os horários advocatícios têm, sim, natureza alimentar. O advogado José da Paixão Teixeira Brant pediu para que os precatórios referentes a esse tipo de pagamento fossem considerados como forma de subsistência e tivessem preferência.

Para o ministro Marco Aurélio, relator, “os profissionais liberais não recebem salários, vencimentos, mas honorários e a finalidade destes não é outra senão prover a subsistência própria e das respectivas famílias”. Com isso, determinou a reclassificação do precatório como de natureza alimentícia.

Leia a íntegra do projeto

PROJETO DE LEI N° 6.812, DE 2006

(Do Sr. Luiz Piauhylino)

Acresce parágrafos ao art. 20 da Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973 — Código de Processo Civil, e altera o art. 21 do mesmo diploma legal.

O Congresso Nacional decreta:

Art. 1° Esta Lei acresce parágrafos ao art. 20 da Lei n° 5.869, de 11 de janeiro de 1973 — Código de Processo Civil, e altera o art. 21 do mesmo diploma legal.

Art. 2° O art. 20 da Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973 — Código de Processo Civil, passa a vigorar acrescido dos seguintes §§ 6° e 7°:

“Art. 20. …………………………..

§ 6° Os créditos decorrentes de honorários de advogado têm natureza alimentar, devendo ser considerados privilegiados em falências e liquidações extrajudiciais tais como os derivados da legislação do trabalho.

§ 7° O advogado pode requerer que o pagamento dos honorários que lhe cabe seja efetuado em favor da sociedade de advogados que integra na qualidade de sócio. (NR)”

Art. 3° O caput do art. 21 da Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973 — Código de Processo Civil, passa a vigorar com a seguinte redação:

“Art. 21. Se cada litigante for em parte vencedor e vencido, serão recíproca e proporcionalmente distribuídos entre eles os honorários e as despesas, sendo vedada a compensação.

…………………… (NR)”

Art. 4° Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

JUSTIFICAÇÃO

O presente projeto de lei foi inspirado em sugestões de modificação do tratamento dado pelo Código de Processo Civil aos honorários advocatícios de sucumbência (artigos 20 e 21) já examinadas e institucionalmente acolhidas pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil em sessão de seu Órgão Pleno realizada em 5 de dezembro de 2005.

Naquela oportunidade, pronunciaram-se os conselheiros federais por unanimidade no sentido de que os honorários de advogado decorrentes de contrato, arbitramento ou sucumbência teriam natureza alimentar e que, ao advogado, deveria ser concedida a opção de requerer o pagamento dos honorários advocatícios em seu favor ou da sociedade de advogados que integrar como sócio. Além disso, firmou-se o entendimento de que a lei deveria vedar a compensação dos honorários advocatícios mesmo nos casos de sucumbência recíproca, já que eles não pertenceriam às partes, mas sim aos seus respectivos patronos. Eis o inteiro teor do acórdão e da manifestação do Conselheiro Federais Ulisses César Martins de Sousa, designado relator da matéria:

“Processo: 019 2004 — Conselho Pleno Origem: CONSELHEIRO FEDERAL LUIZ CLAUDIO ALLEMAND

Ementa: Proposição 0019 2004/COP. Assunto: Proposta de alteração dos artigos 65, caput, e 76 do Regulamento Geral.

Honorários advocatícios. Origem: Conselheiro Federal Luiz Cláudio Silva Allemand (ES). Relator: Conselheiro Federal Ulisses César Martins de Sousa (MA). Ementa 015/2005/COP. HONORÁRIOS DE ADVOGADO. NATUREZA ALIMENTAR. POSSIBILIDADE DE RECEBIMENTO PELOS ADVOGADOS OU POR SOCIEDADES DE ADVOGADOS. 1. Os honorários advocatícios decorrentes de contrato, arbitramento ou da sucumbência, têm natureza alimentar. 2. Pode o advogado requerer que o pagamento dos honorários seja realizado em seu favor ou da sociedade de advogados que integra. 3. É vedada a compensação dos honorários advocatícios, mesmo nos casos de sucumbência recíproca. Vistos, relatados e discutidos, acordam os Conselheiros Federais integrantes do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, na conformidade do relatório e voto a seguir, por unanimidade, em acolher a proposição. Brasília (DF), 5 de dezembro de 2005. Roberto Antonio Busato, Presidente. Ulisses César Martins de Sousa, Relator. (DJ, 09.12.2005, p. 664, S 1)

Tratam os autos de proposição apresentada pelo Conselheiro Federal Luiz Claudio Allemand que sugere a alteração do artigo 23 da lei 8.906/94 visando tornar eliminar qualquer controvérsia acerca da natureza alimentar dos honorários advocatícios, quer sejam eles recebidos pelos próprios advogados ou por sociedades de advogados.

Relata o ilustre Conselheiro Federal a existência de projeto de lei em tramitação perante o Senado Federal regulando o pagamento de honorários de advogado através das RPV Requisições de Pequeno Valor, e, ainda, aponta a existência de diversos problemas ocasionados em razão das duvidas existentes acerca da matéria e da postura de alguns integrantes do Poder Judiciário que insistem em não reconhecer a natureza alimentar dos honorários de advogado. Ao final sugere que esse Egrégio Conselho Federal adote medidas visando eliminar a controvérsia existente sobre o tema, eliminando as lacunas existentes na legislação que rege o assunto.

É o que cabia relatar.

O tema suscitado pelo ilustre Conselheiro Federal Luiz Cláudio Allemand é relevante. Toca em um assunto que, de fato, merece ser enfrentado por esse Egrégio Conselho Federal.

Os advogados brasileiros, principalmente aquela grande maioria que tira o seu sustento dos honorários recebidos em processos contenciosos, têm sofrido inúmeros problemas criados por alguns juízos e Tribunais no tocante à fixação e ao pagamento da verba devida aos advogados.

Não são raros os casos em que os honorários advocatícios decorrentes da sucumbência têm sido fixados de maneira aviltante. O Código de Ética e Disciplina da OAB determina no artigo 41 que “o advogado deve evitar o aviltamento de valores dos serviços profissionais, não os fixando de forma irrisória ou inferior ao mínimo fixado pela Tabela de Honorários, salvo motivo plenamente justificável”. Esse preceito, que estabelece um comando ético dirigido aos advogados brasileiros visando evitar o aviltamento dos honorários profissionais, tem sido transformado em letra morta por alguns Tribunais. Vários são os casos em que os honorários advocatícios têm sido fixados em quantia inferior a 1% ou 2% do valor econômico envolvido no litígio. Porém, esse não é o único problema enfrentado pelos advogados brasileiros quando o assunto é o recebimento dos honorários advocatícios.

A proposição apresentada pelo ilustre Conselheiro Federal Luiz Cláudio Allemand, com propriedade, aponta dois graves problemas que têm sido constantemente enfrentados pelos advogados quando do recebimento dos honorários advocatícios: (i) o não reconhecimento da natureza alimentar dos honorários advocatícios e (ii) a vedação do recebimento dessa verba pelas sociedades de advogados. De fato tais assuntos não são adequadamente regulados pela legislação. Embora, ao meu ver, não haja dificuldade em reconhecer que os honorários advocatícios têm natureza alimentar e podem ser recebidos pelas sociedades profissionais integradas unicamente por advogados, essa não tem sido a ótica de alguns juízes e tribunais.

Demonstra-se.

DA NATUREZA ALIMENTAR DOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS

A origem dessa discussão reside na redação do artigo 100, § 1ºA da Constituição Federal, acrescentado pela Emenda Constitucional 30/2000, segundo o qual:

“Art. 100. À exceção dos créditos de natureza alimentícia, os pagamentos devidos pela Fazenda Federal, Estadual ou Municipal, em virtude de sentença judiciária, far-se-ão exclusivamente na ordem cronológica de apresentação dos precatórios e à conta dos créditos respectivos, proibida a designação de casos ou de pessoas nas dotações orçamentárias e nos créditos adicionais abertos para este fim.

