Reforma avançada

PGR dá parecer favorável à desapropriação da fazenda Teijin

Autor

13 de julho de 2006, 19h18

A ocupação da fazenda Teijin, em Nova Andradina (MS) pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra é legitima, na opinião do procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza. Segundo ele, o processo de desapropriação das terras foi “respaldado, há anos, por decisão judicial da própria Justiça Federal da 3ª Região.” Antonio Fernando de Souza emitiu o parecer favorável ao Incra nesta quinta-feira (13/7) em recurso que corre no Supremo Tribunal Federal. Caberá à presidente do tribunal, ministra Ellen Gracie, analisar o caso.

Antonio Fernando de Souza apoiou a suspensão da liminar do Tribunal Regional Federal da 3ª Região. O TRF-3 ordenou a reintegração de posse da fazenda para seus donos e a retirada imediata dos sem-terra do local.

Essa determinação, segundo o procurador-geral, “representa a remoção de aproximadamente 5 mil pessoas, grupo que aguarda apenas a formalização da transferência dos títulos, mas, todavia, encontra-se, há muito, residindo dentro dos limites da propriedade.”

De acordo com o procurador-geral, a implantação de reforma agrária já está avançada no local e a alteração abrupta dessa condição “poderia ocasionar ruptura grave, com conseqüências sociais imponderáveis.”

O advogado da Teijin, Diamantino Silva Filho preferiu não comentar o parecer do procurador-geral enquanto aguarda a decisão do Supremo Tribunal Federal.

A fazenda Teijin, pertencente ao grupo empresarial japonês do mesmo nome, ocupa uma área de 28,5 mil hectares. Em 2001 começou o processo de desapropriação para fins de reforma agrária. Segundo o advogado da fazenda, um laudo do Incra constatou que as terras eram inadequadas para a reforma agrária, já que não são boas para agricultura. Seu uso é indicado apenas para pastagem, sua atual destinação. Mesmo assim, o Incra deu prosseguimento ao processo. Mais de mil famílias de trabalhadores ligados ao MST e à Fetagri — Federação dos Trabalhadores na Agricultura estão desde 2004 acampados em parte da fazenda.

Leia a íntegra do parecer:

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

Nº 1.798-PGR-AF

SUSPENSÃO DE LIMINAR Nº 115 – 9/814

REQUERENTE: INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZAÇÃO E REFORMA AGRÁRIA – INCRA

REQUERIDO: TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO (AGRAVO REGIMENTAL NA MEDIDA CAUTELAR INCIDENTAL N.º 2005.03.00.071462-4)

JUIZ FEDERAL DA 2ª VARA FEDERAL DA 2ª SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE DOURADOS/MS

RELATORA: Min. Presidente

Suspensão de liminar. Desapropriação por interesse social. Ação ajuizada pelo INCRA em 2002. Imissão da autarquia na posse das terras naquele mesmo ano, por intermédio de decisão judicial, com início dos trabalhos técnicos de levantamento e assentamento dos grupos interessados. Organização de infraestrutura, com assinatura de convênios, abertura de estradas e prestação de serviços públicos (educação) a 1.000 famílias residentes na localidade. Ajuizamento de ação ordinária pela proprietária que, em dezembro de 2004, passa a questionar a pertinência da desapropriação. Pronunciamento do TRF da 3ª Região que, dando crédito aos argumentos da empresa interessada, determina a reintegração das terras à posse da proprietária. Quadro fático consolidado que merece detida atenção. Ameaça de convulsão social evidenciada. Risco de lesão à ordem e à economia pública.

Parecer pelo deferimento do pedido.

1. Trata-se de pedido de suspensão de liminar apresentado pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA em face de pronunciamento do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, que ordenou a manutenção da empresa Teijin Desenvolvimento Agropecuário Ltda. na posse de imóvel rural integrado ao programa federal de reforma agrária.

2. Em cumprimento a tal decisão, que ainda não fora publicada, o Juiz Federal da 2ª Vara da Subseção Judiciária de Dourados (MS) emitiu ordem de reintegração de posse da Fazenda Teijin à proprietária, alterando quadro fático instalado desde 2002, instante em que o INCRA havia obtido pronunciamento judicial em ação de desapropriação, imitindo-se na posse da propriedade, quando, desde logo, deu início à implantação de projeto de assentamento de mais de mil famílias.

