Tribunal de Ética

Entrevista: Braz Martins Neto

Autor

29 de janeiro de 2006, 6h00

Braz Martins - por SpaccaDo rol de punições aplicadas pela OAB paulista a advogados que cometem faltas disciplinares, o delito mais comum é o de apropriar-se do dinheiro que pertence ao cliente.

A informação é do presidente do Tribunal de Ética da Seccional, Braz Martins Neto. No cargo desde 2004, ele começou como assessor no Tribunal em 1998 e passou à condição de juiz relator em 2001. Segundo Martins Neto, a prática de ficar com o dinheiro é mais usual na área trabalhista, em que se captam clientes, geralmente humildes, com promessas vãs, e, ao fim do processo, não pagam o que é devido ao cliente.

Apesar de serem 17 mil as representações em exame no TED, o universo de advogados representados é de apenas 3 mil profissionais. “Um só advogado chega a ter 60 acusações relatadas”, informa o dirigente da OAB-SP. “Parece que tem advogado que tem vocação para a infração”, diz. Felizmente esses são relativamente poucos, visto que em São Paulo militam 200 mil advogados.

Na opinião de Martins Neto, mais do que punir culpados, a missão do Tribunal de Ética consiste em defender a imagem do advogado. “Ao punir quem se desvia das regras de conduta estamos preervando a imagem do conjunto”, diz. Zelar pelos preceitos éticos da profissão é de fundamental importância já que a confiança é um pressuposto básico da relação do advogado com o cliente.

Braz Martins Neto se formou em 1973 pela faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Além da atividade na seccional paulista da OAB, como presidente do Tribunal de Ética Disciplina, milita no ramo da advocacia empresarial e é sócio de Martins Neto e Guerra Advogados Associados.

Nesta entrevista à Consultor Jurídico, — concedida aos jornalistas Adriana Aguiar, Maria Fernanda Erdely, Maurício Cardoso, Priscyla Costa e Rodrigo Haidar — Braz Martins Neto expõe o que pensa sobre ética, advocacia, Direito e Justiça. E sobre a imprensa: “Não existe tribunal mais perverso do que a imprensa. Reconheço a contribuição da imprensa para o Estado de Direito, mas a imprensa sempre transmite o esclarecimento com grau de julgamento e não de informação”, sentencia. Não deixa de ser uma questão de ética.

Leia a íntegra da entrevista:

ConJur — A missão do Tribunal de Ética é punir o advogado?

Braz Martins Neto — O Tribunal de Ética tem a missão de defender a imagem do advogado. Por isso deve punir aqueles que se desviam dessas regras de conduta para que a imagem do advogado seja preservada. A profissão do advogado é baseada na confiança, já que o cliente dá uma procuração para o profissional para que este possa agir em seu nome durante o processo. Essa confiança não está relacionada apenas com a capacidade do advogado, mas acima de tudo, e tão importante quanto, com a sua conduta. Para garantir a confiança entre o profissional e o advogado, a lei 8.906, que rege a profissão, estabelece um capítulo especifico sobre ética profissional, cuja infração constitui infração disciplinar.

ConJur — O Tribunal de Ética de São Paulo tem muito trabalho?

Braz Martins Neto — São Paulo é o estado da Federação que reúne o maior número de advogados. É o terceiro maior colégio de advogados do mundo. A nossa frente estão somente os Estados Unidos e a Índia. Nós temos hoje cerca de 200 mil advogados militando. E temos cerca de 17 mil processos contra advogados no Tribunal de Ética.

ConJur — Como funciona o Tribunal em São Paulo?

Braz Martins Neto — O Tribunal de Ética do Estado de São Paulo tem 16 turmas. Na capital são três turmas disciplinares e uma turma deontológica. As outras 12 turmas disciplinares ficam no interior, nas principais seccionais do estado de São Paulo.

Conjur — Qual a função da Turma Deontológica?

Braz Martins Neto — A Turma Deontológica se dedica exclusivamente a dar pareceres sobre casos hipotéticos com o objetivo de avaliar se a conduta proposta é ou não adequada. As outras 15 turmas disciplinares se dedicam efetivamente em julgar as reclamações. As três turmas da capital julgam pouco mais da metade de todos os processos disciplinares do Tribunal de Ética.

ConJur — São 17 mil processos em andamento para 200 mil advogados militantes no estado de São Paulo.