§ 1º-A. Os débitos de natureza alimentícia compreendem aqueles decorrentes de salários, vencimentos, proventos, pensões e suas complementações, benefícios previdenciários e indenizações por morte ou invalidez, fundadas na responsabilidade civil, em virtude de sentença transitada em julgado.

(Parágrafo acrescentado pela Emenda Constitucional nº 30, de 2000, DOU 14.09.2000)”

Para alguns somente teriam natureza alimentícia os créditos expressamente indicados na norma constitucional acima destacada, ou seja, aqueles decorrentes de salários, vencimentos, proventos, pensões e suas complementações, benefícios previdenciários e indenizações por morte ou invalidez, fundadas na responsabilidade civil, em virtude de sentença transitada em julgado. Os honorários advocatícios estariam excluídos dessa classificação. Com a devida vênia aos defensores de tal posicionamento, devo registrar que esse entendimento é absurdo.

Os honorários advocatícios igualam-se ao salário na sua natureza alimentar. Essa verba corresponde à contraprestação do trabalho desempenhado pelo profissional liberal, assim como o salário para o empregado e os vencimentos para o funcionário público. Os advogados vivem dos honorários que recebem. Não há como se fugir dessa realidade.

É inadmissível que se pretenda dar uma interpretação restritiva ao artigo 100, § 1º A da Constituição Federal e com isso modificar a realidade. Os honorários de advogado sempre terão natureza alimentar.

O Estatuto da OAB prevê que “os honorários incluídos na condenação, por arbitramento ou sucumbência, pertencem ao advogado”, estabelecendo no artigo 24 que:

“Art. 24. A decisão judicial que fixar ou arbitrar honorários e o contrato escrito que os estipular são títulos executivos e constituem crédito privilegiado na falência, concordata, concurso de credores, insolvência civil e liquidação extrajudicial.”

A Lei nº 8906/94 atribui aos honorários advocatícios a categoria de crédito privilegiado, ante a sua induvidosa natureza alimentar.

A matéria já foi examinada pelo Supremo Tribunal Federal que, ao julgar o Recurso Extraordinário nº 146.318-0 — SP, proferiu acórdão assim ementado:

“CONSTITUCIONAL. PRECATÓRIO. PAGAMENTO NA FORMA DO ART. 33, ADCT. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS E PERICIAIS: CARÁTER ALIMENTAR. ADCT, ART. 33.

I. Os honorários advocatícios e periciais têm natureza alimentar. Por isso, excluem-se da forma de pagamento preconizada no art. 33, ADCT.

II. R.E. não conhecido.” Do voto do relator – Ministro Carlos Velloso — são extraídas as seguintes considerações sobre o assunto:

“Os honorários advocatícios e periciais remuneram serviços prestados por profissionais liberais e são, por isso, equivalentes a salários. Deles depende o profissional para alimentar-se e aos seus, porque têm a mesma finalidade destes. Ora, se vencimentos e salários têm natureza alimentar, o mesmo deve ser dito em relação aos honorários.”

Posteriormente, ao julgar o Recurso Extraordinário nº 170.220-6 — SP – em que foi relator o Ministro Marco Aurélio — esse entendimento foi reafirmado:

“HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS – NATUREZA – EXECUÇÃO CONTRA A FAZENDA.

A teor do disposto nos artigos 22 e 23 da Lei nº 8.906/94, os honorários advocatícios, incluídos na condenação, pertencem ao advogado, consubstanciando prestação alimentícia, cuja satisfação pela Fazenda ocorre via Precatório, observada ordem especial restrita aos créditos de natureza alimentícia.”

A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça também reconhece a natureza alimentar dos honorários de advogado. Porém, em alguns precedentes, tem realizado uma distinção incabível e afirmado que os honorários decorrentes da sucumbência não teriam essa natureza. A matéria foi recentemente examinada por aquele Egrégio Tribunal ao apreciar o Recurso Especial 566.190 — SC, cujo acórdão restou assim ementado:

“DIREITO FALIMENTAR. CONCURSO DE CREDORES. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. CONTRATO POR VALOR FIXO. NATUREZA ALIMENTAR. PRIVILÉGIO ESPECIAL. EQUIVALÊNCIA A SALÁRIOS.

– Os recentes precedentes da Primeira Seção do STJ acerca da ausência de caráter alimentar dos honorários de sucumbência não se aplicam aos honorários contratados por valor fixo, que mantém sua natureza alimentar, não obstante a Emenda Constitucional nº 30/2000.

– A natureza alimentar dos honorários autoriza sua equiparação a salários, inclusive para fins de preferência em processo falimentar.

– Esse entendimento não é obstado pelo fato de o titular do crédito de honorários ser uma sociedade de advogados, porquanto, mesmo nessa hipótese, mantém-se a natureza alimentar da verba.

Recurso conhecido e provido.” (REsp 566.190/SC, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 14.06.2005, DJ 01.07.2005 p. 514)

O voto da relatora — ministra Nancy Andrighi – examina o assunto e decide a questão nos seguintes termos:

“Para que seja decidida a presente demanda, é necessário definir duas questões: (a) se os honorários advocatícios podem, ou não, ser considerados verbas de natureza alimentar; e, caso positivo, (b) se tal característica seria suficiente para equiparálos aos créditos trabalhistas que, por força do disposto no art. 102, caput, da antiga Lei de Falências (DL nº 7.661⁄1945) são dotados de preferência absoluta no pagamento dos débitos em processo falimentar.

A análise dessas questões deve ser feita tendo em vista o disposto no art. 100, §1º-A, da Constituição Federal, 24 do Estatuto da OAB (Lei nº 8.909⁄94) e, finalmente, 102 e respectivos incisos, da Lei de Falências (DL nº 7.661⁄45). Cada uma dessas normas dispõe o seguinte:

Constituição Federal:

Art. 100. À exceção dos créditos de natureza alimentícia, os pagamentos devidos pela Fazenda Federal, Estadual ou Municipal, em virtude de sentença judiciária, far-se-ão exclusivamente na ordem cronológica de apresentação dos precatórios e à conta dos créditos respectivos, proibida a designação de casos ou de pessoas nas dotações orçamentárias e nos créditos adicionais abertos para este fim.

(…)

§ 1º-A Os débitos de natureza alimentícia compreendem aqueles decorrentes de salários, vencimentos, proventos, pensões e suas complementações, benefícios previdenciários e indenizações por morte ou invalidez, fundadas na responsabilidade civil, em virtude de sentença transitada em julgado.

(Incluído pela Emenda Constitucional nº 30, de 2000).

Estatuto da OAB

Art. 24. A decisão judicial que fixar ou arbitrar honorários e o contrato escrito que os estipular são títulos executivos e constituem crédito privilegiado na falência, concordata, concurso de credores, insolvência civil e liquidação extrajudicial.

(…)

Lei de Falências:

Art. 102. Ressalvada, a partir de 2 de janeiro de 1958, a preferência dos créditos dos empregados, por salários e indenizações trabalhistas, sobre cuja legitimidade não haja dúvida, ou, quando houver, em conformidade com a decisão que for proferida na Justiça do Trabalho, e, depois deles, a preferência dos credores por encargos ou dívidas da massa (art. 124), a classificação dos créditos, na falência, obedece à seguinte ordem:

I – créditos com direitos reais de garantia;

II – créditos com privilégio especial sobre determinados bens;

III – créditos com privilégio geral;

IV – créditos quirografários.

