Atribuição policial

Tribunais não devem conduzir investigação criminal

Autor

  • Rodrigo Carneiro Gomes

    é delegado da Polícia Federal pós-graduado em Processo Civil Segurança Pública e Defesa Social. Foi chefe do serviço de apoio disciplinar da Corregedoria-Geral e ex-assessor de ministro do STJ. É professor da Academia Nacional de Polícia lotado na Diretoria de Combate ao Crime Organizado e autor do livro O Crime Organizado na visão da Convenção de Palermo Ed. Del Rey

23 de julho de 2006, 21h42

Resumo indicativo

O Inquérito Policial para a investigação de conduta, em tese, típica penal de parlamentar é o procedimento legal, de natureza pré-processual, sob a jurisdição do Supremo Tribunal Federal, que independe de autorização judicial ou legislativa. A oitiva de parlamentar tem regra insculpida no art. 221 do CPP, quando estiver na qualidade de testemunha, situação diversa daquela em que figura como investigado. Os atos de investigação no Inquérito são exercidos pela Polícia Judiciária, sob o controle judicial e do Ministério Público, sendo que as requisições ministeriais de diligências devem ser recebidas pela Autoridade Policial como requisição de instauração imediata de Inquérito Policial com a subseqüente realização das diligências requisitadas, sob pena de violação do sistema acusatório pátrio e da independência das funções investigatória, acusatória e julgadora.

ABSTRACT: The Police inquest for the inquiry of parliamentarian behavior is the legal procedure, under the jurisdiction of the Supreme Federal Court, that do not depende on judicial or legislative authorization. The parliamentarian hearsay has rule in art. 221 of the CPP, when it will be in the quality of witness, diverse situation of that one where figure as investigated. The acts of investigation in the Inquiry are exerted by the Judiciary Policy, under the judicial and public prosecutor controls. The public prosecutor solicitations must be received by the Police Authority as solicitation of immediate instauration of Police inquest with the subsequent accomplishment of the requested diligences, duly warned breaking of the native accusatory system and the independence of the investigation, accusatory and judge functions.

SUMÁRIO: 1. Introdução — 2. Autorização e sujeito ativo da investigação (órgão legitimado); 3. A oitiva de parlamentar — interrogatório e depoimento; 4. Instauração de Inquérito Policial para apuração de conduta, em tese, típica penal de Parlamentar; 5. O Inquérito no Regimento Interno do STF; 6. O inquérito judicial na legislação pátria e na doutrina; 7. Inquérito autuado no STF e a requisição do Procurador-Geral da República: necessidade de formalização de inquérito por portaria; 8. Recentes decisões no tema de inquérito nos Tribunais: considerações; 9. Conclusão – Referências bibliográficas.

PALAVRAS-CHAVE: inquérito policial, investigação, parlamentar, deputado, senador, oitiva, interrogatório, prerrogativa, foro, inquérito judicial, requisição, Procurador-Geral da República, Supremo Tribunal Federal, regimento interno, doutrina, jurisprudência.

 

1. INTRODUÇÃO

É comum, em tempos de “ambulâncias”, encontrarmos algumas expressões equivocadas em jornais e revistas, como, por exemplo, que o Supremo Tribunal Federal “autoriza” a investigação de Parlamentar e a Procuradoria-Geral da República vai “investigar”. Portanto, surgem dúvidas e perguntas, no meio de tantas informações difusas. É necessária a autorização judicial ou legislativa para o início da investigação de conduta, em tese, típica penal de Parlamentar? O órgão de investigação que detém a legitimidade é a Procuradoria-Geral da República? Em quais circunstâncias haverá a instauração de Inquérito Policial?