Braz Martins Neto — Exatamente. Não significa que existem 17 mil advogados infratores. Na verdade temos um universo de 3 mil advogados infratores. Desses 17 mil processos, uma parcela significativa vai para o arquivo. Isso não quer dizer que os advogados são corporativistas. É que realmente não há razões para dar andamento ao processo. Esses casos, geralmente, dizem respeito à expectativa do cliente que não foi correspondida, mas não tem relação com a conduta do advogado. Outros processos disciplinares que são arquivados são relacionados com a impaciência com a morosidade do Judiciário que o cliente atribui ao advogado. A maioria dessas questões se resolve mediante conciliação. Porém a maioria dos processos se resolve com censura, que pode ser convertida em advertência.


ConJur — O advogado com maior número de representações responde a quantos processos?

Braz Martins Neto — Os grandes campeões do Tribunal têm 60 processos. São quatro ou cinco advogados nessa situação. Depois mais seis ou sete que têm de 40 a 50 processos. E existem uns 200 que respondem de dez a 15 processos.

Conjur — Qual a diferença entre advertência e censura?

Braz Martins Neto — A advertência não se anota nos antecedentes do advogado. Ele fica em uma condição ainda de primariedade sob o ponto de vista disciplinar. A censura fica anotada e ele deixa de ser primário. Em caso de reincidência da censura ou em situações mais graves, aplica-se a suspensão, que pode ser de 30 dias a 12 meses. A suspensão é a pena aplicada em casos de falta de prestação de contas ao cliente. Isto ocorre com uma certa freqüência na Justiça do Trabalho.

ConJur — Quais são os motivos para um advogado ser excluído?

Braz Martins Neto — A hipótese mais comum é o advogado receber três condenações definitivas de suspensão. A outra possibilidade é a prática de crime infamante. Como essa definição não está tipificada na lei, a doutrina cuida de tipificar. São os casos de estelionato ou de associação ao crime. Nestas situações o advogado pode ser excluído sem que tenha advertências, censuras ou suspensões anteriores.

ConJur — É possível reverter a exclusão?

Braz Martins Neto — Não, o processo de exclusão não pode ser revertido, já que a pessoa deixou de ter a condição de advogado. Até a suspensão o advogado pode passar por um processo de reabilitação e voltar à condição de primariedade. A única forma de reverter a exclusão é por via judicial. Para isso, a pessoa terá de comprovar que houve falha no processo de exclusão. Em 2005 nós tivemos 13 advogados excluídos. Em 2004, 9. Pode parecer pouco, mas é um numero significativo, porque a pessoa deixa de poder advogar.

ConJur — O advogado que toma uma advertência costuma tomar outras advertências e outras suspensões ou geralmente ele aprende com a primeira sanção?

Braz Martins Neto — Existe advogado que tem vocação para a infração. O advogado que depois de 20 anos apresenta um problema merece atenção porque algum incidente ele sofreu. Olhar pelo advogado também é função do Tribunal. Às vezes, o Judiciário entra com representação contra um advogado que este está cumprindo seu papel. Nesses casos arquivamos, já que não seria o caso de submetê-lo a um processo disciplinar se já há um processo judicial. Mas isso só acontece em situações excepcionais porque senão acabamos com o devido processo legal antes mesmo dele começar.

ConJur — Quem reclama mais no Tribunal? O cliente do advogado ou o concorrente?

Braz Martins Neto — A maioria das reclamações é apresentada pelo cliente. Em segundo lugar vem o Judiciário, em terceiro os advogados, e na lanterna da situação, a própria OAB, quando toma conhecimento de fatos pela imprensa, de advogados associados ao crime, por exemplo.

ConJur — Existem muitos casos de advogados associados ao crime?

Braz Martins Neto — Não. O Tribunal recebe cerca de 8 mil representações por ano. No máximo dez, doze, quinze representações são sobre esse tema. Não é comum um advogado ser acusado de criminoso.

ConJur — Quantos processos disciplinares vão terminar em inquérito policial ou em ação penal?

Braz Martins Neto — Isto é raro, só em situações excepcionais, porque normalmente o processo disciplinar envolvendo questão criminal tem origem no processo criminal. A autoridade judiciária dá informações à OAB sobre a existência desse processo.

ConJur — Qual é a infração mais comum nos processos recebidos?

Braz Martins Neto — Prestação de contas. É a infração mais comum e contribui para deturpar a imagem do advogado. Geralmente as vítimas são pessoas humildes que também são captadas com irregularidades. São abordadas com aqueles folhetinhos nas ruas pelos chamados “paqueiros”, que ficam nas cercanias da Justiça do Trabalho “paquerando”, atraindo o cliente para ir a um determinado escritório de advocacia.