A leitura das disposições legais supra transcritas deixa claro que os honorários são dotados de privilégio, no juízo falimentar. Isso não se põe em dúvida. O que é necessário definir, todavia, é se sua alegada natureza alimentar teria o condão de deslocar essa verba da previsão contida no item III – privilégios gerais – para o caput do art. 102 da Lei de Falências, conferindo ao advogado o direito de recebê-la antes de qualquer outro credor da massa. É esse, portanto, o ponto que, precisamente, carece de definição.

I – Natureza alimentar dos honorários advocatícios

Conquanto a Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça já tivesse se pacificado a respeito da natureza alimentícia dos honorários advocatícios (ROMS nº 12.059⁄RS, DJ de 9⁄12⁄2002; ROMS 1.392⁄SP, DJ de 8⁄5⁄1995), a introdução, pela Emenda Constitucional nº 30⁄2000, do §1-A do art. 100 da Constituição Federal reabriu a questão. Com efeito, em julgados mais recentes, tanto a primeira, como a segunda turma desta Corte, já se manifestaram no sentido de não conferir tal natureza a essas verbas (REsp nº 653.864⁄SP, DJ de 12⁄12⁄2004; ROMS nº 17.536⁄DF, DJ de 10⁄2⁄2004).

A discussão é travada mais freqüentemente por ocasião de decisões acerca da ordem dos precatórios expedidos em face da Fazenda Pública (que é, aliás, exatamente o assunto discutido nos precedentes trazidos pela recorrente para confronto). Portanto, é na Primeira e na Segunda Turmas deste Tribunal que os precedentes têm se formado.

Os acórdãos mais antigos, para fundamentar o entendimento de que tinham natureza alimentar os honorários, costumava mencionar o julgamento, pelo Supremo Tribunal Federal, do RE nº 146.318-0, relatado pelo Ministro Carlos Velloso. Esse julgado, acolhido à unanimidade pelos integrantes da Segunda Turma do STF, teve a seguinte ementa:

CONSTITUCIONAL. PRECATÓRIO. PAGAMENTO NA FORMA DO ART. 33, ADCT. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS E PERICIAIS: CARÁTER ALIMENTAR. ADCT, ART. 33.

I. Os honorários advocatícios e periciais têm natureza alimentar. Por isso, excluem-se da forma de pagamento preconizada no art. 33, ADCT.

II. R.E. não conhecido.

No corpo desse acórdão, o Pretório Excelso, para fundamentar o reconhecimento do caráter alimentar da verba honorária, menciona que “embora a honorária não tenha a natureza jurídica do salário, dele não se distingue em sua finalidade, que é a mesma. A honorária é, em suma, um salário ad honorem pela nobreza do serviço prestado. Tem, portanto, caráter alimentar, porque os profissionais liberais dele se utilizam para sua mantença e de seu escritório ou consultório”.

A reabertura da discussão no âmbito do STJ deu-se porque o §1º-A do artigo 100, agora, enumera de maneira expressa as verbas que podem ser consideradas de caráter alimentar, mencionando “salários, vencimentos, proventos, pensões e suas complementações, benefícios previdenciários e indenizações por morte ou invalidez, fundadas na responsabilidade civil, em virtude de sentença transitada em julgado”. Honorários, como se vê, não estão incluídos nesse rol.

O principal fundamento dos acórdãos que deixaram de reconhecer o caráter alimentar para os honorários, conforme se extrai do voto proferido pelo Ministro Luiz Fux no ROMS nº 17.536⁄DF (DJ de 3⁄5⁄2004), é o de que essas verbas, por configurarem retribuição aleatória e incerta – dependente do êxito da causa – “não podem ser considerados da mesma categoria dos alimentos necessarium vitae previstos na Carta Magna” (ROMS 17.536, supracitado).

Ou seja, o foco desses precedentes são os honorários de sucumbência, justamente porquanto é só nessas situações que o recebimento dessas quantias é aleatório. A hipótese dos autos, porém, é de honorários contratados em valor fixo. Tais hipóteses não foram contempladas nos precedentes e, mais que isso, foram ressalvadas de maneira expressa no voto proferido pelo Ministro Luiz Fux no ROMS nº 17.536 (DJ de 3⁄5⁄2004), verbis:

“Prima facie, mister distinguir a natureza dos honorários decorrentes da sucumbência daqueles resultantes do contrato firmado entre o advogado e a parte a qual patrocina.

Deveras, a verba decorrente dos honorários de sucumbência – cuja retribuição é aleatória e incerta – dependente do êxito da parte a qual patrocina, não podem ser considerados da mesma categoria dos alimentos necessarium vitae previstos na Carta Magna.

Sobre o tema destaque-se, pela juridicidade de suas razões, os fundamentos desenvolvidos pelo Ministro Sydney Sanches, no voto condutor do RE 143.802-9⁄SP, litteris:

(…)

‘Os honorários advocatícios da sucumbência não tem, data venia, o caráter alimentar. É certo que esse caráter deve ser conferido àquela verba resultante de contrato firmado entre o advogado e a parte, no momento do patrocínio. Desse numerário, efetivamente retira o patrono seu sustento. É diversa da verba decorrente da sucumbência, da qual o advogado não pode sem sempre dispor ou contar como certa.’ (grifos nossos)

Ou seja, o que se vê é que o movimento recém iniciado no sentido da mudança do posicionamento desta Corte não se aplica ao caso concreto. Para o caso dos autos — honorários contratados por valor fixo — ainda vigora o entendimento de que deve ser-lhe conferida natureza alimentar.

b) Da equiparação dos honorários aos salários mencionados no art. 102 da antiga Lei de Falências.

Definida a natureza alimentar dos honorários advocatícios, resta saber se essa definição, isoladamente, é suficiente para enquadrá-los no privilégio absoluto conferido aos salários pelo caput do art. 102, da antiga Lei de Falências.

A análise meramente literal do dispositivo de lei, naturalmente, levaria à conclusão de que somente os salários, stricto sensu, são passíveis da proteção absoluta. Todavia, uma reflexão um pouco mais detida leva a conclusão oposta. As proteções conferidas ao salário, como a que ora se comenta, não foram estabelecidas pela lei de maneira meramente dogmática. Há, naturalmente, uma finalidade que a norma pretende atingir. No caso em tela, essa finalidade é garantir ao trabalhador que, na medida do possível, receba seus proventos, e, conseqüentemente, tenha garantida sua sobrevivência e a de sua família. Vale dizer: é o caráter alimentar do salário que justifica a proteção que a lei lhe concede. Tanto que o princípio da intangibilidade dos salários, cujo corolário é a impenhorabilidade dessa verba, comporta a expressa exceção fixada pelo artigo 649, inciso IV do Código de Processo Civil, para prestações de natureza alimentícia. Esse é o fundamento da proteção legal ao salário. Ora, se do caráter alimentício também estão revestidos os honorários, não vejo motivo pelo qual não se deveria estender também a eles a proteção legal.

Note-se que, aqui, não estou a dizer que honorários e salários são figuras idênticas. Salário, nos termos dos arts 457 e 458 da CLT, é a remuneração paga pelo empregador ao empregado (pessoa física), como remuneração pela prestação de serviços no âmbito de uma relação de emprego. A figura do salário é específica, e para sua caracterização devem estar presentes os requisitos do artigo 2º da CLT. O que afirmo, em vez disso, é que na natureza alimentar, e somente nela, as figuras são afins.

