Fórmula de sucesso

Com fórmulas simples, juiz dá lição de como julgar com rapidez

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30 de janeiro de 2006, 9h23

Um processo que envolve 14 pessoas, entre elas seis italianos, acusadas de traficar brasileiras para se prostituírem na Europa, de lavagem de dinheiro, falsificação de documentos, entre outros delitos, teve a fase de instrução praticamente encerrada em pouco mais de dois meses. O feito, inimaginável para os padrões brasileiros, é do juiz federal Walter Nunes da Silva Junior, da 2ª Vara Criminal Federal de Natal.

Na última sexta-feira (27/1), quando terminou, no início da noite, a audiência de inquirição de duas testemunhas estrangeiras no processo 2005.84.010012-2, o juiz praticamente encerrou a fase de instrução, apesar de estarem envolvidos 14 réus e 20 testemunhas.

Na realidade, antes de receber as alegações finais das partes, ele ainda depende de uma precatória a ser cumprida em Goiânia, quando a última — e principal — testemunha do caso será ouvida. Mas isto deve ocorrer nos primeiros dez dias de fevereiro, durante suas férias acumuladas de dois meses, quando fará também sua campanha para a Presidência da Ajufe — Associação Nacional dos Juízes Federais. Assim, pelos seus cálculos, ao retornar à Vara em abril, o processo poderá receber sentença, sendo concluído na primeira instância em menos de seis meses.

Não chega a ser um recorde do juiz Walter Nunes, que aos 42 anos acumula a experiência de advogado (formado em 1986), promotor, procurador da República, juiz de direito e, há 14 anos, juiz federal. Nesta mesma Vara, ele tem outros casos de rapidez no andamento dos processos que contrastam com tudo o que se critica quanto à lerdeza do Judiciário Brasileiro.

Em 2002, por exemplo, entre o recebimento da denúncia (processo 2002.84.00008247-7) contra os réus Eduardo Antônio Palácio Montila e o menor C.M.C, pelo crime de tráfico internacional de drogas, e a sentença que condenou o primeiro a oito anos de cadeia e o segundo a seis anos, foram gastos exatos 38 dias. O processo foi autuado em 15 de outubro e a sentença é datada de 7 de novembro. Não foi uma exceção.

Há vários outros processos naquela Vara com tramitação incrivelmente rápida. Em outubro passado a Vara transformou-se em criminal. Hoje, ali tramitam 555 processos e outros 727 inquéritos. Mas ainda não foi feito um levantamento que permita dizer ao certo a média da demora destes feitos.

A rapidez nos trabalho é explicada pelo próprio juiz como resultado de uma preocupação básica: não deixar o processo muito tempo na secretaria da Vara. “Normalmente os autos ficam pouco tempo nas mãos do juiz e muito tempo na secretaria. O que fizemos foi racionalizar este tempo. É tudo uma questão de técnica gerencial”.

Esta racionalização o leva a, ao receber a denúncia, marcar as datas de todas as audiências de uma só vez, o que faz com que as intimações sejam feitas todas juntas, sem perda de tempo de citações e intimações. Assim, quando do interrogatório dos acusados, já se sabe quando serão os depoimentos das testemunhas, ainda que elas só venham a ser arroladas três dias depois, na entrega da defesa prévia.

Tecnologia na Justiça

Outra prática adotada por Walter Nunes é a de marcar um único dia para o depoimento de todas as testemunhas, mesmo nos casos volumosos, como do processo por tráfico de mulheres. Para poder fazer esta maratona de oitivas — 14 réus em um dia, 17 testemunhas em outro — o juiz aplica outra inovação na sua Vara: as gravações.

Através de um software adquirido a seu pedido pela Justiça Federal do Rio Grande do Norte, e com o auxílio de alguns microfones, todos os interrogatórios e depoimentos prestados em juízo são gravados no disco rígido do computador. A idéia da compra do software foi dele, mas a Justiça Federal disponibilizou-o para todas as Varas. Ainda assim, ele é o único a utilizá-lo. Sem as gravações, como admitem os próprios técnicos judiciários da 2ª Vara Federal, não seria possível realizar todos estes interrogatórios em um dia.

Para fazer a degravação dos depoimentos, que ainda não é possível eletronicamente, o juiz resolveu o problema com um comissionamento. Colocou um servidor para fazer a tarefa e deu-lhe um comissionamento na carreia. Há ocasiões, porém, em que recorre ao mutirão. Foi o que aconteceu no interrogatório dos 14 réus acusados do tráfico de mulheres. Ele contou com a ajuda de mais cinco servidores que lhes garantiram a total transcrição dos 14 depoimentos, em 150 laudas, em três dias de trabalho.

