Falta de fundamentação

Jobim suspende quebra de sigilos do presidente do Sebrae

Autor

30 de janeiro de 2006, 21h09

A CPI dos Bingos, no Senado, está impedida de ter acesso aos dados sigilosos do presidente do Sebrae, Paulo Tarciso Okamotto. A decisão é do presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Nelson Jobim. Ele concedeu liminar a Okamotto para suspender a quebra dos seus sigilos bancário, fiscal e telefônico determinada pelos senadores.

Jobim ressaltou que o requerimento da CPI, ao estabelecer o acesso da comissão aos dados do presidente do Sebrae, “fundamenta-se em notícias veiculadas em matérias jornalísticas, sem sequer indicar um fato concreto que delimite o período de abrangência dessa medida extraordinária”.

Segundo o ministro, “esta Corte veda a quebra de sigilos bancário e fiscal com base em matéria jornalística”. Jobim concedeu a liminar, salientando que eventuais dados obtidos pela CPI devem permanecer lacrados e sob os cuidados da comissão até decisão final da Corte. O ministro também pediu informações à CPI e observou que sua decisão pode ser reexaminada a partir das informações prestadas.

MS 25.812

Leia a liminar de Jobim

Trata-se de Mandado de Segurança impetrado por Paulo Tarciso Okamotto, contra ato da Comissão Parlamentar de Inquérito – “Bingos”, que aprovou requerimento de quebra dos seus sigilos bancário, fiscal e telefônico.

Explica o Impetrante que

“……………………A referida Comissão Parlamentar de Inquérito, como é cediço, só foi instalada após ordem judicial, obtida através de diversos mandados de segurança impetrados perante o Supremo Tribunal Federal (MS 24.831-9/DF e outros)

No julgamento do citado Mandado de Segurança, da relatoria do Ministro Celso de Mello, reconheceu-se o direito dos impetrantes de instalar para, portanto, investigar e apurar a utilização das casas de bingo para a prática de crimes de lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores, bem como a relação dessas casas e das empresas concessionárias de apostas com o crime organizado.

Na ocasião, foi realçado o fato de que a futura comissão preenchia os três requisitos constitucionalmente necessários para sua criação, sendo um deles a apuração de fato determinado.

…………………………” (fls. 5/6)

Indica que os pressupostos para a quebra de sigilo não foram preenchidos, pois

“……………………… a decisão da Comissão foi absolutamente genérica, eis que aprovou requerimento no sentido da pura e simples ‘transferência dos sigilos fiscal, bancário e telefônico do presidente do SEBRAE, senhor Paulo Okamoto. …………….” (fls. 9)

E que

“…………………..é de rigor reconhecer-se que só será justificável e lícita a quebra de sigilos se voltar a apurar esses fatos específicos, ou seja, se estiver relacionada direta ou indiretamente a períodos que guardem relação de pertinência aos fatos sob apuração.

Admitir o contrário seria conferir às comissões de inquérito a prerrogativa para, a pretexto de apurar o ocorrido em 2005, quebrar o sigilo de cidadão dos últimos cinco ou dez anos para saciar a curiosidade dos Senadores que a compõem e da Imprensa….”

(fls. 10)

Também aponta ausência de fatos específicos para justificar a quebra de sigilo das informações e acrescenta que

“…………nenhum dos motivos invocados pela autoridade coatora, plasmados no Requerimento nº 317/05, se liga intimamente, tem relação direta ou guarda relação de conexão, próxima ou remota, com o objeto da Comissão……………………” (fls. 20)

Requer

“……………….

a) em sede liminar, a suspensão do ato que aprovou o Requerimento nº 317/05, cujo objeto é a “transferência dos sigilos fiscal, bancário e telefônico do presidente do Sebrae, senhor Paulo Okamoto;

b) no mérito, a confirmação da medida liminar, com a anulação do ato ……………………” (fls. 24)

Extraio do Requerimento impugnado:

“…………………Já se sabe que o esquema operado por Marcos Valério, chamado de Valerioduto, possui braços em diversos setores da Administração Pública. Nesse cenário, a Folha de São Paulo publicou matéria jornalística em agosto passado, na qual revela que a prestação de contas do Partido dos Trabalhadores, no ano de 2003, apresenta lançamentos contábeis que indicam a concessão de empréstimos a dirigentes do partido, entre eles o presidente Lula.

