Ir e vir

Sobrinho de Edemar consegue liberdade no Supremo

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20 de julho de 2006, 12h11

Ricardo Ferreira de Souza e Silva, sobrinho de Edemar Cid Ferreira, dono do Banco Santos, vai aguardar o seu julgamento em liberdade. O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, acolheu o pedido de liminar apresentado na quarta-feira (19/7).

Souza e Silva integrou o comitê executivo informal do banco e cumpre prisão preventiva por acusação de crimes contra o Sistema Financeiro Nacional, de lavagem de dinheiro e de formação de quadrilha. O pedido de Habeas Corpus foi ajuizado contra decisão do Superior Tribunal de Justiça, que manteve a prisão preventiva. A defesa alegou que ele só responde à ação penal por ser sobrinho de Edemar.

A prisão preventiva foi decretada pela 6ª Vara Criminal de São Paulo, no início de junho, em função de escutas telefônicas de conversas entre ele e um doleiro. De acordo com a Polícia Federal, a conversa mostra que o réu, mesmo respondendo a uma ação penal, continuava operando no mercado clandestino de câmbio e cometendo crime de lavagem de dinheiro. A PF também encontrou documentos na residência dele sobre conta bancária na Suíça, com saldo de mais de US$ 1 milhão.

Fundamentos

O ministro Gilmar Mendes afastou a aplicação da Súmula 691 do STF. Ela prevê que “não compete ao Supremo Tribunal Federal conhecer de Habeas Corpus impetrado contra decisão do Relator que, em Habeas Corpus requerido a Tribunal Superior, indefere a liminar”.

Segundo ele, o rigor na aplicação da Súmula tem sido abrandado se há necessidade de evitar flagrante constrangimento ilegal ou quando a liminar do Superior Tribunal de Justiça for contrária à jurisprudência do Supremo.

Para o ministro, a decisão que decretou a custódia cautelar do paciente não poderia permanecer válida. Ele ressaltou que a referida conta no banco suíço era do conhecimento da Receita Federal, já que declarada em Imposto de Renda. Sobre a interceptação telefônica, o ministro observou que foi desconsiderada pela Justiça paulista para respaldar a prisão preventiva.

“Salvo melhor juízo quanto ao mérito, a prisão preventiva, na hipótese, diante das circunstâncias, não se justifica. Ao contrário do que pareceu ao magistrado, a ordem pública não estaria comprometida. E nem haveria indícios de que o paciente esteja prosseguindo na prática de crimes contra o sistema financeiro”, concluiu.

Leia a decisão

HABEAS CORPUS 89.306-6 SÃO PAULO

PACIENTE(S): RICARDO FERREIRA DE SOUZA E SILVA

IMPETRANTE(S): ARNALDO MALHEIROS FILHO E OUTRO(A/S)

COATOR(A/S)(ES): SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Trata-se de habeas corpus, com pedido de liminar, impetrado por Arnaldo Malheiros Filho e outros, em favor de RICARDO FERREIRA DE SOUZA E SILVA em face de decisão proferida pelo Ministro Paulo Gallotti, que indeferiu medida cautelar no HC no 60.934-SP, em tramitação no Superior Tribunal de Justiça (STJ).

O paciente responde, em co-autoria, a ação penal por crimes de gestão fraudulenta de instituição financeira, lavagem de valores, evasão de divisas e formação de quadrilha, os quais teriam, em tese, provocado a intervenção do Banco Central na administração do Banco Santos S.A. (fls. 225-268). Ademais, ele integrava o comitê executivo informal desse estabelecimento bancário (fl. 227) e teve sua prisão preventiva decretada (fls. 212-219) pelo juiz processante.

Em 05.06.006, o magistrado recusou um primeiro pedido de custódia preventiva formulado pelo MPF, que acenara com o produto de interceptação telefônica realizada no âmbito da denominada “Operação Violeta” que revelaria diálogos entre o paciente e conhecido “doleiro”. Nessa oportunidade, quando a ação penal já se encontrava na fase de instrução da defesa (fl. 187), salientou o juiz:

“Todavia, os autos não revelam, de forma suficiente, a efetiva atividade ilícita por parte do ‘doleiro’ citado, nem mesmo a remessa do ou para o exterior, fato que melhor deverá ser comprovado pelo Ministério Público Federal após a concretização da diligência a ser realizada pela 2ª Vara Federal Criminal Especializada e aqui pleiteada” (fl. 192). Portanto, o magistrado deferiu, tão-somente, o pedido de busca e apreensão requerido pelo Parquet.

Cumprido o mandado de busca e apreensão, apurou-se a existência de documento comprovando a existência de depósito de fundos no exterior, mais especificamente no UBS, banco suíço (fl. 207), na conta 0206-206 101. Daí a renovação pelo MPF do pedido de prisão preventiva (fl. 211) que foi, então, acolhido (fls. 211-219).

O impetrante tentou, sem êxito, junto ao TRF/3ª Região (fls. 396-402) e STJ (fls. 129/130), a desconstituição da custódia. Em ambos esses órgãos judiciários, a liminar foi indeferida. Daí a reiteração do pedido perante o Supremo Tribunal Federal, com invocação de decisões monocráticas desta Corte que têm flexibilizado a Súmula 691, afastando sua incidência em situações excepcionais.