A audiência foi na quinta-feira, dia 1 de dezembro, e durou das 8h às 21h (a audiência das testemunhas foi mais rápida, acabou às 16h), mas já na segunda-feira, dia 5, o juiz tinha em mãos para revisar todas as 150 laudas. Mais ainda, dispunha do texto digitalizado o que lhe permite até repassá-lo a quem se interessar por meio eletrônico, sem a necessidade de cópias xerox.

A questão da degravação foi levada em conta na hora da compra do software. O próprio juiz fez uma pesquisa e encontrou uma outra opção que, segundo diz, é usada no Rio Grande do Sul: o processo de digitalização por estenotipia. Trata-se de um estenótipo (máquina dotada de teclas pára a transcrição estenográfica de palavras) acoplado ao computador, com um software que traduz a linguagem da estenotipia.

Walter Nunes, porém, concluiu que o equipamento era mais complicado, exigiria dos técnicos encarregados do serviço um curso de duração de seis meses e, ainda por cima, sujeitaria os servidores às mazelas da LER — Lesão por Esforço Repetitivo. “Não era recomendando até por questões de saúde”, explica. E acrescenta: “uma de nossas preocupações é humanizar o serviço”. Mas ele é daqueles que acreditam que em pouco tempo surgirá no mercado a solução para que a degravação seja feita pelo próprio computador. “É uma questão de tempo”, sentencia.

O juiz já tentou adotar nas suas audiências uma outra novidade tecnológica: a vídeo-conferência. Ele não esconde uma certa frustração por não ter conseguido utilizar mais esta engenhoca eletrônica moderna. Em ambos os casos, não foi por responsabilidade sua. A primeira tentativa se deu através de um pedido de cooperação internacional da Justiça holandesa para que fosse ouvido como testemunha Aiwan Mohamed Gavaar Gulzar, que se encontra preso em Natal cumprindo condenação por tráfico de drogas.

A própria juíza de Roterdã sugeriu a vídeo-conferência mas, apesar disto, a impossibilidade na realização foi provocada pela Justiça holandesa já que, para surpresa do juiz potiguar, o sistema de informática deles funciona com conexão de linhas discadas e não em banda larga, o que inviabilizaria a vídeo-conferência.

“Fiquei surpreso em ver que estamos muito mais adiantados que eles, inclusive no acompanhamento judicial, que lá não é feito como aqui”, confessa o juiz. Pensou-se em fazer a adaptação dos sistemas, mas acabou não sendo necessário por conta da recusa da testemunha em depor. Atendendo ao que preconiza a legislação holandesa, o juiz marcou duas audiências. Na primeira a testemunha é colocada a par do processo e questionada se quer testemunhar. Havendo a concordância, o depoimento é marcado para um novo dia. Neste caso específico o holandês se recusou a prestar o depoimento.

A segunda tentativa de uso da vídeo-conferência foi no processo dos italianos acusados do tráfico de mulheres. Como um dos réus arrolou duas testemunhas que estavam na Itália, o juiz no seu despacho em que determinou o pedido de cooperação internacional à Justiça italiana, previu a consulta sobre a possibilidade de se feita uma vídeo-conferência. No caso, o juiz italiano ouviria as testemunhas, em uma audiência transmitida ao vivo para o Brasil. Mas o interrogatório acabou sendo realizado sexta-feira, em Natal, onde as testemunhas estavam a passeio e concordaram em dar logo o testemunho.

O uso dos pedidos de cooperação internacional, com base na Convenção de Palermo da qual o Brasil é signatário, tem sido prática nas ações presididas pelo juiz Walter Nunes. Ele prefere esta cooperação às tradicionais Cartas Rogatórias, principalmente quando o caso envolve lavagem de dinheiro, crime sobre o qual se debruçou a Convenção de Palermo. Para ele, este tipo de cooperação tem tido mais agilidade nos trâmites judiciários internacionais.

O juiz potiguar também inovou no trato com os jornalistas. Nos casos de processos públicos ele não impede a presença de jornalistas, mesmo quando há necessidade de se manter segredo sobre quem depõe. Ao ouvir, por exemplo, testemunhas que a pedido do procurador não deveriam ter seus nomes divulgados, ele liberou a participação dos repórteres, impedindo apenas fotos e filmagens, mas recomendando que os nomes de tais testemunhas jamais fossem divulgados. Até hoje, as identidades destas testemunhas são mantidas em segredo.

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