Combate ao ódio

Livros anti-semitas são apreendidos em editora em São Paulo

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18 de janeiro de 2006, 16h47

O Ministério Público de São Paulo fez, nesta terça-feira (17/1), uma operação de busca e apreensão em uma editora acusada da prática de neonazismo. Foram apreendidos 1.680 exemplares do livro Os Protocolos dos Sábios do Sião, da Editora Centauro.

O pedido de busca do MP paulista foi motivado por representação da Federação Israelita do Estado de São Paulo, assinada pelos advogados Alex Leon Ades e Octávio José Aronis. A operação foi comandada 4ª Delegacia de Delitos Praticados por Meios Eletrônicos da capital paulista e pelo promotor Roberto Porto.

Representando a federação, os advogados requereram a busca e apreensão e a instauração de inquérito policial, no dia 15 de dezembro passado, junto à Procuradoria-Geral do Estado.

O procedimento foi encaminhado à 4ª Delegacia de Delitos Praticados por Meios Eletrônicos e foi instaurado o Inquérito Policial 24/06. Em seguida, foi feita a diligência de busca. “Vale destacar, a rapidez e eficiência das autoridades, demonstrando claramente, que não permitirão a disseminação do anti-semitismo, bem como, de qualquer tipo de discriminação racial em nosso país”, disse Ades.

O texto de Os Protocolos dos Sábios do Sião é apócrifo e aceito mundialmente como anti-semita. Acredita-se que o livro — forjado pelas autoridades czaristas da Rússia — foi um dos motivadores das perseguições e massacres ao povo judeu ao longo do século 20. Adolf Hitler usou os Protocolos para ajudar a justificar sua tentativa de exterminar judeus durante a Segunda Guerra Mundial.

“Este livro só interessa a neonazistas. É uma obra de ficção feita contra os judeus, é uma mentira bárbara”, disse Ben Abraham, jornalista e historiador, autor de 15 livros, sobrevivente do campo de concentração de Auschwitz e vice-presidente mundial da Sherit Hapleita, a associação mundial das vítimas do nazismo.

Leia o pedido da Federação Israelita

EXCELENTÍSSIMO SR. DR. PROCURADOR GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

A FEDERAÇÃO ISRAELITA DO ESTADO DE SÃO PAULO, com sede na Rua Dos Pinheiros, 498, 5º andar – Cep 05422-000 – Pinheiros – São Paulo- SP, inscrita no C.N.P.J sob nº 60.553.096/0001-47, neste ato representada pelos advogados Alex Leon Ades E OCTÁVIO JOSÉ ARONIS, inscritos na Ordem dos Advogados do Brasil-secção São Paulo, respectivamente sob os nºs 96.940 e 70.929 , vem, à presença de V.Sa, para expor e requerer o quanto segue:

Chegou ao conhecimento desta entidade que a Editora Centauro, com sede na Travessa Roberto Santa Rosa, 30 – Freguesia do Ó – cep 02804-010- São Paulo, vem editando e comercializando o livro intitulado “OS PROTOCOLOS DOS SABIOS DO SIÃO”, texto original completo, conforme se depreende da simples visualização de seu respectivo site (www.centauroeditora.com.br), bem como da página impressa que ora junta. Tanto é assim, que foi adquirida referida publicação junto à livraria Book Lovers – Amalivros Livraria Ltda, situada à Rua Augusta 2633-Lj.23-Jd.América, no dia 07 de novembro o ano em curso, conforme comprova a anexa nota fiscal de compra, bem como, exemplar da publicação propriamente dita. Referido livro está sendo impresso pela Gráfica Expressão e Arte, localizada na Rua Valdemar Martins, 926- Casa Verde.

A edição, publicação e comercialização do título ganha relevância jurídico penal, em vista do caráter discriminatório e racial de seu conteúdo, já que o art. 20, caput, da Lei nº 7.716, de 5 de março de 1989, com a redação que lhe foi dada pela Lei nº 8.081/90,dispõe: “Praticar, induzir ou incitar, pelos meios de comunicação social ou por publicação de qualquer natureza, a discriminação ou preconceito de raça, cor, religião, etnia ou procedência nacional: pena de reclusão de dois a cinco anos”.

