Bebê jurídico

Embrião também tem direitos jurídicos desde a fecundação

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25 de janeiro de 2006, 18h59

Torna-se cada vez mais freqüente no Brasil a busca de indenização por dano moral. A prática indenizatória, baseada na experiência do direito norte-americano, tem sofrido grandes mudanças, principalmente com o advento do Código de Defesa do Consumidor e a responsabilidade civil objetiva, que se trata da responsabilização, em alguns casos, do agente do dano, ainda que não se consiga comprovar que este agiu com vontade de produzir o dano na vítima.

O assunto é ainda mais complexo quando envolve matérias de grande importância, como a do nascituro, principalmente em decorrência da assombrosa evolução científica, a modelo dos procedimentos médicos e do desenvolvimento da genética. Como exemplo, pode-se citar o direito do nascituro, que pode sofrer danos, tanto no processo de desenvolvimento no útero materno quanto no parto. Importante, então, o conhecimento do correto procedimento jurídico a ser adotado, tanto na produção de leis pelo Poder Legislativo quanto na sua aplicação pelos juízes, advogados, Ministério Público e, principalmente, pelos pais ou pelo próprio lesado.

Por disposições constitucionais, é reconhecido o direito à vida do embrião desde a concepção e, por isto, proibido o aborto. O atual Código Penal apenas afasta a ilicitude nos casos de aborto necessário — quando é a única forma de salvar a vida da mãe — ou humanitário — este se a gravidez é decorrente de estupro. Outro importante aspecto que vem ocasionando controvérsias, inclusive no Supremo Tribunal Federal, é a legalização do aborto nos casos de anencefalia (bebês que nascem sem a correta formação do cérebro e que têm sobrevida de pequeno lapso de tempo).

Diversas decisões dos nossos tribunais têm declarado que a ausência de lei expressa a amparar os casos de anencefalia não significa que não possa o Judiciário, em face do caso concreto e comprovada a excepcionalidade, antecipar o parto. Esse entendimento tem sido fundamentado em princípios do Direito, que são reconhecidos como estando acima da lei (supra-legais), como a previsão constitucional de proteção da dignidade da pessoa (gestante).

Os defensores dessa corrente afirmam que a natureza dotou a mulher de capacidade de preservação da espécie por meio do parto, e que não seria justo submetê-la a meses de sofrimento e verdadeiro desgaste emocional para, ao final, conviver com o filho por não mais que algumas horas. Assim, diagnosticada a anencefalia do feto e constatada a irreversibilidade da situação, nada mais lógico do que antecipar o parto, livrando a mãe do sofrimento desnecessário.

Outra prática constatada nos Estados Unidos é o chamado aborto de nascimento parcial (partial birth abortion). Nessa técnica, utilizada nos últimos meses de gravidez, é praticado um parto intravaginal parcial do feto vivo, seguido de uma aspiração do conteúdo cerebral antes de completar o parto. Entre as finalidades, destaca-se a do uso da medula espinhal do feto para atenuar a leucemia, a utilização em transplantes de células fetais produtoras de insulina e, ainda, a utilização da placenta como cosmético em busca do rejuvenescimento.

Tais condutas transformam o nascituro em objeto, ou seja, um meio para alcançar um fim de conteúdo econômico, ferindo sua dignidade como pessoa humana. Este comportamento não se trata, então, apenas de uma grave agressão à ética e aos direitos do nascituro, mas sim um verdadeiro crime hediondo.

Na vida intra-uterina, até mesmo em caso de fertilização assistida in vitro, dever-se-á ter o mais absoluto respeito pela vida e integridade física e mental dos embriões ou dos nascituros, sendo suscetível de indenização por dano moral qualquer lesão que venham a sofrer, tais como deformações, traumatismo, toxiinfecções e intoxicações. É de extrema importância o conhecimento dos pais, libertos de qualquer intenção mercadológica, sobre os direitos do nascituro e o acesso ao Poder Judiciário nos casos lesão a esses direitos.

A negligência médica, como por exemplo, ausência de vacinação, transfusão indevida de sangue, transmissão de doenças, omissões em terapias gênicas, medicação inadequada ministrada à gestante, radiações, etc., pode ser citada como principal fator gerador de indenização por erro médico/hospitalar. Além disso, outras causas podem justificá-la, como o atropelamento ou acidente de trânsito sofrido pela mãe.

As lesões causadas ao futuro filho geram um imensurável sofrimento aos pais, daí porque o reconhecimento do dano moral. Os tribunais têm entendido que além do dano causado pela dor e sofrimento, há o dano pela perda de uma possibilidade dos pais de, algum dia, contar com o auxílio pessoal e econômico do filho.

Com o diagnóstico pré-natal, o qual possibilita acompanhamento regular do desenvolvimento do embrião, prevendo e até corrigindo defeitos de formação antes do nascimento, resta inadmissível a ocorrência de qualquer dano oriundo de negligência, sem a responsabilização civil médica e hospitalar. Dentre as técnicas empregadas, podemos citar: ressonância magnética, amniocentese, amnioscopia, fetoscopia, alfafetoproteína, ultra-sonografia, cordocentese, cirugias intra-uterinas, eritroblastose fetal, etc.

No entanto, o agir dos médicos com imperícia, imprudência ou negligência tem aplicação na espécie o parágrafo 4º, do artigo 14, da Lei 9.078/90, que de forma expressa define: “A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação da culpa. Trata-se de responsabilidade subjetiva.”

Cabe anotar, ainda, que a responsabilidade dos hospitais, a partir da vigência da Lei 8.078/90, passou a ser objetiva. Os estabelecimentos hospitalares são fornecedores de serviços, devendo, assim, responder, independente de culpa, pelo serviço defeituoso prestado ou posto à disposição do consumidor.

Tal responsabilidade é somente afastada quando comprovada a culpa exclusiva do hospital ou de terceiro, ex vi do artigo 14, parágrafo 3º do Código de Defesa do Consumidor. Caso o médico atendente seja funcionário contratado pelo hospital ou clínica, caberá contra a casa de saúde a responsabilização de forma objetiva, com base no mesmo código, afastando, nestes casos, a necessidade de comprovar a culpa subjetiva do médico.

Não diferente, a própria gestante poderá ser responsabilizada pela malformação congênita em casos de consumo de fumo, tóxicos, alcoolismo, uso de abortivos, recusa de ingerir medicamentos ou de se submeter a uma intervenção cirúrgica ou médica para preservar a saúde ou integridade física do nascituro.

O nascituro tem direito ao pai ou à paternidade certa, à identidade genética no caso de fertilização assistida, à indenização por morte de seu pai pela dor de nunca tê-lo conhecido, a alimentos para uma adequada assistência pré-natal, à imagem (que pode ela ser captada por ultra-sonografia e demais equipamento e utilizada e publicada sem autorização de seus pais), à honra se sofrer imputação de bastardia, etc.

Deve ser observado que o nascituro tem capacidade de direito, mas não de exercício, devendo seus interesses ser conduzidos pelos pais ou responsáveis. A jurisprudência brasileira e em outros países tem sustentado, inclusive, o direito da criança de movimentar a máquina judiciária pra obter indenização por dano pré-natal contra o causador do dano, seja este sua mãe, pai, médico, hospital ou terceiros.

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