2. Autorização e sujeito ativo da investigação (órgão legitimado)

A “autorização” para processar criminalmente membro do Congresso Nacional, mesmo antes da alteração promovida pela Emenda Constitucional nº. 35/2001, não abrangia a fase da investigação policial por meio de Inquérito Policial. A prévia licença da respectiva Casa era exigida antes de o STF receber a denúncia do Procurador-Geral da República, ou seja, só depois de encerrado o Inquérito Policial com oferecimento de uma peça chamada “relatório” pelo Delegado de Polícia. A EC nº. 35/2001 não alterou o rito do Inquérito Policial ou de investigação de Parlamentar: independe de autorização do STF ou da respectiva Casa (prevista antes da EC nº. 35/01) para que ocorra o procedimento preliminar ou pré-processual de investigação, para lamúria de muitos investigados.

Embora no Superior Tribunal de Justiça prevaleça a tese de que o órgão do Ministério Público pode investigar, no âmbito do STF, a tese não é tão bem aceita assim. O julgamento do Inquérito nº. 1968 (“case” Remy Abrey Trinta e outros) foi interrompido, em 01.09.2004, por pedido de vista do Min. Antônio Cezar Peluzo, adiando a decisão sobre o controverso poder investigatório do MP. Polêmicas à parte, em que não se pode perder de vista o interesse social e o combate à criminalidade organizada, na grande maioria dos Inquéritos submetidos ao STF (“mensalão”, “sanguessugas”, caso “PC Farias”, dentre outros), especialmente os emblemáticos, a atuação do Ministério Público não dispensa a requisição de diligências policiais ou de instauração de inquérito policial, ou seja, quem termina por investigar e recolher os indícios ou a prova material do delito e sua autoria é a Polícia Judiciária, constitucionalmente vocacionada, preparada e aparelhada para tal mister, sem embargo dos doutos entendimentos em sentido diverso.

3. A OITIVA DE PARLAMENTAR: interrogatório e depoimento

Nesse campo fértil para debates que é a investigação de Parlamentar, surge outra controvérsia: a designação de data para a sua oitiva. O art. 221 do CPP[1] prescreve que os Parlamentares serão inquiridos em local, dia e hora previamente ajustados entre eles e o Juiz, o que também se aplica no inquérito policial, ou seja, entre eles e a Autoridade Policial. Os Presidentes do Senado Federal e da Câmara dos Deputados poderão optar, ainda, pela prestação de depoimento por escrito.

O art. 221 está inserido no capítulo “Das Testemunhas”, o que leva a crer que o Parlamentar, quando estiver na qualidade de investigado, não goza da prerrogativa de ajustar previamente o local e dia da oitiva. Mesmo essa data a ser designada deve ter parâmetros, ou seja, a data deve estar compreendida no período previsto para realização das diligências policiais, que, na forma do art. 10 do CPP[2], devem ser encerradas em 30 dias, quando o investigado estiver solto. É aconselhável que a Autoridade Policial, em ofício dirigido ao Parlamentar, delimite, desde aquele momento da expedição, o prazo inicial e o prazo final para que o Parlamentar possa ajustar a data em que prestará seu depoimento. O prazo final para esse ajustamento é o de encerramento das diligências, no curso de 30 dias, quando o inquérito policial deverá ser devolvido à Justiça.

Observe-se que no HC 80592/PR, Relator Min. Sydney Sanches[3], decidiu-se que a ausência de investigado ao interrogatório há que ser interpretada como manifestação pela garantia constitucional contra a auto-incriminação, não podendo haver condução coercitiva, no caso de o Parlamentar ser o investigado.

Eis a ementa do julgado:

“2. Por outro lado, o Parlamentar pode ser convidado a comparecer para o interrogatório no Inquérito Policial (podendo ajustar, com a autoridade, dia, local e hora, para tal fim — art. 221 do Código de Processo Penal), mas, se não comparecer, sua atitude é de ser interpretada como preferindo calar-se. Obviamente, nesse caso, não pode ser conduzido coercitivamente por ordem da autoridade policial, o que, na hipótese, até foi reconhecido por esta, quando, nas informações, expressamente descartou essa possibilidade.”

Ainda, em relação ao julgado citado, é de bom alvitre mencionar que o ajustamento de oitiva, “in casu”, para interrogatório (e não para depoimento, porque o Parlamentar é investigado e não testemunha), é uma faculdade da Autoridade Policial, pois “o Parlamentar pode ser convidado a comparecer” (não há obrigação de fazer ou prerrogativa processual), do contrário, constaria que “o Parlamentar deve ser convidado.”