Convém inicialmente transcrever, trechos contidos no referido livro: “ Os povos cristãos serão um dia levados a tal desespero que reclamarão um super governo universal emanado dos judeus. Guerras particulares e um conflito mundial que Israel saberá desencadear apressarão seu reinado. A autocracia judaica substituirá o liberalismo dos estados cristãos” … “Para os judeus, o único direito é a força … Todas as religiões serão abolidas, salvo a de Moisés… Para mostrar seu poder, os judeus esmagarão e escravizarão pelo assassínio e o terrorismo cada um dos povos da Europa (Os Protocolos dos Sábios de Sião,texto original completo, traduzido por Paulo Ferreira Leite, pág 13).


O texto conhecido como “Os Protocolos dos Sábios de Sião” são uma falsificação criada na Rússia pela Okhrana (polícia secreta), que culpava os judeus pelas mazelas do país. Foi impressa pela primeira vez privativamente em 1897, e tornada pública em 1905. Foi copiada de uma novela do século 19 escrita por Hermann Goedsche (Biarritz, 1868) e alega que uma conspiração judaica planejaria assumir o controle do mundo.

A história básica foi composta por Goedsche, novelista e anti-semita alemão, que usava o pseudônimo de Sir John Retcliffe. Goedsche roubou a história principal de outro escritor, Maurice Joly, cujos Diálogos no Inferno Entre Maquiavel e Montesquieu (1864) tratavam de um complô no inferno com o objetivo de se opor a Napoleão III. O que Goedsche contribui de original consiste primordialmente na introdução dos judeus como conspiradores para conquistar o mundo.

Os russos usaram grandes trechos de uma tradução para o russo da novela de Goedsche, publicaram-nos separadamente como os Protocolos e alegaram ser os textos autênticos. Seu propósito era político: fortalecer a posição do czar Nicolau II expondo seus opositores como aliados dos que faziam parte de uma conspiração maciça para dominar o mundo. Assim, os Protocolos são uma falsificação de uma ficção plagiada.

Os Protocolos foram denunciados como fraude por Lucien Wolf em The Jewish Bogey and the Forged Protocols of the Learned Elders of Zion (London: Press Committee of the Jewish Board of Deputies, 1920). Em 1921, Philip Graves, correspondente do London Times, tornou pública a falsificação. Herman Bernstein em The Truth About "The Protocols of Zion": A Complete Exposure (1935) também tentou e fracassou na tentativa de convencer o mundo da fraude.

Os Protocolos foram publicados em 1920 num jornal de Michigan fundado por Henry Ford com a missão principal de atacar judeus e comunistas. Mesmo após ter sido denunciado como falso, o jornal de Ford continuou a citar o documento.

Adolf Hitler usou os Protocolos para ajudar a justificar sua tentativa de exterminar judeus durante a Segunda Guerra:

"Em que medida a existência desse povo é baseada numa mentira contínua é demonstrado incomparavelmente pelos Protocolos dos Sábios de Sião…." —Adolf Hitler, Mein Kampf

A farsa dos Protocolos continua a enganar pessoas e ainda é citada por certos indivíduos e grupos como a causa de todos os males.

Em suma, o texto descrito como “Protocolos dos Sábios do Sião” é apócrifo, e aceito mundialmente como anti-semita, pois apenas incita ao ódio contra o povo judeu, considerando-o como inimigo do mundo e manipulador do planeta.

Historicamente, se sabe, este pequeno livro forjado pelas autoridades czaristas da Rússia foi a rampa de lançamento para perseguições e massacres ao longo do século 20. A péssima conclusão é que a idéia “conspirativa”, que transformou Os Protocolos dos Sábios do Sião em best-seller, continua à solta, pois bastam abrir os jornais do mundo para se ter notícias de sinagogas destruídas, cemitérios judaicos vandalizados, e outras ações violentas praticadas contra o povo judaico pelos anti-semitas, e basta ler o livro para entender o caráter altamente discriminatório desta obra.