Ora, se são figuras afins em sua natureza alimentar, o privilégio conferido pela Lei de Falências aos salários deve ser estendido também aos honorários, porquanto é exatamente isso que a Lei visa a proteger. Interpreta-se, portanto, o caput do art. 103 de maneira extensiva, atribuindo-lhe o significado amplo de remuneração.

c) Da pessoa jurídica

O raciocínio desenvolvido acima não é alterado pelo fato de a verba honorária ora discutida ter sido recebida por uma sociedade de advogados. Em primeiro lugar, não é inusitado que a natureza alimentar seja reconhecida à receita de uma pessoa jurídica, do que é exemplo a remuneração recebida por representantes comerciais, equiparada às indenizações trabalhistas (Lei nº 4.886⁄65, art. 44), não obstante os representantes comerciais possam se organizar em torno de uma sociedade (art. 1º). Em segundo lugar, a sociedade de advogados é organizada de maneira muito peculiar pela Lei nº 8.906⁄94, que dispõe ser vedada a adoção de forma ou característica mercantil, a participação de quaisquer pessoas que não exerçam a atividade de advogados (art. 16) e determina a responsabilidade ilimitada de todos os sócios perante os respectivos clientes pela ação ou omissão no exercício da advocacia (art. 17). Ou seja: trata-se de uma sociedade de pessoas, e não de capital, cujo único objeto possível é o exercício da atividade advocatícia.

Ora, se os débitos de uma sociedade de advogados podem ser estendidos a seus sócios, temos inevitavelmente uma confusão de patrimônios entre eles e a sociedade. Não vejo motivos para que tal confusão não seja estendida também às receitas do escritório, mormente tendo em vista que tais receitas serão provenientes de uma única atividade – a advocatícia -, cuja remuneração é, ordinariamente, considerada de caráter alimentar.

Vale acrescentar ainda que em nenhum momento a Lei nº 8.906⁄94 faz qualquer distinção entre pessoas físicas ou jurídicas, no exercício da advocacia. O tratamento dado ao exercício dessa atividade é sempre pessoal. A relação dos clientes não é estabelecida diretamente com a sociedade, mas, sempre, com os advogados que a compõem. Tanto que, tratando da representação do cliente em juízo, a Lei dispõe que “as procurações devem ser outorgadas individualmente aos advogados e indicar a sociedade de que façam parte” (art. 15, §3º).

Essa pessoalidade se reflete nos honorários. Não somente os sócios, mas também os advogados empregados em um escritório têm direito, de maneira pessoal e direta, aos honorários advocatícios. A esse respeito, a Lei dispõe, em seu art. 21, § único, que “os honorários de sucumbência, percebidos por advogado empregado de sociedade de advogados são partilhados entre ele e a empregadora, na forma estabelecida em acordo”.

Ou seja, por qualquer lado que se olhe a questão, salta aos olhos que a verba honorária pertence ao advogado, ainda que organizado em torno de uma pessoa jurídica. É sua fonte de sustento e tem, em qualquer caso, natureza alimentar.

Forte em tais razões, conheço e dou provimento ao recurso, para o fim de revogar a decisão que determinou a devolução, pelos recorrentes, do valor por eles levantados nos autos da falência da sociedade Moellmann Comercial S.A.”

O exame desse precedente deixa claro que os honorários advocatícios, quando contratados em valor fixo, possuem natureza alimentar e que o fato da verba honorária ser recebida por uma sociedade de advogados não lhe retira essa natureza. Porém, no tocante aos honorários decorrentes da sucumbência a controvérsia persiste. Isso porque ao julgar ROMS 17.536 o Superior Tribunal de Justiça decidiu que:

“PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS DECORRENTES DE SUCUMBÊNCIA. PRECATÓRIO. ART. 100, § 1-A, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.

1. O art. 100, § 1-A da Constituição Federal dispõe: “Os créditos e natureza alimentícia compreendem aqueles decorrentes de salários, vencimentos, proventos, pensões e suas complementações, benefícios previdenciários e indenizações por morte ou invalidez, fundadas na responsabilidade civil, em virtude de sentença transitada em julgado.

2. A ratio essendi do art. 1º da Emenda nº 30 dirigi-se exatamente aquelas verbas necessarium vitae, que são devidas e em relação às quais as partes não podem praticamente sobreviver, razão pela qual mereceram um tratamento constitucional privilegiado.

3. Deveras, a verba decorrente dos honorários de sucumbência – cuja retribuição é aleatória e incerta – dependente do êxito da parte a qual patrocina, não podem ser considerados da mesma categoria dos alimentos necessarium vitae previstos na Carta Magna.

4. Recurso ordinário em mandado de segurança improvido.”

(RMS 17536/DF, Rel. Ministro JOSÉ DELGADO, Rel. p/ Acórdão Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 10.02.2004, DJ 03.05.2004 p. 94)

A questão aqui abordada – natureza alimentar dos honorários de sucumbência – foi o centro da discussão nesse julgado. O tema foi examinado de forma perfeita pelo Ministro José Delgado em voto assim lançado:

“O SR. MINISTRO JOSÉ DELGADO (RELATOR):

Tenho que há de ser provido o recurso, como sugerido pelo Ministério Público Federal no corpo do Parecer já referido.

O tema em apreço – a natureza dos honorários advocatícios, se sucumbencial ou alimentar, para fins verificação se o pagamento do mesmo se enquadra na sistemática do precatório ou não – encontra-se uniforme e pacífico nesta Corte de Justiça.

O art. 23 do Estatuto dos Advogados (Lei nº 8.906⁄1994) dispõe que “os honorários incluídos na condenação, por arbitramento ou sucumbência, pertencem ao advogado, tendo este o direito autônomo para executar a sentença nesta parte, podendo requerer que o precatório, quando necessário, seja expedido em seu nome.”

Assim, é cristalino que a verba honorária, com relação ao advogado, não se inclui na sucumbência literal da ação, pois esta é apenas para as partes litigantes.

O advogado não é parte, é o instrumento necessário e fundamental, constitucionalmente elencado, para os demandantes ingressarem em juízo.

Não sendo sucumbencial, os honorários do advogado constituem verba de natureza alimentar, devendo, com isso, serem inseridos na exceção do art. 100, caput, da novel Carta Magna.

A propósito, confira-se mais estas jurisprudências do Superior Tribunal de Justiça sobre a matéria em debate:

“PROCESSO CIVIL – DESISTÊNCIA – AÇÃO DE DESAPROPRIAÇÃO – DESPESAS E HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS (ART. 20, PARÁGRAFO 4º, CPC) – ATUALIZAÇÃO MONETÁRIA – IPC DE JANEIRO DE 1989 (LEI 7.730⁄89).

I – A desistência do processo, em ação de desapropriação, sujeita o expropriante ao pagamento das despesas processuais e honorários advocatícios (CPC – art. 26). Se não há condenação, aplica-se a regra inscrita no art. 20, parágrafo 4º do CPC.

II – Os honorários de advogado têm caráter alimentar. Em sua liquidação é de se levar em conta o percentual de 70,28% relativo ao IPC de janeiro de 1989.”

(REsp nº 32741⁄SP, 1ª Turma, DJ de 27⁄09⁄1993, Rel. Min. HUMBERTO GOMES DE BARROS)

“HONORÁRIOS DE ADVOGADO. AÇÃO PARA A SUA COBRANÇA (CPC, ART. 275, II M). CORREÇÃO MONETÁRIA.

– Incide desde data anterior à do ajuizamento da causa, face à natureza alimentar dos honorários. Hipótese em que se determinou a incidência da correção a partir da ‘publicação da Lei nº 6.899⁄81, e não à data do aforamento da ação’.

– Improcedência da alegação de ofensa ao art. 1º, par. 2º da referida Lei. dissídio não demonstrado na forma regimental.

– Recurso especial de que a Turma deixou de conhecer.”

(REsp nº 32900⁄SP, 3ª Turma, DJ de 17⁄05⁄1993, Rel. Min. NILSON NAVES) Esse também é o entendimento consagrado na distinta Corte Máxima, conforme os julgados que transcrevo:

“CONSTITUCIONAL. PRECATÓRIO.