4. Instauração de Inquérito Policial para apuração de conduta, em tese, típica penal de Parlamentar

 

De acordo com entendimentos monocráticos da Ministra ELLEN GRACIE (PET 3248, DJ de 23.11.2004) e do Ministro GILMAR MENDES (INQ 2285, DJ de 13.03.2006), a via adequada para processamento de petição, requerimento, “notitia criminis”, requisição, de natureza penal, perante o STF, é o Inquérito Policial, instruído por meio de investigações policiais a serem realizadas pela Polícia Judiciária da União, ou seja, pela Polícia Federal, no caso de crimes contra a ordem política e social ou em detrimento de bens, serviços e interesses da União ou de suas entidades autárquicas e empresas públicas, como se transcreverá adiante.

 O art. 144 da Constituição Federal definiu a Polícia Federal como órgão permanente, organizado e mantido pela União e estruturado em carreira, que se destina a exercer, com exclusividade, as funções de polícia judiciária da União, assim entendidas as colheitas de depoimentos, documentos e laudos periciais.

Na Constituição Federal, art. 102, I, “b”, encontramos referência à competência originária do e. STF para “processar e julgar” os membros do Congresso Nacional “nas infrações comuns”, mas há omissão quanto a instaurar e instruir inquéritos policiais.

Na ADIN 1570, Rel. Min. Maurício Corrêa, DJ de 22.10.2004, p. 4, a ementa registra que: “A realização de inquérito é função que a Constituição reserva à polícia.

Aliás, no HC 80592[4], Relator Ministro Sydney Sanches, o STF afirmou que o Inquérito Policial, em investigação que envolva Parlamentar, permanecerá “sob controle jurisdicional direto do Supremo Tribunal Federal.

5. O Inquérito no Regimento Interno do STF

O Regimento Interno do STF prevê o registro de informações diversas no Excelso Pretório sob diversas modalidades, dentre elas o Inquérito (Inq), Queixa-Crime (QC), Comunicação (Cm), Representação (Rp) e Petição (Pet).

No art. 56, V do RISTF consta que:

“V – na classe Inquérito serão incluídos os policiais e os administrativos, de que possa resultar responsabilidade penal, e que só passarão à classe Ação Penal após o recebimento da denúncia ou queixa.” (Negritou-se).

Veja-se que, na classe Inquérito ou Inq, não consta a inclusão de inquéritos judiciais.

No âmbito do STF há, contudo, disposição regimental que é de difícil conciliação com os precedentes citados, bem como com o sistema acusatório brasileiro, com a autonomia e imparcialidade dos órgãos de investigação, acusação e julgamento. É a disposição do art. 43[5] do RISTF, especialmente a primeira parte do seu parágrafo primeiro, que atribui ao Presidente do STF a competência delegável para instaurar Inquérito, em referência a autoridades submetidas à sua jurisdição.

6. O INQUÉRITO JUDICIAL NA LEGISLAÇÃO PÁTRIA E NA DOUTRINA

Os arts. 4º, 5º, II e seguintes do Código de Processo Penal preceituam que o Inquérito Policial será iniciado de ofício ou mediante requisição. No âmbito do Departamento de Polícia Federal, a portaria instauradora do Inquérito Policial deverá conter o número do protocolo e do documento-base da notícia do crime, o relato sucinto do fato delituoso, a tipificação ainda que provisória e, quando possível, a autoria, bem como as diligências de cumprimento imediato.

É pacífico o entendimento doutrinário de que os arts. 26 e 531 do CPP não foram recepcionados pela Constituição Federal de 1988, na parte que permitia o início de ação penal por portaria expedida pela autoridade judiciária, ou seja, o procedimento judicialiforme previsto para as contravenções penais e para as lesões e homicídios culposos, na forma da Lei nº. 4.611/65[6].