No Brasil, referido título já foi objeto de denúncia junto à justiça de Porto Alegre, descansando a imputação no fato de o acusado, Sr. Siegfried Ellwangler, na qualidade de escritor e sócio dirigente da Revisão Editora Ltda, com sede em Porto Alegre, de forma reiterada e sistemática, ter editado e distribuído ao público, mediante venda, obras de autores nacionais e estrangeiros que “abordam e sustentam mensagens anti-semitas, racistas e discriminatórias, procurando incitar e induzir a discriminação racial, semeando em seus leitores sentimentos de ódio, desprezo e preconceito contra o povo de origem judaica” (fl. 2). De acordo com a denúncia, os livros de sua responsabilidade, em termos de edição, distribuição e comercialização, são as seguintes: O Judeu Internacional, de Henry Ford, 2ª reedição, 1989; A História Secreta do Brasil, de Gustavo Barroso, 1ª reedição, 1990; Protocolos dos Sábios de Sião, apostilado por Gustavo Barroso, 4ª reedição, 1989; Brasil Colônia de Banqueiros, de Gustavo Barroso, 1ª reedição; Hitler – Culpado ou Inocente, de Sérgio Oliveira, 2ª edição, 1990; Os Conquistadores do Mundo – Os Verdadeiros Criminosos de Guerra, de Louis Marschalko, 3ª edição. Obra de sua autoria, sob o pseudônimo S.E. Castan: Holocausto Judeu ou Alemão? – Nos Bastidores da Mentira do Século, com mais de vinte e nove edições. A peça reproduz vários trechos destas obras que expressam as mensagens anti-semitas, racistas e discriminatórias imputadas.

O réu foi absolvido em primeira instância. A juíza Bernadete Coutinho Friedrich, substituta da oitava Vara Criminal de Porto Alegre, proferiu sua sentença em 14 de julho de 1995, decidindo pela improcedência da denúncia. No seu entender, a atividade do réu não passava de mero exercício do Direito Constitucional de Liberdade de Expressão, sendo que o acusado apenas havia manifestado sua opinião sobre fatos históricos sob um ângulo diverso da maioria.Provendo o recurso, o Superior Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul não interpretou o caso da mesma maneira. Julgando a apelação criminal, sua terceira Câmara Criminal condenou o editor a dois anos de prisão, com suspensão da pena e prestação de serviços comunitários por quatro anos. O beneficio da suspensão da pena foi concedido pelo fato de Ellwanger ser réu primário.Provendo novamente o recurso, o Supremo Tribunal Federal manteve a condenação proferida em 2º instância após julgamento realizado em março de 2001.Em face da impossibilidade de se contestar a decisão da Corte Suprema, a defesa partiu para uma argumentação que visava extinguir a punibilidade do caso. Os advogados do editor de livros impetraram habeas-corpus no Superior Tribunal de Justiça, com pedido para mudar os termos da condenação proferida pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, trocando a acusação de racismo por práticas discriminatórias, uma vez que os judeus não configuram uma raça. (1)Dessa maneira, o crime não seria inafiançável e imprescritível como disposto na Constituição Federal:"Art.5º.XLII. A prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei;Art.5º.XLI. A lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais;"O réu estaria em condições de requerer extinção da pena porque o crime cometido seria disciplinado pelas regras de prescrição elencadas nos artigos 109 e 110 do Código Penal Brasileiro (Decreto lei nº 2848, de 27de dezembro de 1940).O pedido foi denegado pelo Superior Tribunal de Justiça. Por força de um novo recurso, o habeas-corpus foi submetido ao Supremo Tribunal Federal, onde a maioria dos Ministros votaram pelo indeferimento do pedido. Sabe-se que a Constituição Federal define o crime de racismo como inafiançável e imprescritível sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei (art. 5º, XLII).

O Supremo Tribunal Federal enfrentou essa questão em julgamento histórico, considerado o mais polêmico na história recente do Tribunal, em que se discutia se a publicação de obra discriminatória em relação aos judeus se enquadrava no conceito constitucional de “racismo”, tendo como relator o Ministro Moreira Alves. O Ministério Público manifestou-se pelo provimento da Apelação interposta pela assistência de acusação, em brilhante parecer que ora requer a juntada.


Inicialmente, o relator, Ministro Moreira Alves, em 12 de dezembro de 2002, defendeu a tese de que “os judeus não podem ser considerados como raça”, e, por isso, não se poderia qualificar o crime por discriminação, pelo qual foi condenado Siegfried Ellwanger, como delito de racismo, imprescritível. O ministro entendeu que o crime de racismo não alcança toda e qualquer forma de preconceito ou discriminação, devendo merecer interpretação estrita. Assim, em seu voto, concedia o Habeas Corpus, declarando extinta a punibilidade do acusado, pois já teria ocorrido a prescrição do crime.