PAGAMENTO NA FORMA DO ART. 33, ADCT. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS E PERICIAIS: CARÁTER ALIMENTAR. ADCT, ART. 33. I.

– Os honorários advocatícios e periciais têm natureza alimentar. Por isso, excluem-se da forma de pagamento preconizada no art. 33, ADCT. II. – R.E. não conhecido.”

(RE nº 146318⁄SP, 2ª Turma, DJ de 04⁄04⁄1997, Rel. Min. CARLOS VELLOSO)

“PRECATÓRIO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS E PERICIAIS. NATUREZA DO CRÉDITO. MORATÓRIA. ART. 33, ADCT⁄88.

– Os honorários advocatícios e periciais não estão sujeitos à moratória prevista no art. 33 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, por consubstanciarem créditos de natureza alimentar.

– O art. 23 do Estatuto dos Advogados, Lei nº 8.906, de 4 de julho de 1994, dispõe que ‘os honorários incluídos na condenação, por arbitramento ou sucumbência, pertencem ao advogado, tendo este o direito autônomo para executar a sentença nesta parte, podendo requerer que o precatório, quando necessário, seja expedido em seu nome’.”

(RE nº 170767⁄SP, 2ª Turma, DJ de 07⁄08⁄1998, Rel. Min. MARCO AURÉLIO)

Destarte, esse é o posicionamento que sigo, por entender ser o mais coerente.

Entendo que não houve alteração nesse posicionamento com a promulgação da EC nº 30, de 14.9.2000, que introduziu o § 1º-A, no art. 100, da Constituição Federal. Essa regra estabelece o que deve ser compreendido por débitos de natureza alimentícia, elencando: salários, vencimentos, proventos e suas complementações, benefícios previdenciários e indenizações por morte ou invalidez, fundadas na responsabilidade civil, em virtude de sentença transitada em julgado.

Os honorários recebidos pelos advogados têm a mesma natureza de salários. Esta expressão, segundo afirma o “Dicionário Aurélio”, significa, também, recompensa de serviços, o que, realmente, corresponde ao recebido por esses profissionais.

O mesmo dicionário indica, ainda, que o vocábulo “honorários” significa, por interpretação extensiva, vencimentos, salários, remuneração.

Vencimentos, salários e honorários possuem caráter alimentar. Excluir os honorários da permissibilidade contida no art. 100 da CF é estabelecer uma proibição que, data vênia, vai de encontro aos princípios da dignidade humana e da valorização da profissão de advogado, que é considerada pela CF como essencial à administração da Justiça.

Os ditames da Constituição Federal que cuidam de valores voltados para dignificar a cidadania e as profissões por ela prestigiadas não devem sofrer interpretação restritiva. Merecem extrair dos seus comandos o máximo de efetividade e eficácia para o cidadão.

Isso posto, dou provimento ao recurso.

É como voto.

RECURSO ORDINÁRIO EM MS Nº 17.536 – DF (2003⁄0223022-4)

RATIFICAÇÃO DE VOTO-VENCIDO

O SR. MINISTRO JOSÉ DELGADO (RELATOR): Sr. Presidente, insisto em minha tese porque a Constituição, no art. 100, dispõe a respeito de débitos de natureza alimentícia:

“§ 1º-A – Os débitos de natureza alimentícia compreendem aqueles decorrentes de salários, vencimentos, proventos, pensões e suas complementações, benefícios previdenciários e indenizações por morte ou invalidez, fundadas na responsabilidade civil, em virtude de sentença transitada em julgado.”

A Constituição não diz “compreende somente estes”. O conceito de honorários, dentro de um sistema jurídico, interpretado de modo vinculado, corresponde a salários; o salário do advogado compreende honorários. Temos uma definição no Estatuto da OAB. O artigo que foi referido nunca foi afastado do ordenamento jurídico. Sabemos que a letra da Constituição não esgota por inteiro a interpretação do Direito. Não houve a pretensão da exclusão pelo constituinte, que apenas quis definir para evitar determinados abusos. Concordo com o Sr. Ministro Teori Albino Zavascki, mas não é o caso.

Com essa posição, fico vencido, dando provimento ao recurso ordinário em mandado de segurança.”

Infelizmente tal entendimento não prevaleceu. O voto vencedor foi da lavra do Ministro Luiz Fux que, valendo-se de entendimento oriundo de precedente do Supremo Tribunal Federal, assim decidiu a matéria:

“EXMO. SR. MINISTRO LUIZ FUX: Trata-se de recurso ordinário em mandado de segurança no qual se discute a natureza dos honorários advocatícios – se alimentar ou sucumbencial – para fins de inclusão em precatório.

In casu, o cerne da questão cinge-se à interpretação acerca da natureza dos honorários advocatícios decorrentes de sucumbência da Fazenda Pública.

Com efeito, não obstante os bem lançados fundamentos do Ministro José Delgado, discordo, data venia, do entendimento adotado.

Isto porque, entendo que a ratio essendi do art. 1º da Emenda nº 30 dirigi-se exatamente aquelas verbas necessarium vitae, que são devidas e em relação às quais as partes não podem praticamente sobreviver, razão pela qual mereceram um tratamento constitucional privilegiado.

Prima facie, mister distinguir a natureza dos honorários decorrentes de sucumbência daqueles resultantes do contrato firmado entre o advogado e a parte a qual patrocina.

Deveras, a verba decorrente dos honorários de sucumbência – cuja retribuição é aleatória e incerta – dependente do êxito da parte a qual patrocina, não podem ser considerados da mesma categoria dos alimentos necessarium vitae previstos na Carta Magna.

Sobre o tema destaque-se, pela juridicidade de suas razões, os fundamentos desenvolvidos pelo Ministro Sydney Sanches, no voto condutor do RE 143.802-9⁄SP, litteris:

“(…) Objetiva o presente Recurso, a desconstituição do V. Acórdão de fls. que deu provimento ao agravo de instrumento dos ora recorridos, no sentido de que a verba honorária, por ter manifesto caracter alimentar não se enquadra na regra excepcional e provisória do artigo 33 das Disposições Transitórias da Carta Magna.

Resumidamente, o fulcro da questão se encontra na natureza da interpretação de serem os honorários advocatícios relativos à sucumbência, créditos de natureza alimentar. Tal não sucede, entretanto.

Os honorários advocatícios decorrentes da sucumbência, não têm, data venia, o caráter alimentar. É certo que esse cará ter deve ser conferido àquela verba resultante de contrato firmado entre o advogado e a parte, no momento do patrocínio.

Desse numerário, efetivamente retira o patrono seu sustento. É diversa da verba decorrente da sucumbência, da qual o advogado não pode nem sempre dispor ou contar como certa.

À contemplar-se a verba decorrente da sucumbência como de natureza alimentar, constituir-se-ia uma inversão de valores, em detrimento daquele a quem o Estado ainda está a dever e que não conseguiu a liquidação plena de seu crédito, a favor daquele a quem deu seu patrocínio.

Não pode, pois, a sucumbência integrar o conceito de verba alimentar. Sua retribuição é aleatória eis que, os advogados efetivamente não podem contar com sua existência ou quantum.

Como já foi dito, os contratos de honorários não se resumem à percepção da verba a quem o sucumbente eventualmente venha a ser condenado. A prestação postulatória exige do patrocinado o pagamento da honorária certa desvinculada da condenação que poderá não sobrevir, se o patrono não alcançar o ganho da causa.

Um outro aspecto ainda, merece consideração: não existe entre o Estado e o advogado da parte adversa, qualquer relação de subordinação que resultasse na possibilidade de exigência da honorária como prestação de caráter alimentício. Não existe dependência entre a entidade devedora e o advogado de outra parte. A sucumbência é pois, um “plus” condenatório que se não reveste de natureza alimentar.