A nova Lei de Falências (Lei nº. 11.101/05) revogou a lei anterior (Decreto-Lei nº. 7.661, de 21 de junho de 1945) que tratava do inquérito judicial, no qual, ainda assim, o juiz da instrução era diverso do juiz do julgamento. A novel Lei nº. 11.101/05, art. 187, § 2º, preceitua que os indícios de crimes falimentares serão comunicados ao Ministério Público, deixando de prever o inquérito judicial, em harmonia com a Constituição Federal e com o sistema acusatório puro, implicitamente admitido nos arts. 129, I, 144 e 93, IX da C.F.-88, com nítida separação de funções.

O emérito professor e doutrinador de escol LUIZ FLÁVIO GOMES, em artigo publicado na rede mundial de computadores[7], demonstra concordância com a restrição legal e jurisprudencial à instrução de Inquéritos por Tribunais e leciona que:

“O STF já havia deixado muito claro, na ADI 1.570, que o juiz brasileiro não pode investigar crimes. Conseqüentemente julgou inconstitucional o art. 3º da Lei 9.034/95 (lei do crime organizado). O juiz não foi programado constitucionalmente para investigar delitos. Não foi adotado no Brasil o sistema dos juizados de instrução. As duas últimas possibilidades (ainda hoje) que autorizam o juiz a investigar são: (a) investigação contra os próprios juízes e (b) investigação de crimes atribuídos a pessoas com prerrogativa de função (a investigação contra um deputado federal, por exemplo, é conduzida por um Ministro do STF). Algo também precisa e deve ser feito para acabar com essas excrescências.” (Negritou-se).

 Essa tese é defendida exaustivamente pelo e. professor EDUARDO PEREIRA DA SILVA, em seu artigo intitulado “Prerrogativa de Foro no Inquérito Policial”, no sítio “Jus Navigandi” da rede mundial de computadores[8]:

“Não se pode ignorar, porém, que a investigação pré-processual, tendo como destinatário o órgão acusador, também deve ser desempenhada por órgão diverso ao do julgamento, sob pena de ofensa ao sistema acusatório. No Brasil, tradicionalmente a investigação pré-processual é atribuída às das polícias judiciárias (Polícias Civis e Polícia Federal). Aliás, foi a preocupação em assegurar a imparcialidade do juiz que inspirou o artigo 252, inciso, II, do Código de Processo Penal, que prevê o impedimento do juiz de atuar em processos em que tenha atuado anteriormente não só como defensor, e órgão do Ministério Público (acusação), mas também mesmo como Autoridade Policial (investigação pré-processual).”

A leitura dos dispositivos legais, constitucionais e doutrina autoriza a ilação de que o Inquérito autuado no STF, para investigação de conduta, em tese, típica penal de parlamentar, há que ser o Inquérito Policial, conduzido pela Polícia Judiciária e presidido por Autoridade Policial.

7. INQUÉRITO AUTUADO NO STF E A REQUISIÇÃO DO PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA: necessidade de formalização de inquérito por portaria

O art. 231 do RISTF reza que o inquérito, de competência originária do STF, será distribuído e encaminhado ao Procurador-Geral da República para oferecer denúncia ou arquivamento. Quando houver a necessidade de diligências. Quando não for possível a denúncia ministerial e nem requerido o arquivamento, salvo melhor juízo, será caso de o Inquérito ser requisitado à Polícia Judiciária, instaurado e instruído perante essa, atendida a requisição do Procurador-Geral da República, sob a jurisdição do Supremo Tribunal Federal.


A legislação pátria recomenda que a Autoridade Policial, que tem a capacidade operacional e conhecimento técnico investigativo, inicie as investigações requisitadas pelo Procurador-Geral da República, através de Portaria de Inquérito Policial, recebendo toda a documentação como “notitia criminis” e o ofício requisitório de diligências como ofício requisitório de instauração de Inquérito Policial. Com essa medida se enaltecem os princípios processuais da celeridade, eficiência, economia e o próprio sistema acusatório, evitando a instauração de um Inquérito ou procedimento de investigação criminal paralelos e a contaminação de funções com prejuízo para a imparcialidade do apuratório.