ConJur — Como o Tribunal reprime advogados que distribuem folhetos?

Braz Martins Neto — O Tribunal identifica o advogado e inicia um processo disciplinar contra ele. Começa com a censura, e na reincidência há a suspensão. Esse processo é uma evolução. Há uma graduação de penas que pode chegar até à exclusão do advogado. A legislação nos dá um grande poder que é o de suspender o advogado. Por isso mesmo, o Tribunal tem que observar o devido processo legal que compreende notificação, defesa, provas, alegações finais, julgamento e duas fases recursais. O processo disciplinar pode demorar de dois a três anos para ser concluído.


ConJur — É certo afirmar que o Tribunal de Ética fiscaliza a atividade profissional do advogado?

Braz Martins Neto — O ideal seria se o Tribunal de Ética pudesse mandar a Justiça do Trabalho fazer mutirão no sentido de colher os papeizinhos dos paqueiros e investigar os escritórios que fazem esse tipo de receptação. O Tribunal de Ética não tem poder de polícia, não pode fazer busca e apreensão em escritório. o juiz não vai dar um mandado para o Tribunal.

ConJur — A OAB é uma das poucas instituições que divulga a punição dos seus membros. Mesmo assim os advogados são taxados de corporativistas. A que o senhor atribui isso?

Braz Martins Neto — A afirmativa de que somos corporativistas é equivocada. É preciso ter base fática para dizer isso. O Tribunal não pode divulgar os processos disciplinares enquanto não forem julgados. A partir da condenação definitiva sobre a qual não caiba mais recurso, o Tribunal é obrigado a divulgar primeiro para a Justiça. Não temos casos de maior ou de menor expressão em que se verifique que um advogado ficou impune em razão de sua má conduta. O que existe é que a mídia divulga o escândalo no momento em que ele ocorre, mas não divulga com a mesma expressão no momento em que vem a punição.

ConJur — Quem é avisado quando o advogado é punido?

Braz Martins Neto — O Tribunal não vai aos jornais dizer que o advogado foi punido, mas vai ao juiz, ao Tribunal de Justiça e às subsecções.

ConJur — O site da OAB tem um serviço “consulte se o seu advogado está regular junto à OAB”. Consta nesse serviço se o advogado já teve alguma punição?

Braz Martins Neto — Não, só vai constar se ele é ativo ou inativo. Se ele é inativo é porque ele está com alguma pena de suspensão, ou porque foi excluído. Mas dá para saber se o advogado sofreu alguma censura através da retirada de uma certidão na OAB. A censura é dirigida ao advogado e não ao público, por isso não tem porque constar no site.

ConJur — A inadimplência com a OAB também é uma forma de infração?

Braz Martins Neto — A administração atual da OAB tem um grau de inadimplência muito grande, que vem se acumulando ao longo dos anos. O Tribunal de Ética V cuida exclusivamente de notificar os advogados para que eles apresentem defesa pela falta de pagamento da contribuição devida a OAB. Esse tema está sendo tratado com muito cuidado, porque muitos advogados ficam inadimplentes por que enfrentam dificuldades. Ao mesmo tempo, a OAB tem de estar vigilante para não premiar aqueles que são habitualmente mau pagadores.

ConJur — Não é inadequado considerar falta de ética o advogado não ter dinheiro?

Braz Martins Neto — Não é falta de ética deixar de pagar, mas é falta de ética não demonstrar o estado de necessidade. A OAB este ano isentou quase uma centena de advogados que demonstraram a situação difícil em que eles vivem.

ConJur — Qual é a punição para o advogado que está inadimplente com a OAB?

Braz Martins Neto — Suspensão.

ConJur — A Ordem não é um pouco rígida demais nesses casos? Houve uma decisão do STJ em que o advogado pagou a anuidade atrasada e o processo disciplinar continuou existindo.

Braz Martins Neto — Esse processo não deve ser de São Paulo. Não é a orientação do Tribunal de Ética de São Paulo, já que o processo deve ser extinto no momento em que o advogado paga a sua contribuição.

ConJur — Existem muitos advogados presos em São Paulo em função do exercício profissional?

Braz Martins Neto — São poucos, mas esse número não é preciso.

ConJur — A implantação dos Tribunais de Ética que ficam no interior de São Paulo mudou a dinâmica dessas cidades?