Finalmente, destaca-se o último obstáculo à pretensão dos Autores. Trata-se da sistemática obedecida no cumprimento dos ofícios requisitórios. A se atender e se considerar tal verba como caráter alimentício, importar-se-ia em segmentação dos requisitórios de tal sorte quantos fossem os advogados patrocinadores dos interesses dos demandantes, o que sem dúvida tornaria a situação extremamente tumultuária na liquidação dos precatórios, inclusive às vezes em detrimento dos próprios clientes.

Isto posto, e tendo sido violada a Carta Magna em seu artigo 33 das Disposições Transitórias, a Autarquia, invocando os suprimentos dessa Egrégia Suprema Corte Federal, espera seja o V. Acórdão, ora atacado, desconstituído com o provimento do presente apelo extremo de modo a se restabelecer o verdadeiro direito emanado de nossa Constituição Federal, como medida de Justiça Total!

Omissis

3. O Parecer do Ministério Público Federal, da lavra da ilustre Subprocuradora-Geral República Dra. ANADYR DE MENDONÇA RODRIGUES, exarou-se à fls. 62, nestes termos

“Recurso Extraordinário onde se discute a interpretação a ser dada ao artigo 33 do ADCT que reza o parcelamento do pagamento dos precatórios judiciais.

A colenda primeira turma do Supremo Tribunal Federal externou pensamento contrário ao entendimento esposado pelo Tribunal a quo no julgamento dos Recursos Extraordinários 149.9893-SP, Rel. Min. Moreira Alves, IN DJ de 06⁄08⁄93, pp. 14.908⁄9 e 162.312-8-SP, Rel. Min. Ilmar Galvão, IN DJ de 13⁄05⁄94, p. 11.357, entendendo aplicável inclusive às desapropriações, o artigo 33 do ADCT.

O parecer é, por conseguinte, provimento do Recurso Extraordinário.”

4. Valho-me dos fundamentos deduzidos pelo recorrente e pelo Ministério Público federal, para conhecer do Recurso Extraordinário e lhe dar provimento.

É que o principal da justa indenização em processo expropriatório está sujeito à moratória prevista no art. 33 do A.D.C.T., na conformidade da jurisprudência desta Corte.

Se assim é com o principal, pela mesma razão há de ser com a verba acessória, de honorários advocatícios, não se tratando aqui de ação proposta pelo Advogado contra o constituinte.

5. Nesse sentido é o meu voto.”

transcrever (fl. 539⁄542)

A conclusão genérica, vamos dizer assim, se coloca contrária ao que a prática revela. Os advogados, às vezes, recebem somas que lhes são devidas, porque advogam e devem receber os honorários, mas estes são incluídos em precatórios, tendo em vista que são verbas expressivas que o Estado não tem como desembolsar na ordem preferencial estabelecida no art. 100.

Conseqüentemente, pela análise axiológica do art. 1º da Emenda nº 30, peço vênia para votar em sentido oposto e inaugurar a divergência, negando provimento ao recurso ordinário em mandado de segurança.

Ex positis, peço vênia ao nobre relator, para negar provimento recurso ordinário em mandado de segurança.

É como voto.”

Registrando todo o respeito e admiração que tenho pelo Ministro Luiz Fux, grande jurista que é, entendo que, nesse caso, razão não lhe assistia. Certamente o entendimento sustentado pelo voto vencido era o mais adequado para o caso referido no qual se discutia a definição do caráter da verba honorária, em relação ao pagamento de precatórios.

Os honorários advocatícios decorrentes da sucumbência têm sim natureza alimentar. Nada os difere dos honorários advocatícios decorrentes de contrato. Ambos servem para prover o sustento dos advogados.

O caráter aleatório dos honorários decorrentes da sucumbência não retira dessa verba a sua natureza alimentar. Aliás, nesse ponto é importante ressaltar que grande parte dos advogados brasileiros vive unicamente dos valores auferidos com honorários decorrentes da sucumbência. Nesse imenso e pobre Brasil não são poucos os contratos nos quais se encontra previsto que a remuneração do advogado dependerá do êxito da demanda. O Código de Ética e Disciplina da OAB regula expressamente esse tipo de contratação. Não é o fato de vincular-se a remuneração do advogado ao sucesso da demanda que retira dos honorários o caráter alimentar. Em alguns processos, principalmente quando patrocina a defesa dos mais humildes, o advogado somente recebe honorários se os pedidos que formular vierem a ser acolhidos. É inadmissível, por esse argumento, que se negue a natureza alimentar dos honorários de advogado.

O segundo argumento utilizado para negar a natureza alimentar dos honorários devidos em razão da sucumbência (art. 20 do CPC) foi o da inexistência de relação de subordinação entre o advogado e parte sucumbente, que resultasse na possibilidade de exigência da honorária como prestação de caráter alimentício. Esse argumento — com a devida vênia — também é inconsistente. A inexistência de subordinação entre o advogado e a parte sucumbente serve apenas para demonstrar que não existe vínculo de emprego entre eles. Aliás, em regra, em se tratando de profissional liberal, não há vínculo de emprego nem mesmo entre o advogado e seu cliente. Porém, não é isso que retira a natureza alimentar dos honorários. O que caracteriza os honorários advocatícios como verba de natureza alimentar é a destinação dada a esses recursos, que é uma só: prover o sustento dos advogados.

Esse tema — a natureza alimentar dos honorários decorrentes da sucumbência — foi objeto de recente julgamento do Superior Tribunal de Justiça. Ao apreciar o Recurso Especial 608.028 – MS, a Terceira Turma desse Egrégio Tribunal reconheceu a natureza alimentar dos honorários decorrentes da sucumbência. O voto da relatora — Ministra Nancy Andrighi — enfrenta bem a questão, e o faz com os seguintes argumentos:

“III – A natureza alimentar dos honorários de sucumbência

As razões que levaram esta Corte, em alguns precedentes, a descaracterizar a natureza alimentar dos honorários podem ser resumidas às seguintes considerações, tecidas pelo Ministro Luiz Fux no voto vencedor que proferiu no ROMS nº 17.536/DF:

“Não pode, pois, a sucumbência integrar o conceito de verba alimentar. Sua retribuição é aleatória eis que, os advogados efetivamente não podem contar com sua existência ou quantum. Como já foi dito, os contratos de honorários não se resumem à percepção da verba a quem (sic) o sucumbente eventualmente venha a ser condenado. A prestação postulatória exige do patrocinado o pagamento da honorária certa desvinculada da condenação que poderá não sobrevir, se o patrono não alcançar o ganho da causa.

Um outro aspecto ainda, merece consideração: não existe entre o Estado e o advogado da parte adversa, qualquer relação de subordinação que resultasse na possibilidade de exigência da honorária como prestação de caráter alimentício. Não existe dependência entre a entidade devedora e o advogado de outra parte. A sucumbência é pois, um ‘plus’ condenatório que se não reveste de natureza alimentar” (grifos no original)

Da transcrição acima se depreende, portanto, que dois argumentos sustentam tal idéia: (a) da ausência de certeza no recebimento da verba honorária decorreria a ausência de imprescindibilidade no seu recebimento para a sobrevivência do advogado; e (b) não haveria subordinação (ou dependência, que é um sinônimo, para os fins do direito do trabalho) entre advogado e cliente, o que retiraria dos honorários a natureza salarial.

Em que pese a excelência desses argumentos e a profunda erudição do ministro que os defendeu, entendo que é possível ainda refletir um pouco mais sobre a questão, o que passo a fazer, articuladamente, com relação a cada um desses argumentos.

