Ferramenta de trabalho

Empresa pode ter acesso irrestrito a e-mail de funcionários

Autor

6 de julho de 2006, 17h30

O empregador pode ter acesso irrestrito aos e-mails de seus funcionários por considerá-los ferramenta de trabalho. O entendimento é 9ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região. Os juízes negaram pedido de indenização de uma ex-funcionária da Nestlé Brasil.

Ela foi demitida por justa causa. Motivo: teria divulgado falsas notícias sobre a empresa aos seus colegas de trabalho. A ex-funcionária recorreu a 67ª Vara do Trabalho de São Paulo para pedir indenização por dano moral. Alegou violação de correspondência eletrônica pessoal. Também alegou que foi exposta a constrangimento ao ser conduzida, na frente de todos, por seguranças da empresa na sua saída. Como o pedido foi negado, ela recorreu ao TRT paulista.

De acordo com o advogado da trabalhadora, Sérgio Antônio Garavati, foi apresentado Recurso de Revista ao Tribunao Superior do Trabalho contra a decisão do TRT-2. A defesa alega ilegalidade da dispensa por justa causa em razão da ocorrência a infrações aos dispositivos constitucionais de violação de sigilo pessoal e uso de prova ilegal nos autos do processo.

A juíza de pirmeiro grau, Jane Granzoto Torres da Silva, entendeu que a Nestlé exerceu o seu direito de empregadora. Ela observou que o monitoramento dos e-mails de trabalho estava previsto no manual de “Política de Uso do E-mail” da empresa, do qual a ex-funcionária tinha conhecimento.

Em seu voto, a juíza afirmou que o e-mail fornecido pelo empregador é uma ferramenta de trabalho, do qual o empregado detém apenas a posse. “Em local de trabalho e com equipamentos de labor, não se concebe tratar assuntos particulares”, completou.

Ela destacou que a notícia repassada aos colegas pela ex-funcionária “promoveu o temor dos empregados frente à possibilidade da perda do emprego, bem como a desestabilização da empresa perante o mercado externo, restando inequívoco o abalo provocado pela autora”.

Sobre o dano moral, a juíza concluiu: “ao despedir a reclamante por justa causa, a ré apenas agiu no exercício de seu poder diretivo, sem intenção de atingir a honra da empregada. Se irregularidades houve, estas foram indubitavelmente cometidas pela recorrente e não pela empresa”.

Precedente

Em maio de 2005, a 1ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho entendeu que a empresa pode controlar as mensagens enviadas pelos empregados com o e-mail profissional. Quando há mau uso do e-mail, as mensagens podem ser rastreadas com o objetivo de obter provas para demissão por justa causa.

A decisão legitimou a demissão de um empregado pelo HSBC Seguros Brasil, depois de descobrir que ele mandava mensagens eletrônicas com fotos de mulheres nuas aos colegas. Para os ministros, não houve violação à intimidade e à privacidade do empregado.

Para eles, a prova obtida dessa maneira é legal. O ministro João Oreste Dalazen concluiu que o empregador pode exercer, “de forma moderada, generalizada e impessoal”, o controle sobre as mensagens enviadas e recebidas, com a finalidade de evitar abusos.

Processo TRT-SP 01478.2004.067.02.00-6

Leia a íntegra da decisão

PROCESSO TRT/SP N.º 01478.2004.067.02.00-6 (20050320844)

RECURSO ORDINÁRIO

RECORRENTE: XXX

RECORRIDO: NESTLÉ BRASIL LTDA

ORIGEM: 67ª VARA DO TRABALHO DE SÃO PAULO

EMENTA

Endereço eletrônico fornecido pelo empregador se equipara a ferramenta de trabalho e não pode ter seu uso desvirtuado pelo empregado. Pertencendo a ferramenta ao empregador, a esse cabe o acesso irrestrito, já que o empregado detém apenas sua posse.

Inconformada com a r. sentença de fls. 104/108, complementada à fl. 112, cujo relatório adoto e que julgou improcedente a ação, recorre ordinariamente a reclamante às fls. 119/128, preliminarmente argüindo nulidade da sentença, por ausência de manifestação expressa sobre a existência ou não de violação ao princípio da imediatidade.

No mérito, aduz a inaplicabilidade ao caso vertente da propalada justa causa, vez que sempre desempenhou suas funções com zelo e dedicação durante todo o contrato de trabalho. Alega que divulgou informação acreditando em sua veracidade e que houve violação de sua correspondência eletrônica, em flagrante desrespeito ao artigo 5º, XII, da Constituição Federal. Por fim, pugna pela reparação por danos materiais e moral sofridos.

Custas processuais isentas às fls. 107.

Contra-razões apresentadas às fls. 130/138.

É o relatório.

VOTO

Conheço do recurso ordinário interposto, por presentes os pressupostos de admissibilidade.

DA PRELIMINAR

Inexistiu a propalada nulidade.

A simples leitura da r. decisão de primeiro grau demonstra à saciedade ter a MM. Vara de Origem enfrentado todas as matérias objeto da litiscontestatio, restando despropositada a alegação da recorrente de ausência de prestação jurisdicional no tocante à propalada violação do princípio da imediatidade.