3. Tal realidade emerge da seguinte moldura: em março de 2002 fora ajuizada ação de desapropriação pelo INCRA. A imissão imediata na posse foi admitida em decisão proferida em agravo de instrumento, concretizando-se em julho daquele ano.

4. Em dezembro de 2004, Teijin ajuizou ação declaratória, em que o pedido central consistiu em ver declarada a nulidade do processo administrativo de desapropriação. Revolvendo os critérios adotados pela autarquia federal para apuração dos índices de produtividade, Teijin pretendia demonstrar a ilegalidade das conclusões do procedimento. Ponderava, com alicerce nos pontos que adotava como consistentes, que as terras seriam, ao contrário do que apontara o INCRA, produtivas, circunstância a atrair a incidência do art. 185, II, da Constituição da República. À ação declaratória se fez acompanhar pedido de antecipação de tutela.


5. A demanda foi, contudo, extinta sem exame de mérito pela magistrada de primeiro grau. Interpôs-se apelação, ladeada de ação cautelar, ajuizada perante o TRF da 3ª Região. O pedido de liminar foi indeferido, e, de pronto, renovado em agravo regimental.

6. O julgamento desse referido agravo é que dá ensejo ao presente pedido. Em decisão que pende da publicação, a Segunda Turma da Corte Federal houve por bem deferir o pedido de cautela deduzido, dando provimento à medida recursal de Teijin. O ato seguinte, que corporifica o risco de lesão indicado pelo requerente, é produzido pelo magistrado federal de primeiro grau, que, ao dar cumprimento à decisão do TRF no referido agravo regimental, ordenou a imediata devolução das terras à posse de Teijin.

7. Tal determinação, ilustra o requerente, representa a remoção de aproximadamente 5.000 pessoas, grupo que aguarda apenas a formalização da transferência dos títulos, mas, todavia, encontra-se, há muito, residindo dentro dos limites da propriedade. A requerente informa que a implantação do projeto de reforma agrária daquela localidade encontra-se em avançado estágio de desenvolvimento. Há consistente rede de infraestrutura em execução, com abertura de estradas e construção de prédios de escola, circunstâncias a evidenciar o enraizamento da comunidade às terras. A alteração abrupta dessa realidade, anos após a imissão da posse pelo INCRA, e sem precisa e concreta objeção da proprietária, poderia ocasionar ruptura grave, com conseqüências sociais imponderáveis. Nisso estaria a evidência de risco à ordem pública, e a razão maior do pedido de suspensão dos efeitos da liminar deferida pelo TRF da 3ª Região.

8. Tendo sido apresentado originariamente ao Superior Tribunal de Justiça, o pedido foi examinado, de pronto, pelo Ministro PEÇANHA MARTINS, que, no exercício da Presidência da Corte, houve por bem o deferir – fls. 730-732. O pensamento central da decisão pautou-se no argumento de que o INCRA obtivera, legitimamente, a imissão na posse da propriedade. A ordem legal, ao autorizar tal expediente, traria respaldo à situação implantada nas terras, e somente a anulação dos atos administrativos, após avaliação do material probatório eventualmente colhido na ação declaratória, poderia ensejar a alteração daquele quadro, mostrando-se, portanto, extemporânea a determinação de imediata reintegração da posse à empresa proprietária.

9. Veio aos autos agravo regimental de Teijin – fls. 764-803. Os pontos apresentados contra a decisão da Presidência do Superior Tribunal de Justiça dizem que: (i) a matéria deduzida na ação principal apresentava feição constitucional, a retirar do âmbito de competência daquela Corte a análise do pedido de contracautela; (ii) as conclusões apuradas pelo INCRA seriam duvidosas, afinal, em várias oportunidades, técnicos haviam atestado a produtividade das terras; (iii) a ação declaratória seria o instante processual hábil a suscitar tal questão, que, de outro lado, é vedada em ação de desapropriação, expediente que possui limites rigidamente demarcados; e, em desfecho, (iv) o prosseguimento do processo de expropriação poderia, num pensamento invertido, ocasionar lesão ao erário, já que marcado por ilegalidades e passível de reformulação ao final da ação ordinária ajuizada.

10. O Ministro BARROS MONTEIRO, de volta à Presidência do STJ, ao apreciar o agravo de Teijin, pronunciou juízo de reconsideração – fls. 881-884. A ação principal, cogitou, ostentaria matéria de cunho constitucional, o que, apesar da concorrência de temas infraconstitucionais, devolveria o conhecimento do pedido de contracautela ao Supremo Tribunal Federal.