Em seguida, o Ministro Maurício Corrêa divergiu do relator, sob o argumento de que o conceito de racismo é mais amplo do que a definição dos tipos raciais (brancos, negros, índios, etc.), bem assim que a genética baniu de vez o conceito tradicional de raça e que a divisão dos seres humanos em raças decorre de um processo político-social originado da intolerância dos homens. Para Maurício Corrêa, a Constituição coíbe atos desse tipo, “mesmo porque as teorias anti-semitas propagadas nos livros editados pelo acusado disseminam idéias que, se executadas, constituirão risco para a pacífica convivência dos judeus no país”.

Maurício Correa citou a Declaração Universal dos Direitos Humanos que qualifica como discriminação racial qualquer distinção, exclusão, restrição ou preferências baseadas em raça, cor, descendência ou origem nacional ou étnica. “Seja porquê o conceito de raça não pode resumir-se à semelhança de características físicas, devendo ser adotada em suas mais diversas formas, seja porquê – como é notória – a doutrina nazista defendida e incentivada pelas publicações, não só reputa aos judeus uma raça, como baseia todo o seu segregacionismo nessa convicção”, afirmou. Também condena a incitação às práticas discriminatórias que “se inspirem em idéias e teorias baseadas na superioridade de uma raça ou de um grupo de pessoas de uma certa cor ou de uma certa origem étnica que pretendem justificar ou encorajar qualquer forma de ódio e discriminação raciais”.

Maurício Corrêa sustentou, ainda, que a subscrição do Brasil a diversos tratados internacionais sobre a garantia dos direitos humanos inspirou a Constituição Federal de 1988 que cuida do tema no artigo 4º, inciso VIII, ao definir como um dos princípios da política brasileira o repúdio ao racismo e ao terrorismo.

O Ministro Celso Mello acompanhou a dissidência, classificando de “grave” a questão que o STF foi chamado a apreciar, tendo em vista marcos históricos que demonstram “a preocupante atualidade do tema”. Ele recordou que há exatos 70 anos, o Partido Nacional Socialista ascendeu ao poder na Alemanha, com a queda da República de Weimar, instituindo um regime “de opressão e desrespeito ao gênero humano.”

“Só existe uma raça, a espécie humana”, afirmou Celso de Mello, enfatizando que nem os judeus, nem os índios ou negros podem ser considerados raças. Acrescentou, ainda, que o anti-semitismo é um tipo de racismo paradoxal, porque baseado em diferenças imaginárias. Para os nazistas, continuou o ministro, não bastava que eles se convertessem ao cristianismo para deixarem de ser judeus, pois seria uma característica indelével. Essa depreciação forneceu argumentos para os atos cometidos durante o regime nazista alemão contra o povo judeu”.

Celso de Mello afirmou, ainda, que "aquele que ofende a dignidade de qualquer ser humano, especialmente quando movido por razões de cunho racista, ofende a dignidade de todos e de cada um”.


O Ministro Gilmar Mendes também negou a ordem de Habeas Corpus, por entender que “o racismo configura conceito histórico e cultural assente em referências supostamente raciais, aqui incluído o anti-semitismo”. Para Mendes, “não se pode atribuir primazia à liberdade de expressão, no contexto de uma sociedade pluralista, em face de valores outros como os da igualdade e da dignidade humana; por isso o texto constitucional erigiu o racismo como crime inafiançável e imprescritível”.

O Ministro Carlos Velloso também indeferiu o Habeas Corpus, por acreditar que o anti-semitismo é uma forma de racismo. Segundo o ministro, nos livros publicados por Ellwanger, os judeus são percebidos como raça, porque há pontos em que se fala em “inclinação racial e parasitária dos judeus”, o que configuraria uma conduta racista, vedada pela Constituição Federal.

O Ministro Nelson Jobim julgou que Ellwanger não editou os livros por motivos históricos, mas como instrumentos para produzir o anti-semitismo. Para ele, esse é um “caso típico” de fomentação do racismo.

Em seu voto, a ministra Ellen Gracie trouxe a definição de raça presente na Enciclopédia Judaica, na qual “a concepção de que a humanidade está dividida em raças diferentes encontra-se de maneira vaga e imprecisa na Bíblia, onde, no entanto, como já acentuavam os rabinos, a unidade essencial de todas as raças é sugerida na narrativa da criação e da origem comum de todos os homens”.