O investigado terá, na portaria, além de seu registro em livros próprios, a exata delimitação do fato investigado, a tipificação provisória, as diligências iniciais da Autoridade Policial e os traços identificadores de autoria, o que propicia o controle administrativo, judicial e das partes, sendo um reflexo do desdobramento dos princípios da ampla defesa e do contraditório.

O processo penal se norteia pela colidência de interesses, e, portanto, há que ser resguardada a imparcialidade da Autoridade Policial, Ministério Público e do Poder Judiciário, coibindo-se uma acusação tendenciosa e viciada que pode ser gerada pelo requerimento de Inquérito pelo Ministério Público diretamente ao magistrado, bem como pela condução desse inquérito não pela Polícia Judiciária, mas sob a presidência do magistrado.

A tendência da nossa legislação é purificar ao máximo o sistema acusatório, entregando a cada um dos sujeitos processuais funções não apenas precípuas, mas absolutamente exclusivas, o que dá ao réu segurança de um processo mais democrático (AFRÂNIO JARDIM[9], 2003).

A CF exige, ainda que implicitamente, o sistema acusatório público de persecução penal, cuja principal característica é a nítida função de acusar, julgar e defender, colocando-se, assim, em franca oposição à concepção que informou as legislações processuais anteriores, (CAPEZ[10], 2005). Os elementos inquisitivos do CPP têm sido eliminados gradativamente, o que demonstra uma transição entre um sistema misto (acusatório e inquisitório) e um sistema acusatório puro.

8. Recentes decisões no tema de inquérito nos Tribunais: considerações

Em decisão monocrática, na Petição nº. 3248[11], a ínclita Ministra ELLEN GRACIE decidiu que a “notitia criminis” da PGR deve ser encaminhada diretamente à Polícia Judiciária, em atendimento à requisição ministerial, pois a investigação prossegue perante a Autoridade Policial:

“(…) o Procurador-Geral da República requereu, na petição de f. 02/03, (…) ‘a autuação deste procedimento como inquérito penal originário, com o indiciamento do Deputado Federal (…), pelo cometimento, em tese, de crime de sonegação fiscal’ (f. 3). 2. Entre as funções institucionais que a Constituição Federal outorgou ao Ministério Público, está a de requisitar a instauração de inquérito policial (CF, art. 129, VIII). Essa requisição independe de prévia autorização ou permissão jurisdicional. Basta o Ministério Público Federal requisitar, diretamente, aos órgãos policiais competentes. Mas não a esta Corte Suprema. Por ela pode tramitar, entre outras demandas, ação penal contra os membros da Câmara dos Deputados e Senado. Mas não inquéritos policiais. Esses tramitam perante os órgãos da Polícia Federal. (…) Não parece razoável admitir que um ministro do Supremo Tribunal Federal conduza, perante a Corte, um inquérito policial que poderá se transformar em ação penal, de sua relatoria. Não há confundir investigação, de natureza penal, quando envolvido um Parlamentar, com aquela que envolve um membro do Poder Judiciário. No caso deste último, havendo indícios da prática de crime, os autos serão remetidos ao Tribunal ou Órgão Especial competente, a fim de que se prossiga a investigação. É o que determina o art. 33, § único da LOMAN. Mas quando se trata de Parlamentar federal, a investigação prossegue perante a autoridade policial federal. Apenas a ação penal é que tramita no Supremo Tribunal Federal. Disso resulta que não pode ser atendido o pedido de instauração de inquérito policial originário perante esta Corte. E, por via de conseqüência, a solicitação de indiciamento do Parlamentar, ato privativo da autoridade policial. (…) 3. Diante do exposto, determino sejam os autos devolvidos à Procuradoria-Geral da República para as providências que entender cabíveis.”

