Diploma de autor

Leia parecer sobre regulamentação da profissão de jornalista

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20 de julho de 2006, 20h57

“Tanto pela exigência do diploma, quanto pela invasão preconizada em áreas e atividades sociais que jamais poderão ser controladas por reservas instituídas por imposições legais autocráticas como a pretendida, o projeto agride frontalmente o Texto Constitucional em vigor e discrepa dos valores básicos e fundamentais constitutivos do Estado Democrático de Direito”

Para o advogado Lourival J. Santos não resta dúvidas que é inconstitucional o Projeto de Lei Complementar 79/04, aprovado pelo Congresso Nacional e submetido à apreciação do presidente Luis Inácio Lula da Silva para sanção. Santos é o autor do parecer sobre a matéria encaminhado ao presidente pela Associação Nacional de Jornais e Revistas, Associação Brasileira de Radio e TV e outras entidades patronais de comunicação. O presidente tem até o dia 28 de julho para sancionar ou vetar o projeto.

O Projeto de Lei reforça a regulamentação da profissão de jornalista já prevista no Decreto-Lei 972 de 1969. Prevê como premissa para o exercício da profissão a obrigatoriedade do diploma em curso superior de jornalismo. Além disso, relaciona as funções privativas dos profissionais habilitados. Às 11 funções previstas originalmente no decreto editado pelo regime militar, o novo projeto acrescenta outras 12.

O parecer sustenta que a nova Lei de Direito de Autor qualifica o trabalho jornalístico como obra intelectual protegida. Por esta razão a livre difusão da produção jornalística não poderá ser impedida pela ausência de um diploma, por força do que dispõe o inciso IX do artigo 5º da Constituição. Lourival Santos sustenta ainda que, a prevalecer o novo texto, o diploma de jornalista “funcionaria como salvo-conduto para a expressão cultural de qualquer natureza”.

Leia a integra do Parecer

OPINIÃO LEGAL SOBRE A INCONSTITUCIONALIDADE DO PROJETO DE LEI COMPLEMENTAR Nº 079/04

“As leis inconstitucionais não são leis.

O ato legislativo é o querer expresso da

legislatura, ao passo que a

Constituição é o querer expresso do

povo. A este cabe a supremacia. Se o

ato legislativo o contradiz, írrito será:

não é lei”. (Rui Barbosa, “Obras

Completas”, Vol. XXIV, Tomo III,

Edarte São Paulo, p. 53).

CONSIDERAÇÕES PREAMBULARES

Encontra-se nas mãos do Presidente da República, para apreciação, o Projeto de Lei Complementar n° 079/04, cujo objetivo é a regulamentação da profissão de jornalista. O texto em questão previu, como premissa básica, a obrigatoriedade do diploma de jornalista para o exercício das funções nele relacionadas, com o que seguiu o Decreto-Lei n° 972/69, regulamentado pelo Decreto n° 83.284/79, além de ampliar, sobremaneira, em relação a estes dois últimos textos legais, o rol das funções que pretende sejam privativas do profissional de jornalismo.

Tanto pela exigência do diploma, quanto pela invasão preconizada em áreas e atividades sociais que jamais poderão ser controladas por reservas instituídas por imposições legais autocráticas como a pretendida, o projeto agride frontalmente o Texto Constitucional em vigor e discrepa dos valores básicos e fundamentais constitutivos do Estado Democrático de Direito, como adiante será explanado.

INCONSTITUCIONALIDADES QUE IMPÕEM O VETO TOTAL DO PROJETO Nº 79/04

I- Harmonia e independência entre os Poderes — O projeto deverá ser vetado, integralmente, com fundamento nos artigos 2° e 102, § 2° da C.F., porquanto tramitam no Judiciário mais de uma ação judicial discutindo a inconstitucionalidade da obrigatoriedade do diploma de jornalista para o exercício da função. Uma das ações, que tem a natureza de Ação Civil Pública, foi proposta pelo Ministério Público Federal e encontra-se em grau de Recurso Extraordinário remetido, em 06/07/2006, Guia n° 2006144718, ao Supremo Tribunal Federal.

A eventual sanção do Projeto n° 79 seria fator de forte desequilíbrio dos fundamentais princípios democráticos que consagram a harmonia e a independência entre os Poderes e alicerçam o modelo político adotado pelo País a partir de 88. Ademais, pelo art. 102, § 2° do Texto Fundamental, as decisões definitivas da Suprema Corte produzem eficácia contra todos e efeito vinculante. Logo, a eventual sanção correria o risco de aprovar um Projeto de Lei natimorto.

II- Obrigatoriedade do diploma de jornalista — O Texto Constitucional de 88 não recepcionou o Decreto-Lei nº 972/69 e o seu Decreto Regulamentador nº 83.284/79 no tocante a obrigatoriedade do diploma de jornalista.

Notáveis juristas manifestaram-se a respeito do assunto, em pareceres específicos, entre eles o hoje Excelso Ministro do STF, Dr. Eros Grau, que concluiu que o desenvolvimento da profissão de jornalista independe de diploma, uma vez que o seu exercício prende-se ao estofo cultural e conhecimentos específicos do exercente, sem expor a coletividade a qualquer fator de risco.