Cumpre ressaltar já estar sedimentado jurisprudencial não estar o Juízo obrigado a tecer considerações sobre todos os argumentos lançados pelas partes, quando já tem convencimento firmado e fundamentado em apenas alguns deles.

Rejeito.

DO MÉRITO

1. Da Justa Causa

Com a alegação de justa causa para a dispensa da autora, carreou a ré para si o onus probandi (artigo 818, da CLT, c.c. artigo 333, I, do CPC), encargo do qual logrou desvencilhar-se a contento, consoante escorreitamente decidido pelo Juízo de Origem.

A justa causa há de ser sobejamente comprovada, em virtude de caracterizar penalidade a máxima aplicada ao empregado, à luz do disposto no art. 482 e parágrafos seguintes da CLT. O conjunto probatório produzido nos autos justifica a sanção cominada no texto celetizado, em que pesem as razões de apelo da reclamante.

O documento acostado às fls. 92/93, enviado pela obreira a outros colegas de trabalho através de correio eletrônico, relata notícia falsa concernente a empresa-reclamada, salientando para as observações jocosas transcritas pela recorrente (fl. 92). Ocorre que, o teor da notícia ventilada passa a ser relevante na medida em que promove a o temor dos empregados frente à possibilidade da perda do emprego, bem como a desestabilização da empresa perante o mercado externo, restando inequívoco o abalo provocado pela autora.

Nessa esteira, olvidou-se a obreira de cumprir as regras e procedimentos contidos nos documentos de fls. 95/98, em especial os itens 1 e 2 da norma interna “Segurança de Recursos de Informação” (fl. 96) e item 2 da norma “Política de Uso do E-mail Nestlé” (fl. 97) dos quais, ressalte-se, teve a exata ciência, inclusive contando com sua subscrição (fl. 98).

Assim, agiu a demandada dentro do exercício de seu poder diretivo, até mesmo com relação ao monitoramento do uso do sistema de e-mail profissional, procedendo à aplicação da cominação correspondente à gravidade da conduta praticada pela recorrente, em exata consonância com as sanções previstas nos documentos “Política de Uso do E-mail Nestlé – item 2” (fl. 97) e “Violações das Normas” (fl. 98), não havendo que se falar em eventual perdão tácito, eis que a ré procedeu à aludida ação disciplinar no mesmo dia em que tomou conhecimento dos fatos.

Vale ressaltar que, o uso de endereço eletrônico fornecido pelo empregador se equipara a ferramenta de trabalho e não pode ter seu uso desvirtuado pelo empregado. Nessa esteira, pertencendo a ferramenta ao empregador, a esse cabe o acesso irrestrito, já que o empregado detém apenas a sua posse. Frise-se que, em local de trabalho e com equipamentos de labor, não se concebe tratar assuntos particulares.

A situação posta nos autos enquadra-se, ainda, nas disposições contidas no artigo 482, alíneas ‘b’ e “h” da CLT – ‘mau procedimento’ e ‘ato de indisciplina e insubordinação`.

Sob este prisma, a quebra de confiança é manifesta, ante a gravidade da notícia instaurada pela recorrente, (fls. 92/93), face à possibilidade de gerar comoção entre os empregados, além de eventual perturbação à estabilidade ecônomico-financeira do empregador em suas relações comerciais.

Nada a reformar, portanto.

2. Dos danos materiais

Aqui, também não assiste razão à recorrente.

Não verifico nos autos nenhum ato ilícito perpetrado pela recorrida, consoante as disposições capituladas nos artigos 186, 927 e 932, III, do Diploma Adjetivo Civil, de maneira a ensejar a reparação material pretendida.

Mantenho.

3. Dos danos morais

Alegou a autora fazer jus à indenização decorrente de dano moral, por entender que reclamada violou sua correspondência eletrônica, assim como foi compelida a circular pelas dependências da empresa acompanhada de um segurança, por ocasião do despedimento, o que lhe causou um imenso constrangimento perante os demais colegas de trabalho.

Ao alegar ter sofrido dano moral, nos termos dos artigos 818, CLT, e 333, I, do CPC, à obreira cabia o ônus da prova, do qual não se desincumbiu.

Não há nos autos qualquer elemento probatório indicando tenha a reclamada cometido atos capazes de macular a honra ou a moral da reclamante, de modo a ensejar reparação pecuniária.

A caracterização do dano moral exige a conduta comissiva ou omissiva do agente causador, assim como pressupõe a existência do prejuízo efetivo, situações essas não demonstradas nos autos pela obreira.

Ao despedir a reclamante por justa causa, a ré apenas agiu no exercício de seu poder diretivo, nos exatos moldes em que acima decidido, sem intenção de atingir a honra da empregada, não restando demonstrado qualquer dano a ensejar a indenização postulada. Se irregularidades houve, estas foram indubitavelmente cometidas pela recorrente e não pela empresa.

Igualmente mantenho.

Isto posto, conheço do recurso ordinário interposto e, no mérito, NEGO PROVIMENTO ao apelo, mantendo a r. decisão de primeiro grau em todos os seus termos.

JANE GRANZOTO TORRES DA SILVA

Juíza Relatora

(Redação atualizada em 15/9/2006

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!