O Ministro Cezar Peluso seguiu a maioria e votou pela denegação do Habeas Corpus, afirmando “A discriminação é uma perversão moral, que põe em risco os fundamentos de uma sociedade livre”.

O Ministro Carlos Ayres Britto entendeu não haver justa causa para instauração de Ação Penal contra Ellwanger. Em seu voto, Britto absolvia, então, o réu, por atipicidade do crime, porque a lei que tipificou o crime de racismo por meio de comunicação foi promulgafa depois de Ellwanger ter cometido o delito.

O Ministro Sepúlveda Pertence optou por negar o Habeas Corpus ao editor gaúcho. Para o ministro, “a discussão me convenceu de que o livro pode ser instrumento da prática de racismo. Eu não posso entender isso como tentativa subjetivamente séria de revisão histórica de coisa nenhuma”.

Assim, marcada por muita discussão e divergência de opiniões, o pedido de habeas corpus para o editor e escritor Sigfried Ellwanger (HC 82424), acusado de crime de racismo por fazer apologia de idéias anti-semitas contra judeus em seus livros e em outras obras publicadas por ele, foi negado, por entender a maioria dos ministros (sete votos a três) que a prática de racismo, conforme delineada na Constituição Federal de 1988, abrange a discriminação contra os judeus.

A Ementa do acórdão restou assim redigida (HC 82.424/RS, Relator p/ acórdão Min. Maurício Correa):

“EMENTA: HABEAS-CORPUS. PUBLICAÇÃO DE LIVROS: ANTI-SEMITISMO. RACISMO. CRIME IMPRESCRI-TÍVEL. CONCEITUAÇÃO. ABRANGÊNCIA CONSTITUCIONAL. LIBERDADE DE EXPRESSÃO. LIMITES. ORDEM DENEGADA.

1. Escrever, editar, divulgar e comerciar livros “fazendo apologia de idéias preconceituosas e discriminatórias” contra a comunidade judaica (Lei 7716/89, artigo 20, na redação dada pela Lei 8081/90) constitui crime de racismo sujeito às cláusulas de inafiançabilidade e imprescritibilidade (CF, artigo 5º, XLII).


2. Aplicação do princípio da prescritibilidade geral dos crimes: se os judeus não são uma raça, segue-se que contra eles não pode haver discriminação capaz de ensejar a exceção constitucional de imprescritibilidade. Inconsistência da premissa.

3. Raça humana. Subdivisão. Inexistência. Com a definição e o mapeamento do genoma humano, cientificamente não existem distinções entre os homens, seja pela segmentação da pele, formato dos olhos, altura, pêlos ou por quaisquer outras características físicas, visto que todos se qualificam como espécie humana. Não há diferenças biológicas entre os seres humanos. Na essência são todos iguais.

4. Raça e racismo. A divisão dos seres humanos em raças resulta de um processo de conteúdo meramente político-social. Desse pressuposto origina-se o racismo que, por sua vez, gera a discriminação e o preconceito segregacionista.

5. Fundamento do núcleo do pensamento do nacional-socialismo de que os judeus e os arianos formam raças distintas. Os primeiros seriam raça inferior, nefasta e infecta, características suficientes para justificar a segregação e o extermínio: inconciabilidade com os padrões éticos e morais definidos na Carta Política do Brasil e do mundo contemporâneo, sob os quais se ergue e se harmoniza o estado democrático. Estigmas que por si só evidenciam crime de racismo. Concepção atentatória dos princípios nos quais se erige e se organiza a sociedade humana, baseada na respeitabilidade e dignidade do ser humano e de sua pacífica convivência no meio social. Condutas e evocações aéticas e imorais que implicam repulsiva ação estatal por se revestirem de densa intolerabilidade, de sorte a afrontar o ordenamento infraconstitucional e constitucional do País.

6. Adesão do Brasil a tratados e acordos multilaterais, que energicamente repudiam quaisquer discriminações raciais, aí compreendidas as distinções entre os homens por restrições ou preferências oriundas de raça, cor, credo, descendência ou origem nacional ou étnica, inspiradas na pretensa superioridade de um povo sobre outro, de que são exemplos a xenofobia, “negrofobia”, “islamafobia” e o anti-semitismo.