III. a) A aleatoriedade do recebimento da verba Em primeiro lugar, não me parece impossível, e tampouco inusitado, que uma verba tenha natureza alimentar, não obstante seja incerto ou aleatório o seu recebimento. O próprio Direito do Trabalho nos dá exemplos disso. Nessa seara, é vedada a estipulação de salário integralmente aleatório para um trabalhador celetista.

Todavia, é possível que o empregador estipule, em cada caso, uma quantia fixa de salário, mais uma parcela adicional variável. Essa parcela adicional pode ser fixada como comissões, como gratificações ajustadas com base em metas, como diárias de viagens que ultrapassem a metade da remuneração ou mesmo como participação nos lucros da empresa, desde que fixada sem convenção ou acordo coletivo. Em todos esses casos, não há certeza no recebimento da remuneração adicional ao salário, mas, nem por isso, esses adicionais perderão sua natureza salarial. Tanto que a média de tais valores deve ser considerada como integrante do salário para o cômputo das férias, do descanso semanal remunerado e das horas extras do empregado. Tais valores, outrossim, gozam do mesmo privilégio que o salário, seja no concurso falimentar, seja na execução promovida contra devedor solvente.

Ora, no caso dos honorários de sucumbência ocorre exatamente o mesmo. O advogado contratado para atuar em um processo judicial cobra um valor fixo inicial, normalmente estipulado com base na tabela divulgada pela Ordem dos Advogados do Brasil, mais a eventual sucumbência, em caso de sucesso na lide.

Da mesma forma que ocorre com o trabalhador celetista, a aleatoriedade do recebimento da verba adicional, por si só, não é suficiente para retirar-lhe o caráter alimentar.

O raciocínio é sempre o mesmo: das inúmeras roupas que um vendedor tem à sua disposição, apenas as efetivamente vendidas lhe conferirão direito à comissão de que tira, juntamente com o salário fixo, seu sustento.

Igualmente, dentre as diversas causas que um advogado patrocina, é das que ele vencer, juntamente com os honorários fixos, que será tirado seu sustento e o sustento de sua família.

É fato que o advogado não conta com o recebimento de determinada quantia futura para fazer seu planejamento, mesmo porque ele não sabe quais causas vai ganhar e quais vai perder. Todavia, não se pode esquecer que é extremamente comum que o advogado não tenha entradas fixas em seu escritório, decorrentes de contratos de partido, suficientes para lhe garantir o sustento. Assim, quando o advogado recebe honorários de sucumbência, costuma formar uma reserva de capital, que posteriormente utiliza por muitos meses, até que outras causas em andamento lhe rendam honorários que renovem essa reserva, e assim sucessivamente. Portanto, o que determina o planejamento de vida do advogado não é a expectativa de uma entrada futura específica, mas o controle sobre a reserva decorrente das entradas passadas.

Infelizmente, nem todos os escritórios são equilibrados em termos de entradas e despesas fixas, que podem dizer que os honorários de sucumbência são meramente um plus, um prêmio. Para a grande massa dos advogados, eles fazem parte do sustento.

A analogia com o Direito do Trabalho, portanto, e com as hipóteses de trabalhadores comissionados, é perfeitamente possível. O Direito é uno. As proteções conferidas ao salário, em virtude de sua natureza alimentar, encontram sua mais perfeita elaboração no Direito do Trabalho. Portanto, para que se possa, de maneira coerente com todo o sistema, defender que a aleatoriedade no recebimento de um valor retira sua natureza alimentar, é necessário explicar por que, no Direito do Trabalho, isso não ocorre.

III. b) Ausência de subordinação Com relação à ausência de subordinação entre advogado e cliente, acredito que esse argumento não é relevante para a definição desta controvérsia. Com efeito, a ausência de subordinação demonstra apenas que não há relação de emprego entre o causídico e a parte que ele representa em juízo. Relação de emprego somente existe quando se fazem presentes todos os cinco requisitos do art. 3º da CLT, ou seja, trabalho prestado por pessoa física, com habitualidade, subordinação, pessoalidade e remuneração mediante salário.

Todavia, o fato de não existir relação de emprego não influi no caráter alimentar da verba honorária. O salário de um empregado não é protegido, por lei, porque o trabalho é subordinado. Ele é protegido porque representa a fonte de sustento do trabalhador. O foco da questão, portanto, não é a subordinação, mas a natureza alimentar da verba.”

O voto da Ministra Nancy Andrighi é extremamente acertado. Examina e decide a questão de forma perfeita. Espanca todas as dúvidas existentes sobre o assunto. Porém, ainda assim, a controvérsia persiste.

É importante registrar: (i) que o acórdão acima referido é oriundo da Terceira Turma; (ii) que o julgamento não foi unânime; (iii) que os precedentes da Primeira Seção do STJ ainda registram a ausência de caráter alimentar dos honorários de sucumbência. Isso implica em dizer que o tema ainda será objeto de discussão. É bem provável que venha ser discutido em sede de embargos de divergência (art. 546, I do CPC), face à ocorrência de dissídio jurisprudencial entre o acórdão aqui referido (RESP 608.028 – MS), oriundo da Terceira Turma e aqueles oriundos das Turmas que integram a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça. Portanto, é de todo recomendável que a matéria venha ser resolvida no plano legislativo.

AS SOCIEDADES DE ADVOGADOS E A COBRANÇA DE HONORÁRIOS

Registro, quanto à possibilidade da cobrança dos honorários advocatícios pela sociedade de advogados, que há precedentes admitindo que esta somente é possível quando a sociedade é indicada na procuração outorgada aos causídicos (art. 15, § 3º, da Lei nº 8.906/94) e que, salvo quando há cessão do respectivo crédito, o levantamento da verba honorária é direito autônomo do advogado . De outro lado, em outros julgados, o Superior Tribunal Justiça reconheceu que “a sociedade de advogados tem legitimidade para executar os honorários advocatícios devidos em processo para o qual foi outorgado mandato a um dos seus integrantes”.

A controvérsia tem graves conseqüências na esfera tributária. Isso porque na ocasião do levantamento (recebimento) da verba honorária, será exigido o recolhimento na fonte do imposto sobre a renda. Nesse momento, se o recebimento se der por pessoa física, a alíquota poderá atingir 27,5% desse valor. De outro lado, se o valor for levantado por pessoa jurídica, sobre a verba honorária a alíquota incidente será de 1,5%. A diferença é brutal.

Na Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça vigora o entendimento segundo o qual “a ausência de indicação da sociedade, no instrumento de mandato, impõe a retenção do Imposto de Renda Pessoa Física em decorrência do pagamento dos honorários, levando-se em consideração o fato de que os serviços foram prestados individualmente pelos advogados”. O entendimento da Terceira Turma desse Egrégio Tribunal é diverso. No julgamento do Recurso Especial 651.157 — SP, restou decido que “a sociedade de advogados tem legitimidade para executar os honorários advocatícios devidos em processo para o qual foi outorgado mandato a um dos seus integrantes”. O voto do relator — Ministro Antônio de Pádua Ribeiro — sustenta que:

“Entende o agravante não ter a sociedade de advogados legitimidade ativa para executar a verba honorária, uma vez que somente àqueles a quem foi outorgada a procuração é que tem o direito de exigir judicialmente a verba honorária da sucumbência.

Não procede tal alegação. Esta Corte já decidiu em sentido diverso, conforme se infere das seguintes ementas:

“PROCESSUAL CIVIL. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS COBRADOS POR SOCIEDADE DESSES PROFISSIONAIS. LEGITIMIDADE ‘AD CAUSAM’ RECONHECIDA.

É legítima a cobrança de honorários advocatícios por parte da sociedade de advogados, desde que esteja legitimamente constituída e, haja contrato ou documentação comprobatória de outorga de procuração pela parte interessada nos serviços de qualquer um dos sócios.