Braz Martins Neto — Mudou. Primeiro porque o cidadão comum, que está lá no interior, passa a ter uma idéia exata de que o Tribunal existe e é acessível a ele. Segundo porque melhora o trabalho dos advogados. Apesar de que no interior nós temos advogados que agem mais de acordo com o Código de Ética do que na capital. A incidência de infrações no interior é muito menor.

ConJur — Não há maior risco de corporativismo no interior, já que numa cidade de 100 mil habitantes é grande a chance de um advogado ter de julgar um colega ou conhecido?

Braz Martins Neto — Quando isso ocorre, os processos são revistos. Mas os Tribunais de Ética estão em centros regionais de cidades com 300, 400 mil habitantes como Bauru, Ribeirão Preto, Campinas, São José do Rio Preto.

ConJur — Como funciona o Tribunal de Ética no resto do Brasil?

Braz Martins Neto — A incidência de advogados que infringem o Código de Ética é menor. Talvez pelo menor número de advogados ou porque São Paulo é um ambiente socialmente conturbado. A exclusão social leva a um estado que exige maior intervenção dos advogados e certamente os excluídos não têm acesso a advogados com a melhor formação. Não significa que os advogados que agem em defesa dos excluídos não sejam bem formados. Significa que advogados com uma estrutura de trabalho precária estão mais sujeitos a desvios de conduta.


ConJur — É considerado falta de ética cobrar abaixo da tabela?

Braz Martins Neto — É falta de ética o advogado que cobra abaixo do preço de maneira generalizada, com o visível propósito de captar cliente. Mas o advogado pode diminuir o preço para atender à necessidade de um cliente. Ele só precisa demonstrar que o cliente não tem condições financeiras para cumprir a tabela.

ConJur — O Código de Ética dos Advogados pune, por exemplo, advogado que dá entrevista sobre determinado caso; também pune a veiculação de propaganda. Apesar disso vemos entrevista e propaganda de advogado a toda hora. O senhor acha que o Código precisa ser atualizado ou os advogados precisam entrar na linha?

Braz Martins Neto — Nem uma coisa nem outra. Na questão da publicidade, é pouco clara a fronteira entre o que é esclarecimento e o que é propaganda. Quando vejo um advogado prestando esclarecimentos na mídia, procuro verificar — estou falando como advogado, não como presidente do Tribunal — se ele está divulgando fato desautorizado pelo cliente. Esse é o primeiro ponto. O segundo aspecto é saber até onde a divulgação tem a finalidade de defender o cliente. Quando um advogado fala em defesa do seu cliente, ele está exercendo um papel adequado. Mas não é razoável ver advogados que se propõem a prestar assistência ao público em programas de televisão ou em rádio. Essa não é a função do advogado, mas dos institutos de defesa, do Ministério Público. O advogado tem que atuar na defesa do seu cliente no caso concreto e não na orientação ao público.

Conjur — Como a questão da publicidade deve ser tratada?

Braz Martins Neto — Deve ser tratada segundo as diretrizes do Código de Ética. Não deve ter a função de atrair o cliente, mas apenas de identificar o advogado que atua, as áreas de especialidade dele. Mas não pode servir para captar cliente com promessas.

ConJur — Como as noções de ética podem ser adaptadas aos novos conceitos de marketing?

Braz Martins Neto — Eu costumo dizer que marketing e advocacia são duas expressões que não devem ser usadas no mesmo espaço. Porque a função do marketing é desenvolver o negócio e a atividade da advocacia não trabalha sobre essas premissas. A atividade da advocacia é voltada para a defesa do interesse de um cliente em um ambiente que não tem nada de mercantil, nada de comercial. É o exercício de uma profissão liberal onde o cliente procura o advogado baseado no principio de que vai depositar nele a confiança, seja pela qualidade do trabalho dele ou pela sua conduta.

ConJur — Não há marketing mesmo quando os advogados se organizam em grandes corporações como os grandes escritórios?

Braz Martins Neto — Os grandes escritórios de advogados têm conduta absolutamente adequada aos princípios éticos. A presença desses grandes escritórios se dá na imprensa especializada, não na imprensa dirigida ao público, em trabalhos de formação de advogados, em apresentação e orientação aos clientes. Esses grandes escritórios têm hoje o seu negócio baseado em uma clientela já formada, e não em clientes a serem captados. É claro que existem situações em que há alguns desvios de conduta, mas não nos tradicionais escritórios, aqueles que realmente representam a advocacia de qualidade, de tradição.