Há lições relevantes nos admiráveis ensinamentos da Ministra ELLEN GRACIE, em relação à investigação de conduta, em tese, típica penal de Parlamentar:

— o indiciamento é ato privativo da Autoridade Policial;

— implicitamente: nada obsta que o Parlamentar federal seja indiciado, desde que por ato motivado da Autoridade Policial;

— é função institucional do Ministério Público a requisição de Inquérito Policial, que independe de prévia autorização ou permissão judicial e pode ser instaurado de ofício pelo Delegado de Polícia;

— a Procuradoria-Geral da República não pode requisitar instauração de Inquérito Penal Originário diretamente ao STF;

— a requisição ministerial para instauração de inquérito, em face de autoridade sob a jurisdição do STF, deve ser dirigida à Autoridade Policial e não ao STF;

— apenas na investigação de magistrado, por força do art. 33, § único da LOMAN, havendo indícios da prática de crime, é que os autos serão remetidos ao Tribunal ou Órgão Especial competente, a fim de que se prossiga na investigação;

— não há outra investigação de indícios de prática de crime que possa ser realizada pelos Tribunais pátrios, fora da hipótese de magistrado investigado (implicitamente).

Esse entendimento da Ministra ELLE GRACIE, no ano de 2004, foi reiterado, atualmente, pelo Ministro GILMAR MENDES, no Inquérito nº. 2285, em decisão monocrática publicada em 13.03.2006.

No voto vogal do Ministro Sepúlveda Pertence, em julgamento plenário, no AgRg na Petição nº. 2.805-8[12], o entendimento foi unânime nesse sentido. Em referência ao art. 5º, II do CPP, lecionou o emérito Ministro:

“Admito que, se, em função da sua atividade jurisdicional, tem conhecimento de uma suspeita de crime, o Juiz requisite o inquérito policial. Não que se provoque a autoridade judiciária para requisitar inquérito policial …

Proponho como preliminar que o Tribunal feche essa porta, que só serve a explorações. Não há por que, em plena capital da República, com um imenso prédio da Polícia Federal, outro da Secretaria de Segurança, do Ministério Público — com um portentoso prédio -, que isso venha primeiro para o Supremo Tribunal Federal …”

Citando o julgamento do STF, O Min. Francisco Peçanha Martins, Relator do AgRg na NC 317/PE[13], da Corte Especial do STJ, assentou que:

“O Supremo Tribunal Federal, em sessão de 13.11.02, ao apreciar a PET (AgR) 2805-DF, firmou entendimento no sentido de não admitir o oferecimento de notícia crime à autoridade judicial visando à instauração de inquérito policial, ao fundamento de que a requisição prevista no art. 5º, II, do CPC está relacionada "às hipóteses em que o juiz em função de sua atividade jurisdicional tem conhecimento de suspeita de crime, não podendo ser utilizado tal dispositivo para reduzir ou constranger o órgão jurisdicional, que deve estar o mais alheio possível à investigação" (cf. Informativo STF nº. 290).” (Negritou-se).


Eis a ementa do julgado:

“PROCESSUAL PENAL — NOTÍCIA CRIME — INSTAURAÇÃO DE INQUÉRITO POLICIAL — INADMISSIBILIDADE — CPP, ART. 5º, II — PRECEDENTE DO STF (AGPET 2805-DF).

— Consoante recente entendimento esposado pelo STF, não é admissível o oferecimento de notícia crime à autoridade judicial visando à instauração de inquérito policial.

— O art. 5º, II, do CPP confere ao Ministério Público o poder de requisitar diretamente ao delegado de polícia a instauração de inquérito policial com o fim de apurar supostos delitos de ação penal pública, ainda que se trate de crime atribuído à autoridade pública com foro privilegiado por prerrogativa de função.

— Não existe diploma legal que condicione a expedição do ofício requisitório pelo Ministério Público à prévia autorização do Tribunal competente para julgar a autoridade a ser investigada.

…“ (Negritou-se).

É visível a tendência jurisprudencial no sentido de que as requisições do Ministério Público, à exceção de investigação de magistrados, deve ser feita à Autoridade Policial, de forma direta, e não ser oferecida à Autoridade Judicial.