11. Os autos foram remetidos à Suprema Corte, ganhando o rumo da Procuradoria Geral da República logo em seguida.

12. O pedido é de ser deferido.

13. Importante trazer à lembrança que o expediente de contracautela possui conformações muito particulares, dentre as quais não se encaixam maiores digressões acerca do tema de fundo deduzido na ação principal. Sem essa perspectiva pode-se perder o foco dos propósitos dessa medida, arriscando-se tomá-la como mero, e indevido, sucedâneo recursal.

14. O debate que a interessada pretendeu empreender no agravo de fls. 764-803, segundo o qual as terras seriam imprestáveis à exploração econômica, ao menos sem grandes dispêndios financeiros, ou ainda, no que se referiu à apropriada exploração da propriedade, a ponto de tê-la por produtiva, deverá ganhar atenção devida na esfera da ação ordinária. Somente naquele espaço é que as teses ganharão suas devidas entonações.

15. Menção a posicionamentos técnicos num ou noutro sentido nada acrescem ao exame da presente medida processual, pois um juízo mais detido sobre os fatos e os eventos subjacentes, em especial acerca dos aspectos materiais das terras, somente ganhará ponderada e detida atenção quando forem defrontados, no procedimento ordinário, os argumentos e as provas de cada uma das partes.


16. De outro lado, a produtividade, ou não, das terras – dado severamente questionável, bastando ver os posicionamentos dissonantes que são encontrados nos autos – não afasta o evento medular vislumbrado pela requerente como conseqüência da decisão proferida pelo TRF da 3ª Região: a ordem de imediata retirada de mais de 1.000 famílias, em agrupamento que chega ao número de 5.000 pessoas, tem potencial de causar imensa comoção social.

17. Há indicação de que o grupo deita profundas raízes nas terras, com aquiescência do Poder Público, inclusive com crianças já freqüentando, regularmente, o ensino básico prestado naquela localidade. O cumprimento de ordem de reintegração de posse em condições tais é evento de marcante volatilidade.

18. De se referir, em acréscimo, que a ocupação se dá sob a mais legítimo título, respaldado, há anos, por decisão judicial da própria Justiça Federal da 3ª Região. A imissão na posse promovida pelo INCRA e o início dos trabalhos de implantação do projeto de assentamento são práticas admitidas pela ordem legal. A criação dos laços, que ora se pretende preservar de tão severo talho, deu-se sob os olhos do Poder Público. Essa entonação, em que se observou o devido processo legal, dá legitimidade à ocupação das terras, o que torna ainda mais danosa a perspectiva de confrontações sociais.

19. Num outro aspecto, dentro ainda da menção ao anterior posicionamento judicial, parece apropriado rememorar que as ações (de desapropriação e a ordinária, posteriormente ajuizada), apesar de contarem com ritos distintos, encontram-se ligadas pelo objeto. Causa de pedir próxima, consubstanciada na pertinência da desapropriação que se processa, é também muito similar. Há um unidade substancial evidente, a ponto de ser possível identificar espécie de conexão entre as demandas.

20. Dentro desse universo, portanto, é de se dizer que o ajuizamento da ação declaratória pela empresa Teijin, de rito ordinário, deu-se em meio a uma unidade de fatos já consolidada. Apesar de dispor de plena liberdade para provocar o Poder Judiciário desde o início do procedimento administrativo, ou ao menos a partir do instante em que os atos do Poder Público foram sendo emitidos, com suposta desatenção aos ditames legais, em especial a produção do laudo técnico de vistoria realizado pelo INCRA e o prosseguimento do processo, com desfecho na emissão do decreto presidencial (editado em outubro de 2001 – fls. 54), a empresa Teijin movimentou-se apenas em dezembro de 2004.

21. Nesse instante, contudo, de há muito o INCRA detinha a posse das terras. Com ação de desapropriação ajuizada em março de 2002, a autarquia fundiária obtivera a imissão na posse das terras em julho de 2002 – fls. 59. Portanto, o quadro fático encontrado no momento da propositura da ação ordinária era o retrato de mais de dois anos de trabalhos da entidade pública. Em boa medida, a estabilização de imenso agrupamento de pessoas se deu com o beneplácito de Teijin, que se movimentou anos após a imissão na posse da fazenda pelo INCRA. O pedido de reintegração de posse deve ser apreciado com essa perspectiva, de modo a se promover uma visão verdadeiramente analítica da moldura de eventos encontrada na hipótese dos autos.