ConJur — Como o advogado capta cliente sem contrariar o Código de Ética?

Braz Martins Neto — A captação da clientela é exatamente como se passou comigo. Não me lembro uma única vez de ter feito qualquer publicidade. Não sou conhecido na mídia a não ser agora um pouco mais em função da missão que eu tenho na OAB. Tenho escritório de advocacia e presto serviço para aproximadamente 50 empresas sempre na área de assessoria jurídica e nunca recorri a qualquer expediente para crescer e captar clientes. Os clientes vão chegando em função do trabalho que desenvolvo. Não existe melhor publicidade do que o seu cliente.

ConJur — Quando atende a um criminoso, quais são os limites do envolvimento do advogado com o cliente?

Braz Martins Neto — Há um sentimento equivocado de que o advogado foi contratado para defender o crime e não o criminoso. É principio constitucional que alguém para ser condenado tem que enfrentar o devido processo legal. Há presunção de inocência enquanto não se der uma sentença definitiva. Na área criminal, se o réu não tem advogado, o Estado é obrigado a nomear um advogado para ele. Então, não temos porque entender que o advogado criminalista está a serviço do crime. De forma nenhuma. Ele está a serviço de um principio constitucional que é o sagrado direito de defesa.

Conjur — O advogado pode mentir?

Braz Martins Neto — O advogado tem que ter a sua habilidade na defesa. A versão do réu deve ser admitida pelo advogado. A primeira verdade é a do cliente, a segunda é do acusador ou da defesa quando há situação de oposição, a terceira é da prova e a quarta é da sentença. O advogado tem que trabalhar com esse ambiente de verdades e saber conduzi-la de maneira adequada e oportuna. O advogado deve defender o cliente, senão exerceria a função de juiz.


ConJur — Qual a importância do sigilo profissional?

Braz Martins Neto — O sigilo é um principio esculpido na nossa lei e o advogado tem que tratar isso com todo rigor. Ele só pode violar o sigilo em duas circunstâncias: em defesa da própria honra ou quando existe risco para alguém. Ele não deve abrir mão desse sigilo mesmo quando autorizado pelo cliente, porque o cliente não conhece inteiramente os efeitos do ato. A lei dá ao advogado a prerrogativa de omitir a informação, inclusive em juízo, ainda que liberado pelo cliente.

ConJur — Como o senhor acompanhou a questão dos advogados que estão atuando nas CPIs?

Braz Martins Neto — Existem diversos “tribunais” no Brasil, como a imprensa, o tribunal político, e o Poder Judiciário, que é o grande Tribunal em quem deposito toda minha serenidade. Tudo o que eu assisto nas CPIs, deixo para o segundo tempo. Aquele é o primeiro tempo, é o jogo que não começou. O jogo só vai começar no momento em que os acusados sofrerem o devido processo legal com todo direito de defesa. O cidadão fica ali acuado sem direito. O advogado fica assistindo, não pode intervir nem colocar ordem na casa sob pena de sair preso, numa medida de natureza eminentemente política. O processo começa realmente a partir do momento em que CPI termina com o seu relatório e manda para o Ministério Público que toma as atitudes em razão dos ilícitos apurados.

ConJur — O espetáculo das CPIs tem alguma utilidade?

Braz Martins Neto — Tem.As CPIs, muitas vezes, parecem mais uma tribuna à caça de votos. Tem cidadão ali que não faz pergunta, mas fica dez minutos consumindo o seu precioso tempo fazendo alusões para conquistar seu eleitorado. Mas as CPIs tem um poder imenso de investigação. Tem um poder intimidatório que conquanto iniba a defesa, revela o fato. É muito interessante.

ConJur — Segundo um pesquisa recente da AMB, 37% dos juizes acreditam que os advogados não tem ética. E 59% acham que a OAB não fiscaliza adequadamente a atividade profissional do advogado. O que o senhor acha disso?

Braz Martins Neto — Eu faço uma leitura diferente: que 63% acreditam que o advogado tem ética. Ou seja, mais de dois terços dos juizes aprovam a conduta dos advogados. Sobre a intervenção da OAB, quem faz essa afirmativa é porque não conhece como a Ordem está estruturada para isso. A partir do momento que a OAB julga 4 mil processos, aplica mais de mil suspensões e mais de mil censuras e exclui treze advogados em um ano, significa que ela está cumprindo com o seu papel. Cada dia eu recebo em média 40 processos disciplinares novos. É bem verdade que as nossas dificuldades são bem menores do que as enfrentadas pelos juizes, onde um processo demora em média sete, oito anos para ser julgado. A OAB julga em dois a três anos. Isso não me conforta, mas mostra que estamos cumprindo o nosso papel.