Recurso não conhecido.” (RESP 166.332-SP, Rel. Ministro Bueno de Souza, DJ de 22⁄3⁄1999)

“SOCIEDADE DE ADVOGADOS. Honorários. Legitimidade ativa.

A sociedade de advogados tem legitimidade para cobrar, em seu nome, a verba honorária concedida em processo para o qual foi outorgado mandato a um dos seus integrantes. No caso dos autos, ainda há a particularidade de que o advogado constituído assinou a petição de cobrança em nome da sociedade.

Recurso não conhecido.” (RESP 426.301-SP, Rel. Ministro Ruy Rosado de Aguiar, DJ de 14⁄4⁄2003)

No caso dos autos, a procuração foi outorgada a advogados sócios e membros da Peixoto, Cury e Ferraz – Advogados S.C., registrado sob o n.º 17 da OAB, Seção de São Paulo (fls. 44). Tem, pois, a Sociedade legitimidade para executar verba honorária.”

A tese levantada pelo recorrido — sustentada oralmente pelo culto e brilhante Conselheiro Federal Roberto Rosas — e acolhida pela Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, expressa o entendimento daquele órgão julgador, que diverge da orientação da Primeira Turma.

Em outro precedente a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça também reconheceu a legitimidade das sociedades de advogados para efetuar a cobrança — e por conseqüência o recebimento — dos honorários devidos em razão dos serviços prestados por qualquer um de seus sócios:

“PROCESSUAL CIVIL. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS COBRADOS POR SOCIEDADE DESSES PROFISSIONAIS. LEGITIMIDADE “AD CAUSAM” RECONHECIDA.

É legítima a cobrança de honorários advocatícios por parte da sociedade de advogados, desde que esteja legitimamente constituída e, haja contrato ou documentação comprobatória de outorga de procuração pela parte interessada nos serviços de qualquer um dos sócios.

Recurso não conhecido.” (REsp 166332/SP, Rel. Ministro BUENO DE SOUZA, QUARTA TURMA, julgado em 17.12.1998, DJ 22.03.1999 p. 210)

Nessa mesma linha de entendimento:

“SOCIEDADE DE ADVOGADOS. Honorários. Legitimidade ativa.

A sociedade de advogados tem legitimidade para cobrar, em seu nome, a verba honorária concedida em processo para o qual foi outorgado mandato a um dos seus integrantes. No caso dos autos, ainda há a particularidade de que o advogado constituído assinou a petição de cobrança em nome da sociedade.

Recurso não conhecido.” (REsp 426.301/SP, Rel. Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR, QUARTA TURMA, julgado em 05.09.2002, DJ 14.04.2003 p. 227)

Como se vê a questão é controvertida. Também merece uma solução no plano legislativo, visando evitar que prejuízos venham a ser causados aos advogados, exigindo-lhes o pagamento de imposto de renda na qualidade de pessoa física, com alíquotas mais elevadas, quando os créditos devidos podem ser cobrados e recebidos por sociedades de advogados, tributadas pelas alíquotas de imposto de renda das pessoas jurídicas.

CONCLUSÃO

Entendo — da mesma forma que o Conselheiro Federal Luiz Cláudio Allemand — que não importa se R$ 1,00 (um real) ou R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais), as verbas devidas aos advogados e às sociedades de advogados que estes integram têm natureza alimentar. Podem ser cobradas pelos advogados ou pelas sociedades que integram. É preciso que isso fique claro. Para tanto sugiro que esse Egrégio Conselho Federal faça gestões junto ao Poder Legislativo visando apresentação de projeto de lei para modificar o artigo 20 do Código de Processo Civil, inserindo na referida norma legal o seguinte parágrafo:

“art. 20. ………

§ 5º. Os honorários advocatícios possuem natureza alimentar, sendo créditos privilegiados em processos de falência e liquidações extrajudiciais, e pertencem ao advogado, tendo este direito autônomo para executar a sentença nesta parte, podendo requerer que o pagamento seja realizado em seu favor ou da sociedade de advogados que integra.”

A modificação ora proposta eliminará duas controvérsias. A primeira decorrente da natureza alimentar dos honorários de advogado. A segunda oriunda da possibilidade de pagamento dessa verba às sociedades de advogados. Tais temas, como bem ressalta a proposição apresentada pelo Conselheiro Luiz Cláudio Allemand, afligem os advogados e, o que é pior, surgem como obstáculo ao recebimento dos honorários.

De outro lado, registro aqui que parte da matéria ora examinada já foi trazida à apreciação desse Egrégio Conselho Federal nos autos do processo 036/2004 que tratava, especificamente, do descumprimento da norma contida no parágrafo terceiro do artigo 20 do CPC e de cujas conclusões não se afasta a presente manifestação.

Ressalto que no processo referido a análise da matéria se deu de forma mais ampla. Aqui a discussão girou apenas em torno da natureza alimentar dos honorários advocatícios e da possibilidade do recebimento dessa verba pelas sociedades de advogados. Porém, face ao apensamento do processo referido, passo também ao exame de uma das matérias suscitadas nos autos do processo 036/2004.

O ponto a ser abordado decorre da compensação de honorários advocatícios em casos de sucumbência recíproca. A súmula 306 do Superior Tribunal de Justiça determina que “os honorários advocatícios devem ser compensados quando houver sucumbência recíproca, assegurado o direito autônomo do advogado à execução do saldo sem excluir a legitimidade da própria parte”. Esse entendimento — equivocado ao meu ver — não pode prevalecer.

A condenação no pagamento das verbas decorrentes da sucumbência é imposta à parte vencida. Os honorários pertencem ao advogado (art. 23 do EOAB). É lógico que não podem ser compensados créditos e débitos de sujeitos distintos. Um débito da parte vencida no processo não pode ser compensado com um crédito do advogado da parte vencedora, ainda que haja sucumbência recíproca. A compensação somente poderia ser admitida se a verba honorária pertencesse à parte. Porém, como dito anteriormente, os honorários, por força de lei, pertencem ao advogado.

Logo, para evitar qualquer controvérsia, merece reforma a norma do artigo 21 do CPC. A redação da norma referida deve ser modificada para conter vedação expressa à compensação, nos seguintes termos:

“Art. 21 – Se cada litigante for em parte vencedor e vencido, serão recíproca e proporcionalmente distribuídos entre eles os honorários e as despesas, sendo vedada a compensação.”

É como voto.

Ulisses César Martins de Sousa

Relator”

Com efeito, não restam dúvidas de que os honorários de advogado decorrentes de contrato, arbitramento ou sucumbência têm natureza alimentar, posto que propiciam os subsídios necessários ao sustento da grande maioria dos advogados e de suas famílias, têm natureza alimentar. Cabe, pois, reconhecê-la expressamente em lei a fim de se evitar divergências jurisprudenciais sobre a matéria e ainda possibilitar que constituam créditos privilegiados em falências e liquidações extrajudiciais tais como aqueles derivados da legislação do trabalho.

De outra parte, é razoável que a lei preveja que o advogado que integrar sociedade de advogados possa requerer o pagamento dos honorários advocatícios de sucumbência em seu favor ou da entidade em questão e ainda que, em razão de eles não pertencerem às partes, não se permita, tal como hoje se verifica, a sua compensação em caso de sucumbência recíproca.

Neste sentido, propõe-se nesta oportunidade a adoção da presente medida legislativa que tem o condão de acolher sugestões originadas do pronunciamento do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil ora transcrito e que, por conseguinte, busca modificar o texto dos artigos 20 e 21 da Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973, que institui o Código de Processo Civil.

Diante do exposto, solicito o apoio dos nobres Pares para aprovação da presente proposição. Sala das Sessões, em de 2006.

Deputado LUIZ PIAUHYLINO

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