22. Em suma, o ajuizamento da ação ordinária deve ser apreciado a partir dos efeitos lançados pelas decisões proferidas na ação de desapropriação. Não se poderá desconectar o impacto da liminar deferida, em que se determina a imediata reintegração das terras à posse de Teijin, sobre o cotidiano de 5.000 pessoas, que se encontram residindo naquela localidade, com laços criados ao longo de quarto anos de ocupação, regular e assistida pelo Poder Público.

23. É pertinente mencionar que a decisão do TRF, trazida aos autos pela interessada – fls. 810-821, sequer refere a reintegração, mencionado que se estaria a deferir a “manutenção” da requerente na posse da fazenda, como se a empresa jamais dela tivesse se demitido – fls. 821. Tal aspecto anuncia que o pronunciamento judicial não tomou em consideração o impacto possivelmente advindo da execução dessa ordem sobre as 1.000 famílias pajeadas pelo Poder Público.

24. Sob esse prisma, e em conclusão, o adensamento dos argumentos lançados pela empresa Teijin na ação ordinária haverá de ser avaliado devidamente, a ponto de se poder apurar, com precisão e segurança exigidos, a regularidade e viabilidade do processo de desapropriação. É direito da proprietária das terras a submissão de seu pleito ao Poder Judiciário, a quem caberá analisar a conduta do Poder Público. Mas, de outro lado, a provocação dos tribunais deve conviver, de maneira pacífica, com a realidade subjacente, em que se verifica a consolidação de um quadro delicado (sob a aprovação/omissão da empresa), a exigir o manuseio contido das medidas de coerção. A cogitação profunda acerca dos parâmetros adotados para a avaliação técnica da qualidade das terras merece atenção, mas alcança, num juízo ponderado, com tons de razoabilidade e proporcionalidade, apenas o desfecho do processo de desapropriação. Adiantar-se, para desde logo obter o retorno da realidade ao que se verificava antes da imissão da posse pelo INCRA, é pretensão demasiadamente ampla, indo além do nexo cunhado pela ação ordinária e ganhando reflexos sobre a ação de desapropriação, causando graves danos à parcela da sociedade materialmente envolvida.

25. Não deve escapar o ponderado juízo de que a permanência dessas pessoas se deu com o prévio atendimento das regras e orientações legais, em cumprimento ao due process of law. A subversão do quadro ganha com isso contornos diferenciados, dados pela legitimidade do título ostentado, não se devendo tratar os ocupantes das terras como convencionais esbulhadores.

26. A ordem de reintegração representa perigo eminente à paz social da localidade. Traduz risco de lesão à ordem e à segurança pública. A retirada de inúmeras famílias é procedimento que deve ser tomado com todas as cautelas possíveis, partindo de pressuposto básico, qual seja, juízo mínimo acerca da impropriedade do processo de desapropriação. Dali em diante, com convicção formada e embasada, procedimento de explicação e convencimento dos atingidos precisará ser executado, reduzindo-se o impacto e reflexos sociais da medida judicial.

27. De se considerar, como dito, que a ocupação deu-se com a assistência do Poder Público, em cumprimento a programa federal de assentamento. A falha nesse procedimento, por ação do Estado, poderá ensejar reparação civil dos assistidos. A reintegração feita de maneira severa agravará o quadro, tornando eventual falha da Administração Pública ainda mais grave e evidente, a ponto de incrementar suposta responsabilidade civil do Estado.

28. Sob essas luzes, a ordem de reintegração, constante dos pronunciamentos da Justiça Federal da 3ª Região, constitui grave ameaça à ordem e à segurança públicas, devendo ser suspensa por meio do deferimento do presente pedido.

Ante o exposto, o Ministério Público Federal é pelo deferimento do pedido, sustando-se os efeitos da decisão vinda do TRF da 3ª Região no Agravo Regimental 2005.03.00.071462-4, e dos pronunciamentos que lhe seguiram na esfera da Justiça Federal de primeiro grau (Ação de Desapropriação 2002.60.02.000510-2).

Brasília, 11 de julho de 2006.

ANTONIO FERNANDO BARROS E SILVA DE SOUZA

PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!