Pelo que se colhe da decisão proferida pelo e. Ministro GILMAR MENDES, no Inquérito nº. 2285, em 03.03.2006 (publicada no DJ de 13.03.2006, p. 51), pela e. Ministra ELLEN GRACIE (Petição nº. 3248) e pelo e. Ministro SEPÚLVEDA PERTENCE, em voto vogal (AgRg na Petição. 2.805-8), o excelso Pretório tem adotado uma posição de vanguarda que mitiga, de forma adequada, dispositivos do Regimento Interno do STF que atribuem a função de instauração de Inquérito a Ministros do STF:

Não cabe a esta Corte "determinar" a instauração de inquérito policial para apuração de crime de ação pública incondicionada, ressalvados aqueles praticados no âmbito da própria Corte e que possam dizer respeito ao exercício de sua própria competência, constitucional ou legal (RISTF, art. 8º, inciso IV). Aliás, o próprio § 3º do art. 5º do Código de Processo Penal, invocado pelo autor deste procedimento como fundamento jurídico de sua pretensão, diz expressamente que a comunicação de crime de ação pública far-se-á à "Autoridade Policial". Anote-se, outrossim, que conforme assentado pelo Pleno da Corte na PET nº. 2805 — AgR (Rel. Min. Nelson Jobim), a intervenção desta Corte é especialmente descabida quando a mesma notícia crime foi (ou pode ser) diretamente encaminhada ao Ministério Público (…)” (Negritou-se).

9. CONCLUSÃO

Conclui-se que há forte corrente jurisprudencial e doutrinária no sentido de que os Tribunais pátrios não devem conduzir investigações criminais, exceção feita na hipótese de fatos relacionados a magistrado que figure na qualidade de investigado, de acordo com o art. 33, parágrafo único[14] da Loman (Lei Complementar nº. 35/79).

Das lições jurisprudenciais e doutrinárias destacadas, pode-se afirmar, sem embargo dos doutos entendimentos em sentido diverso, que documentos remetidos pela Procuradoria-Geral da República à Polícia Federal ou à Polícia Civil (polícias judiciárias), que noticiem a ocorrência de crimes inseridos, respectivamente, no rol de suas atribuições, devem ser recebidos como “notitia criminis” e o ofício do Procurador-Geral que requisita diligências deve ser processado como requisição ministerial, impondo a imediata instauração de Inquérito Policial e cumprimento das diligências que se mostrem adequadas e pertinentes, na forma dos arts. 6º, III, 2ª parte e 16, ambos do CPP.

Uma parte dos expoentes que integram o e. STF teve a oportunidade de analisar algum caso concreto e desenvolver uma visão crítica e construtiva da investigação Parlamentar no seio daquela Corte constitucional. Vislumbra-se, ainda que de forma implícita, a mitigação da disposição regimental veiculada no art. 43 do RISTF, delineando-se a possibilidade de sua modificação, à medida que os debates agregam novos conhecimentos e despertam a consciência da imprescindibilidade da independência de funções policiais, ministeriais e judiciais no Estado democrático de direito.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. CARNEIRO GOMES, Rodrigo. Roteiro Prático do Inquérito Policial. Revista Justilex, Seção “Prática Jurídica”, ano IV, nº. 50, pp. 62-65. Brasília: Ed. Justilex, fevereiro de 2006;

2. GOMES, Luiz Flávio. Nova Lei de Falências e suas repercussões criminais. Rede de Ensino Luiz Flávio Gomes — LFG, São Paulo, 14.fev.2005. Disponível em: <http://www.lfg.com.br/public_html/article.php?story=20050214205136854>. Consultado em: 16.jun.2006;

3. JARDIM, Afrânio Silva. Direito Processual Penal, Rio de Janeiro: Forense, 2003;

4. LIMA, Marcellus Polastri. Curso de Processo Penal, Volume 1. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004;

5. MARQUES, José Frederico. Elementos de Direito Processual Penal. Volume I. Campinas: Millennium, 2003;

6. MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo Penal. São Paulo: Atlas, 2004;

7. NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e Execução Penal. São Paulo: RT, 2006;

8. SANTOS, Célio Jacinto dos. Temas sobre o poder investigatório do MP (1). Jus Vigilantibus, Vitória, 7 jan. 2006. Disponível em: <http://jusvi.com/doutrinas_e_pecas/ver/19670>. Acesso em: 16 jul. 2006;

9. SILVA, Eduardo Pereira da. Prerrogativa de foro no inquérito policial. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 1115, 21 jul. 2006. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8676>. Acesso em: 21 jul. 2006.