Quanto à plausibilidade jurídica do pedido (fumus boni iuris), alega-se que decorre da “aplicação da letra expressa da lei e do respeito aos direito constitucionais do paciente.

Com efeito, a r. decisão de 1º grau não se apóia em elemento concreto algum, partindo apenas da premissa equivocada de que ele manteria depósitos no Exterior sem declará-los às autoridades competentes, quando, na verdade, não há pendência alguma junto à Receita Federal ou mesmo ao Banco Central que seja do conhecimento do ilustre magistrado da 6ª Vara Criminal Federal.” (fl. 33).

No que concerne à urgência da pretensão cautelar (periculum in mora), os impetrantes afirmam que “é mais que evidente, configurado no encarceramento do paciente.” (fl. 34).

Passo a decidir tão-somente o pedido de medida liminar.

Em princípio, a jurisprudência desta Corte é no sentido da inadmissibilidade da impetração de habeas corpus contra decisão denegatória de liminar proferida por Tribunal Superior, antes do julgamento definitivo do writ

(cf. HC no 79.776-RS, Rel. Min. Moreira Alves, DJ de 03.03.2000, 1ª Turma, unânime; HC(QO) no 76.347-MS, Rel. Min. Moreira Alves, DJ de 08.05.1998, 1ª Turma, unânime; HC no 79.238-RS, Rel. Min. Moreira Alves, DJ de 06.08.1999, 1ª Turma, unânime; HC no 79.748-RJ, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 23.06.2000, 2ª Turma, maioria; e HC no 79.775-AP, Rel. Min. Maurício Corrêa, DJ de 17.03.2000, 2ª Turma, maioria).

Esse entendimento foi consolidado com a edição da Súmula no 691/STF, verbis: “Não compete ao Supremo Tribunal Federal conhecer de habeas corpus impetrado contra decisão do Relator que, em habeas corpus requerido a Tribunal Superior, indefere a liminar”.

É bem verdade, por outro lado, que, conforme apontado pela inicial, o rigor na aplicação da Súmula no 691/STF tem sido abrandado pela jurisprudência desta Corte nas hipóteses em que: i) seja premente a necessidade de concessão do provimento cautelar para evitar flagrante constrangimento ilegal; ii) bem como naquelas em que a decisão liminar no STJ seja manifestamente contrária à jurisprudência reiterada do STF.

Nesse sentido, arrolo os seguintes precedentes:

HC (AgR) no 84.014-MG, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ de 25.06.2004, 1ª Turma, unânime; HC no 85.185-SP, Rel. Min. Cezar Peluso, julgado em 10.08.2005, Pleno, unânime, acórdão pendente de publicação; e HC no 85.826-SP, de minha relatoria, DJ de 03.05.2005, decisão monocrática.

No caso concreto, à primeira vista, verifico que se justifica a não aplicação da Súmula 691/STF, uma vez que a decisão que decretou a custódia cautelar do paciente não pode subsistir.

Primeiro, porque, como exposto na inicial deste habeas corpus, a referida conta no banco suíço era do conhecimento da Receita Federal, já que noticiada na declaração de imposto de renda do paciente – exercício de 2006/ano-calendário de 2005 – como comprova o documento de fl. 384, com a precisa indicação do já mencionado banco suíço UBS.

Segundo, porque a questão relacionada com a interceptação telefônica já fora apreciada no primeiro pedido de prisão formulado pelo MP, em decisão do dia 05.06.2006, oportunidade na qual o magistrado não a considerou suficiente para respaldar uma prisão preventiva. Um dia depois, ou seja, em 06.06.2006, data da segunda decisão, o mesmo fato não poderia justificar uma alteração tão substancial do magistrado.

A declaração do imposto de renda, que noticiou a conta no exterior, não passou despercebida pelo relator do TRF/3ª Região, que a ela fez referência expressa como se vê a fl. 397 (letra “f“). Entretanto, esse mesmo relator, não a considerou sob o argumento de que a defesa silenciara, não levando ao conhecimento do juízo de primeiro grau a existência da declaração do imposto de renda (fl. 401).

Se tal fato não foi levado ao conhecimento do magistrado, foi, entretanto, levado ao conhecimento do relator. E isso já seria o bastante para fragilizar o decreto de custódia. Num dia o magistrado considera insuficiente para justificar uma prisão preventiva o produto de uma interceptação telefônica.

No dia seguinte decreta a prisão, considerando a mesma interceptação e a existência de uma conta no exterior noticiada na declaração do imposto de renda e, portanto, do conhecimento da Receita Federal.

Salvo melhor juízo quanto ao mérito, a prisão preventiva, na hipótese, diante das circunstâncias, não se justifica. Ao contrário do que pareceu ao magistrado, a ordem pública não estaria comprometida. E nem haveria indícios de que o paciente esteja prosseguindo na prática de crimes contra o sistema financeiro.

Diante do exposto, cuidando-se de situação excepcional que justifica a não incidência da Súmula 691/STF, conheço deste habeas corpus e defiro a liminar para revogar a prisão preventiva do paciente na ação penal já referida.

Expeça-se alvará de soltura em nome do paciente, salvo se por

outro motivo não estiver preso.

Comunique-se com urgência.

Publique-se.

Brasília, 19 de julho de 2006.

Ministro Gilmar Mendes

Vice-Presidente

(RISTF, arts. 37, I, e 13, VIII)

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