ConJur — Cabe processo disciplinar contra atos de advogados que exercem profissão pública, como o ministro da Justiça Marcio Thomaz Bastos?

Braz Martins Neto — A função pública de um agente político não pode de forma nenhuma ser confundida com o exercício da profissão de advogado. O ministro Marcio Thomaz Bastos hoje é um agente político, ou seja, ele está no exercício de uma função em que responde por um Ministério não está exercendo a advocacia. Por isso não pode responder pelo Código de Ética dos advogados. Não estou informando se ele sofreu qualquer manifestação no Tribunal de Ética. Mas se houver reclamações no sentido de pretender censurar o Ministro por conduta no Ministério da Justiça não há porque ser conhecido pelo Tribunal. Hoje, ele não atua como advogado, ele atua como ministro de Estado.

ConJur — Isso se aplica a outros advogados na vida pública?

Braz Martins Neto — A todo e qualquer agente político ou público. A Constituição é claríssima no artigo 37, parágrafo 6º de que uma pessoa no exercício de uma função pública ou na condição de servidor deve responder por uma falha nesta condição, e não em outra.

ConJur — A imprensa revelou espanto ao registrar a cena em que um advogado cumprimenta de forma efusiva um ministro do Supremo antes julgamento. O senhor acha que as relações dos advogados com os juízes têm que ser amistosas? Isso não interfere no processo?

Braz Martins Neto — As relações entre advogado e juiz têm que ser exatamente no termo que dispõe a nossa lei: de respeito. Não existe hierarquia. O fato de um advogado cumprimentar um juiz é um ato de educação. Às vezes as coisas se distorcem, fica um sentimento de festividade, de cumplicidade. Quando faço sustentações orais sou cumprimentado até de maneira muito prestigiada pelos desembargadores. Estou com 55 anos, tem uns 40, 50 desembargadores que me conhecem pessoalmente. Isso não significa que na hora de julgar, eles não vão se dirigir ao advogado e cumprimentá-lo. Isso faz parte até do convívio.

ConJur — O senhor disse que o papel do advogado é defender. Como o senhor se sente quando assume o papel de juiz, ainda mais para julgar os seus colegas?

Braz Martins Neto — Eu me sinto bem, não pelo poder, mas pela responsabilidade de julgar, porque eu tenho 32 anos de experiência. Sempre procurei trilhar a minha conduta dentro dos princípios ditados pelo Código de Ética. Enfrentei má conduta de colegas no exercício da advocacia e sempre lidei bem com isso.

ConJur — O senhor acha que o jornalista tem que guardar o mesmo sigilo que o Tribunal de Ética em relação a uma representação contra um advogado?

Braz Martins Neto — Sim, porque o sigilo não deve ser só do advogado, mas de todos. Existem duas razões para que o processo que corre em segredo de Justiça permaneça nessa situação. Uma delas é não atrapalhar a investigação. E a segunda é preservar a honra das pessoas, porque em um processo, as diversas versões vêm a tona e vai prevalecer a versão da sentença. Então, não há porque revelar os fatos que são tratados de maneira sigilosa se aquilo poderá resultar na crueldade de submeter o cidadão comum a uma exposição que passa a ser uma pena mais cruel que a própria pena do processo.

ConJur — O interesse público não pode justificar a quebra do sigilo?

Braz Martins Neto — Nas questões criminais sim, mas nas questões de família, não. Imagina uma discussão sobre uma investigação de paternidade, onde o processo contém toda privacidade das pessoas na sua intimidade.

ConJur — Um advogado pode ter no máximo cinco ações em outro estado, senão precisa pedir uma inscrição suplementar. Existem muitas pessoas que fazem o exame da OAB no Acre, que teve quase 100% de aprovação, e depois pedem inscrição suplementar no estado em que vivem, mas onde foram reprovadas?

Braz Martins Neto — Não, em, São Paulo são cerca de cinco ou seis casos por ano. O setor de inscrição tem estado muito atento para esse tipo de burla.

ConJur — Tem fiscalização?

Braz Martins Neto — Tem. Inclusive para pedir inscrição suplementar, a pessoa deve provar a residência na origem. E quando se instaura um procedimento de averiguação, acabam checando que se tratou de uma burla.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!