Não haveria problemas na operação se os recursos utilizados não fossem originários de contas bancárias que recebem repasse repasse do Fundo Partidário. … O partido justificou que o empréstimo tinha sido quitado pelo amigo e procurador do presidente senhor Paulo Okamoto, atual presidente do SEBRAE.

No entanto, as explicações prestadas pelo partido não foram convincentes, como atesta reportagem da Revista IstoÉ … Além disso, a vinda de Okamoto a esta CPI não esclareceu as circunstâncias obscuras nas quais teria ocorrido a transação ilícita. … Aqui nesta CPI, já apresentou uma outra versão, ao afirmar que sacou parte do dinheiro da conta bancária de sua esposa. Esses são apenas alguns exemplos de uma história recheada de contradições, o que torna de fundamental importância a quebra do sigilo bancário, fiscal e telefônico do senhor Paulo Okamoto.

Cabe ressaltar que o Sebrae, entidade presidida pelo senhor Paulo Okamoto, movimenta recursos da ordem de R$ 900 milhões por ano. Ademais, existem denúncias de que os fundos de pensão dos servidores do Sebrae seriam administrados pela Global Previ, apontada como uma das favorecidas nos contratos dos fundos de pensão do governo. ……………” (fls. 30/31)

Decido.

O pedido tem plausibilidade jurídica.

O requerimento impugnado não apresenta “a existência concreta de causa provável que legitime a medida excepcional” (STF – Pleno, MS 23452, Rel. Min. CELSO DE MELLO, DJ de 12.5.2000).

Com efeito, o requerimento indica fatos com suporte apenas nas matérias jornalísticas e no depoimento do Impetrante. E esta Corte veda a quebra de sigilos bancário e fiscal com base em matéria jornalística. Assim decidi, em Plenário, no MS 24.135, julgado em 3.10.2002, de cuja ementa destaco:

“………………………..

MANDADO DE SEGURANÇA. CONSTITUCIONAL. COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO – ROUBO DE CARGAS. QUEBRA DE SIGILOS BANCÁRIO, FISCAL E TELEFÔNICO DO IMPETRANTE COM BASE EM MATÉRIAS JORNALÍSTICAS. EXCEPCIONALIDADE DA GARANTIA CONSTITUCIONAL DA VIDA PRIVADA DOS CIDADÃOS SE REVELA NA EXISTÊNCIA DE FATO CONCRETO. AUSÊNCIA DA CAUSA PROVÁVEL JUSTIFICADORA DAS QUEBRAS DE SIGILO.SEGURANÇA CONCEDIDA. ………………………..”

No mesmo sentido:

“…………………………

EMENTA: MANDADO DE SEGURANÇA. COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO. QUEBRA DE SIGILO BANCÁRIO E FISCAL. FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO. PRECEDENTES. 1. Os poderes de investigação próprios das autoridades judiciárias de que as CPIs são constitucionalmente investidas (CF, artigo 58, § 3º) não são absolutos. Imprescindível a fundamentação dos atos que ordenam a quebra dos sigilos bancários, fiscais e telefônicos, visto que, assim como os atos judiciais são nulos se não fundamentados, assim também os das comissões parlamentares de inquérito.

2. A legitimidade da medida excepcional deve apoiar-se em fato concreto e causa provável, e não em meras conjecturas e generalidades insuficientes para ensejar a ruptura da intimidade das pessoas (CF, artigo 5º, X). Segurança concedida…………………” (MS 23960/DF, Pleno, Rel. Min. Maurício Corrêa, DJ 16.11.2001).

Como já verificado, o Requerimento nº 317/05 fundamenta-se em notícias veiculadas em matérias jornalísticas, sem sequer indicar um fato concreto que delimite o período de abrangência dessa medida extraordinária.

Assim, demonstrada a plausibilidade jurídica, defiro o pedido liminar e determino a “suspensão do ato que aprovou o Requerimento nº 317/05, cujo objeto é a ‘transferência dos sigilos fiscal, bancário e telefônico do presidente do Sebrae, senhor Paulo Okamoto’”.

Eventuais dados obtidos pela CPI em decorrência do cumprimento do Requerimento impugnado devem permanecer lacrados e sob custódia da CPI até ulterior decisão do STF.

Ressalto que deferi a liminar em face da motivação apresentada, que poderá ser reexaminada com a chegada das informações. Solicitem-nas.

Comunique-se.

Brasília, 27 de janeiro de 2006.

Ministro NELSON JOBIM

Presidente

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!