 

 


 

 

[1] Art. 221. O Presidente e o Vice-Presidente da República, os senadores e deputados federais, os ministros de Estado, os governadores de Estados e Territórios, os secretários de Estado, os prefeitos do Distrito Federal e dos Municípios, os deputados às Assembléias Legislativas Estaduais, os membros do Poder Judiciário, os ministros e juízes dos Tribunais de Contas da União, dos Estados, do Distrito Federal, bem como os do Tribunal Marítimo serão inquiridos em local, dia e hora previamente ajustados entre eles e o juiz. § 1o O Presidente e o Vice-Presidente da República, os presidentes do Senado Federal, da Câmara dos Deputados e do Supremo Tribunal Federal poderão optar pela prestação de depoimento por escrito, caso em que as perguntas, formuladas pelas partes e deferidas pelo juiz, Ihes serão transmitidas por ofício.

[2] Art. 10. O inquérito deverá terminar no prazo de 10 (dez) dias, se o indiciado tiver sido preso em flagrante, ou estiver preso preventivamente, contado o prazo, nesta hipótese, a partir do dia em que se executar a ordem de prisão, ou no prazo de 30 (trina) dias, quando estiver solto, mediante fiança ou sem ela.

[3] Primeira Turma do STF, acórdão publicado no DJ de 22.06.2001, p. 23.

[4] DJ 22.06.2001, p. 23, 1ª. Turma do STF.

[5] Art. 43. Ocorrendo infração à lei penal na sede ou dependência do Tribunal, o Presidente instaurará inquérito, se envolver autoridade ou pessoa sujeita à sua jurisdição, ou delegará esta atribuição a outro Ministro.
§ 1° Nos demais casos, o Presidente poderá proceder na forma deste artigo ou requisitar a instauração de inquérito à autoridade competente.

[6] Lei nº. 4.611/65. Art. 1º O processo dos crimes previstos nos artigos 121, § 3º, e 129, § 6º, do Código Penal, terá o rito sumário estabelecido nos arts. 531 a 538 do Código de Processo Penal. 1º Quando a autoria do crime permanecer ignorada por mais de quinze dias, proceder-se-á a inquérito policial e o processo seguirá o rito previsto no art. 539”.

[7] GOMES, Luiz Flávio. Nova Lei de Falências e suas repercussões criminais. Rede de Ensino Luiz Flávio Gomes — LFG, São Paulo, 14.fev.2005. Disponível em: <http://www.lfg.com.br/public_html/article.php?story=20050214205136854>. Consultado em: 16.jun.2006.

[8] SILVA, Eduardo Pereira da. Prerrogativa de foro no inquérito policial. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 1115, 21 jul. 2006. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8676>. Acesso em: 21 jul. 2006.

[9] p. 322.

[10] p. 97.

[11] DJ de 23.11.2004, p. 41.

[12] DJ de 27-02-2004, p. 20, Relator Ministro Nelson Jobim.

[13] DJ de 23.05.2005, p.118.

[14] Art. 33. São prerrogativas do magistrado … Parágrafo único — Quando, no curso de investigação, houver indício da prática de crime por parte do magistrado, a autoridade policial, civil ou militar, remeterá os respectivos autos ao Tribunal ou órgão especial competente para o julgamento, a fim de que prossiga na investigação.

Autores

  • Brave

    é delegado da Polícia Federal, pós-graduado em Processo Civil, Segurança Pública e Defesa Social. Foi chefe do serviço de apoio disciplinar da Corregedoria-Geral e ex-assessor de ministro do STJ. É professor da Academia Nacional de Polícia, lotado na Diretoria de Combate ao Crime Organizado.

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