Amor sem compromisso

Contrato para preservar bens durante o namoro é nulo

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1 de julho de 2006, 7h00

Um singular código de comportamento tem sido adotado pelos paulistanos endinheirados, a maioria machos adultos: exigir da companheira um “contrato de namoro”, pelo qual a mulher deixaria de receber os bens amealhados mesmo quando o casal dividia a mesma geografia. As duas leis, de 1994 e 1996, que estabeleciam respectivos períodos de convivência para conquista de direitos em eventual espólio, decorrente de litigância, foram devidamente engolidas pelo Código Civil de 2002 — que deixou em aberto o prazo de união estável para conquista de direitos.

Para evitar contratempos, isto é, meter a mão no bolso, homens têm levado suas namoradas a assinar o “contrato de namoro”. Que, sem exagero, já é considerado uma febre comportamental entre empresários e publicitários da zona sul de São Paulo.

“Esse contrato é nulo”, alerta a advogada Carla Falcone Bragaglia, de São Paulo. Há três meses ela e os advogados Márcia Stella Santi e Philippe Siqueira de Assumpção fundaram escritório na rua Pedroso Alvarenga, na zona sul de São Paulo. O endereço prontamente virou um dos musts da advocacia paulistana, especializado em separações, guarda de filhos e alimentos. “Tínhamos uma previsão conservadora e uma agressiva, para os contratos do novo escritório. A agressiva previa 30 clientes num ano. Conseguimos 20 clientes apenas nos três primeiros meses de existência”, comemora Carla.

Um dos campeões da temporada do escritório tem sido justamente o aconselhamento contrário à nova coquete paulistana chamada “contrato de namoro”. Carla assim explica: “O contrato de namoro, em regra elaborado com o intuito de prevenir responsabilidades, regulamentar acerca de patrimônio, alimentos, não tem nenhuma validade jurídica. É nulo, tendo em vista a impossibilidade jurídica do objeto, que é repelir o reconhecimento de uma união estável que é, por sua vez, regulamentada por preceitos de ordem pública que são indisponíveis”.

Ela explica que “não há como ter validade a previsão de incomunicabilidade de bens por meio de contrato de namoro quando, posteriormente, as partes mantiveram um longo período de vida conjunta e amealharam bens com o esforço comum. Nesse caso, se fosse reconhecida a validade do ajuste, seria uma fonte de enriquecimento ilícito. Além disso, não se pode olvidar que o contrato é um negócio jurídico bilateral entabulado a fim de adquirir, resguardar, modificar ou extinguir direitos. Como cediço, trata-se o namoro de uma relação afetiva, emocional, na qual não existem direitos nem sequer obrigações legais previstas a serem reguladas ou modificadas”.

Alguns clientes dispõem de uma curiosa filosofia para legitimar seu interesse pelo contrato de namoro. “Vou levar o contrato para a minha namorada assinar. Se ela não fizer isso, será sinal de que ela está interessada apenas no meu dinheiro”, referiu um publicitário. “Quero fazer o contrato mas não sei como propor isso a ela, tenho medo de ofendê-la”, contou outro publicitário.

Outros contrapõe-se à idéia do contrato de namoro: “Eu não quis assinar o contrato de namoro porque enquanto ele trabalhava duro, e estávamos juntos, eu fazia um esforço comum indireto, dando tranqüilidade a ele, cuidando das crianças que ele já tinha, ajudando-o a desenvolver sua carreira enquanto eu encerrava a minha para cuidar da vida doméstica”, disse uma recém-assumida dona de casa.

O novo escritório é taxativo na condenação dessa nova prática. “Quem pede esse contrato de namoro quer um escape para tentar burlar a lei e proteger os seus bens, em vez de fazer um pacto de relação estável com separação de bens”, esclarece o advogado Philippe Siqueira de Assumpção. “O próprio contrato de namoro já é prova de uma relação estável que se quer negar”, explica a advogada Márcia Stella Santi.

Os três explicam o singular sucesso de um escritório tão novo a um tratamento diferenciado que dão aos clientes, valorizando o lado psicológico de pessoas fragilizadas com a separação. Num caso tratado esta semana, a tarefa dos advogados tem sido sensibilizar um pai conservador de carteirinha, que parou de pagar a pensão a seu filho, de 16 anos de idade, quando descobriu que ele era gay. “O pai quis emancipar o filho, dizendo que ele, ao assumir que era gay, passava e estar num grupo de risco. Por isso não pagaria mais pensão ao adolescente”, relata Carla.

Algumas constatações do universo das separações em São Paulo, feitas pelos três advogados: quem quase sempre toma a frente da separação é a mulher; os motivos para maoria dos casos de separação são “desgaste” e “traição”. Os clientes trazem dois perfis psicológicos distintos: alguns buscam no advogado uma voz legiferante forte, capaz de resolver a situação com aguda objetividade legal. Boa parte, porém, busca um advogado mais “psicologizado”: buscam alguém para contar tudo o que passaram, em detalhes. Somente para, depois, bem depois, submeterem-se à avaliação legal do caso.

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