7. A Constituição Federal de 1988 impôs aos agentes de delitos dessa natureza, pela gravidade e repulsividade da ofensa, a cláusula de imprescritibilidade, para que fique, ad perpetuam rei memoriam, verberado o repúdio e a abjeção da sociedade nacional à sua prática.

8. Racismo. Abrangência. Compatibilização dos conceitos etimológicos, etnológicos, sociológicos, antropológicos ou biológicos, de modo a construir a definição jurídico-constitucional do termo. Interpretação teleológica e sistêmica da Constituição Federal, conjugando fatores e circunstâncias históricas, políticas e sociais que regeram sua formação e aplicação, a fim de obter-se o real sentido e alcance da norma.

9. Direito comparado. A exemplo do Brasil as legislações de países organizados sob a égide do estado moderno de direito democrático igualmente adotam em seu ordenamento legal punições para delitos que estimulem e propaguem segregação racial. Manifestações da Suprema Corte Norte-Americana, da Câmara dos Lordes da Inglaterra e da Corte de Apelação da Califórnia nos Estados Unidos que consagraram entendimento que aplicam sanções àqueles que transgridem as regras de boa convivência social com grupos humanos que simbolizem a prática de racismo.

10. A edição e publicação de obras escritas veiculando idéias anti-semitas, que buscam resgatar e dar credibilidade à concepção racial definida pelo regime nazista, negadoras e subversoras de fatos históricos incontroversos como o holocausto, consubstanciadas na pretensa inferioridade e desqualificação do povo judeu, equivalem à incitação ao discrímen com acentuado conteúdo racista, reforçadas pelas conseqüências históricas dos atos em que se baseiam.


11. Explícita conduta do agente responsável pelo agravo revelador de manifesto dolo, baseada na equivocada premissa de que os judeus não só são uma raça, mas, mais do que isso, um segmento racial atávica e geneticamente menor e pernicioso.

12. Discriminação que, no caso, se evidencia como deliberada e dirigida especificamente aos judeus, que configura ato ilícito de prática de racismo, com as conseqüências gravosas que o acompanham.

13. Liberdade de expressão. Garantia constitucional que não se tem como absoluta. Limites morais e jurídicos. O direito à livre expressão não pode abrigar, em sua abrangência, manifestações de conteúdo imoral que implicam ilicitude penal.

14. As liberdades públicas não são incondicionais, por isso devem ser exercidas de maneira harmônica, observados os limites definidos na própria Constituição Federal (CF, artigo 5º, § 2º, primeira parte). O preceito fundamental de liberdade de expressão não consagra o “direito à incitação ao racismo”, dado que um direito individual não pode constituir-se em salvaguarda de condutas ilícitas, como sucede com os delitos contra a honra. Prevalência dos princípios da dignidade da pessoa humana e da igualdade jurídica.

15. “Existe um nexo estreito entre a imprescritibilidade, este tempo jurídico que se escoa sem encontrar termo, e a memória, apelo do passado à disposição dos vivos, triunfo da lembrança sobre o esquecimento”. No estado de direito democrático devem ser intransigentemente respeitados os princípios que garantem a prevalência dos direitos humanos. Jamais podem se apagar da memória dos povos que se pretendam justos os atos repulsivos do passado que permitiram e incentivaram o ódio entre iguais por motivos raciais de torpeza inominável.

16. A ausência de prescrição nos crimes de racismo justifica-se como alerta grave para as gerações de hoje e de amanhã, para que se impeça a reinstauração de velhos e ultrapassados conceitos que a consciência jurídica e histórica não mais admitem. Ordem denegada.”

Do exposto, é a presente para requerer seja determinada a Busca e Apreensão dos exemplares do livro intitulado Os Protocolos dos Sábios do Sião junto à Editora Centauro, à Livraria anteriormente mencionada, bem como perante à gráfica em que o livro está sendo impresso, tudo em conformidade com o que dispõe o artigo 20 , parágrafo 3º, inciso I, da lei 7.719/89.

De outra parte, requer, ainda, seja determinada a instauração de inquérito policial para apuração dos fatos narrados, determinando-se que a Editora informe para quais clientes efetuou a venda do título, para oportuna busca e apreensão e demais providências cabíveis.

Termos em que,

P. Deferimento.

São Paulo, ­­­15 de dezembro de 2005

ALEX LEON ADES OCTÁVIO JOSÉ ARONIS

OAB/SP 96.940 OAB/SP 70.929

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