A obrigatoriedade do diploma é coerente no caso de outras profissões como a de médico, advogado, engenheiro, farmacêutico, etc., pois a ausência de conhecimentos técnicos adequados, somente adquiridos em cursos especializados, é fator de sérios riscos para a coletividade.

Além desses motivos, a nova Lei de Direito de Autor (nº 9.610/98) qualificou o trabalho jornalístico, de qualquer natureza, como obra intelectual protegida (arts. 5°, inciso XIII, letra “h”, 7º, inciso XIII e 17, §§ 1º e 2º, c.c. artº 5º, inciso XXVIII, letra “a” da C.F.), razão pela qual a livre difusão de tais criações jamais poderá ser impedida pela ausência de um diploma, por força do que dispõe a C.F., no art. 5º, inciso IX.

Países de primeiro mundo, como é o caso dos EEUU, onde os cursos de jornalismo são concorridos e de alto nível, não obrigam o diploma.

Acrescente-se a isto o direito constitucional do cidadão de ter assegurado o acesso à informação e às fontes de cultura nacional (arts. 5º, inciso XIV e 215, “caput” da C.F.), sem qualquer embaraço.

III- Arbitrariedade na instituição de reserva de mercado de trabalho — Ao considerar privativas de jornalistas todas as atividades desenvolvidas dentro dos veículos de mídia impressa e eletrônica, incluindo rádio, televisão e internet, o legislador acometeuse contra a Constituição Brasileira, que protege os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa (art. 1º, inciso IV, c.c. com o art. 5°, inciso VIII da C.F.), como fatores fundamentais do Estado Democrático do Direito.

A prevalecer o texto, a liberdade do cidadão, independentemente do seu conhecimento técnico e cultural, estaria cerceada para os meios de comunicação em geral, apenas e tão somente pela eventual ausência de um diploma de jornalista, que funcionaria como salvo-conduto para a expressão cultural de qualquer natureza.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Impossibilidade jurídica da obrigatoriedade do diploma jornalístico

Editado sob a constância do regime militar, por Junta Militar formada pelos Ministros da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, no uso das atribuições que lhes conferiam os Atos Institucionais n°s 5, de 13/12/1968 e nº 16 de 01/10/1969, o Decreto-Lei nº 972/69 (art. 4º, inciso V) instituiu a obrigatoriedade do diploma, com o objetivo de exercer o controle sobre a população de jornalistas do País, bem como das publicações da imprensa.

Como se vê, tal obrigatoriedade assenta-se sobre os ditames do AI-5, um dos textos mais censórios e totalitários de que se tem notícia na história política do País. Manter-se hoje a obrigatoriedade do diploma, quando se tem em vigor uma Constituição cidadã, que designa o estado brasileiro como Estado Democrático de Direito (Art. 1°, CF) e confere ao indivíduo o acesso pleno às informações culturais de interesse da coletividade (art. 5º, XIV), significa cercear a liberdade de expressão, a duras penas conquistada pela sociedade, ao ratificar o retrocesso àquele período de triste memória em que a expressão do pensamento constituía séria ameaça ao cidadão.

O saudoso jurista Pontes de Miranda, referiu-se à ausência da liberdade da manifestação do pensamento com as seguintes e precisas palavras: “a liberdade de pensar só para si, ocultando o pensamento, de nada valeria na ordem social, tiveram-na os escravos, têm-na os que vivem sob as formas autocráticas”. (”Comentários à Constituição” de 1967, Ed. RT, 2ª edição, 1971, p. 158).

Proposta de ampliação das atividades privativas do jornalista

Ampliar a abrangência das funções do jornalista, açambarcando as mais diversas áreas do conhecimento humano, representa a antítese do desenvolvimento cultural, uma vez que é sabido que os meios de comunicação, em razão do constante e notável avanço tecnológico, cada vez mais aproximam os Países e ampliam a possibilidade de intercâmbio cultural.

Neste caso, a sanção presidencial certamente contribuirá para o isolamento da imprensa brasileira, condenando-a a não poder contar com a imprescindível e profícua colaboração de verdadeiros especialistas em determinados assuntos, somente porque estes, independentemente da cultura e da experiência, não são diplomados em jornalismo.

O cientista, o pensador, o regente, o virtuose ou o especialista em futebol, seriam impedidos de dar publicamente sua contribuição cultural, ao contrário do que ocorre em outros Países, apenas por não terem cursado uma escola superior de jornalismo. Isto seria totalmente inconstitucional, pois agrediria a liberdade de expressão das atividades intelectual, artística e de comunicação, que são princípios pétreos consagrados pela Carta Magna.

Tal liberdade é reflexa no sentido de que somente existe e se justifica no direito exercido pelo indivíduo de ter acesso livre às informações de seu interesse, o que também é princípio constitucional básico (Art. 5°, XIV c/c Art. 215, caput da CF).

O ilustre constitucionalista Profº José Afonso da Silva, ao comentar a liberdade de informação e de ser informado, destacou que “A liberdade dominante é a de ser informado, a de ter acesso às fontes de informação, a de obtê-la”. (“Curso de Direito Constitucional Positivo”, Malheiros Editores, 22ª Edição, p. 246).

Pelo exposto, no nosso entendimento o PL 79/04 deverá ser totalmente vetado por manifesta inconstitucionalidade.

São Paulo, 18 de julho de 2006.

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