Razões preventivas

MP pede prisão de Suzane Richthofen e dos irmãos Cravinhos

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17 de janeiro de 2006, 16h24

O Ministério Público de São Paulo entrou hoje no 1º Tribunal do Júri da Capital com pedido de prisão preventiva de Suzane Richthofen e dos irmãos Daniel e Christian Cravinhos. Os três, réus confessos do assassinato dos pais de Suzane, aguardam julgamento em liberdade em virtude de Habeas Corpus concedidos pelo Superior Tribunal de Justiça.

O promotor de Justiça Roberto Tardelli, fundamenta o pedido de prisão preventiva com base em afirmações feitas pelos irmãos Cravinhos em entrevista à Rádio Jovem Pan, nesta segunda-feira, na qual teriam relatado com frieza detalhes sórdidos do crime. No caso de Suzane, o promotor alega que, desde que foi posta em liberdade, “em sentido processual, está foragida. Em termos crus, Suzane fugiu.”

De acordo com o pedido do Ministério Público, depois de contar com detalhes como preparou e executou os pais de sua então namorada, Daniel Cravinhos “exibe-se aos milhões de ouvintes, apresentando-se como pessoa metódica, detalhista, paciente, que não se deixa levar por impulsos, exibindo galhardamente um cartão de visitas, que faz dele um homicida cuidadoso, científico e de mortal eficiência.”

Sobre Christian, o promotor afirma que “revela não sentir remorso algum, não há em sua canhestra exibição, uma nesga sequer de arrependimento. Nada. O tempo em que permaneceu encarcerado parece não lhe ter corrido e age com a normalidade de quem cumpriu uma tarefa burocrática em socorro de seu irmão”.

O representante do Ministério Público, inconformado com a exibição da dupla de acusados no que classifica de “festim midiático”, pede a prisão dos dois irmãos “que não se mostram dignos da liberdade que lhes deu o Egrégio Superior Tribunal de Justiça”.

Para pedir a prisão de Suzane von Richthofen, o promotor brande argumento oposto ao show de publicidade dos Cravinhos: o completo desaparecimento da acusada desde que deixou a prisão: “longe de tudo e de todos, Suzane vai se transformando, com seu completo e absoluto desaparecimento, pouco a pouco, em uma lenda viva. Depois de anunciar, como uma estrela de cinema, uma coletiva, quando saía da prisão, nunca mais se deu a ver”. E acrescenta: “houvesse que ser intimada hoje por Vossa Excelência, não se teria meios de fazê-lo, porque se desconhece seu paradeiro”.

Para o promotor “decretar-se sua prisão é, pelas mesmas razões que atingem os co-réus, uma medida de terapêutica processual, além de colocar-se a Justiça ao encontro da equidade”.

Crime sem castigo

O engenheiro Manfred Albert Richthofen, 49 anos, e sua mulher Marísia von Richthofen, 50, foram assassinados a pauladas, em sua própria casa, enquanto dormiam, na madrugada de 31 de outubro de 2002. A polícia logo chegou aos autores do crime: os irmãos Daniel e Christian Cravinhos, que executaram um plano arquitetado pela filha do casal Suzane von Richthofen. O motivo do crime seria a suposta oposição dos pais ao namoro de Suzane com Daniel.

Preso, Christian confessou o crime e acusou os cúmplices. Os três tiveram decretada a prisão preventiva.

Em junho do ano passado, o STJ acatou pedido de Habeas Corpus e concedeu liberdade provisória a Suzane. O ministro Nilson Naves, acolheu o argumento do advogado Antonio Cláudio Mariz, de que não havia fatos e motivos suficientes a justificar a ordem de prisão e sua manutenção apenas pela aceitação da pronúncia. O entendimento foi acompanhado pelos ministros Paulo Gallotti e Paulo Medina. Os ministros Hamilton Carvalhido e Helio Quaglia Barbosa foram vencidos.

Em seguida, a defesa dos irmãos Cravinhos pediu a extensão dos efeitos do Habeas Corpus concedido a Suzane. Novamente o STJ acolheu o pedido com a mesma argumentação: falta de fundamendo para a manutenção da prisão dos réus.

Se havia motivo para contrariedade com a aparente impunidade dos réus confessos do duplo homicídio, o ministro Paulo Galotti tratou de destacá-lo: “apesar de já terem sido pronunciados, ainda não há data marcada para julgamento dos acusados no Tribunal do Júri.”. Esta situação não mudou até o momento.

Leia o pedido do Ministério Público

EXMO. SR DR. JUIZ DE DIREITO PRESIDENTE DO EGRÉGIO I TRIBUNAL DO JÚRI DA CAPITAL

Proc. nº 4352/2002

O Representante do Ministério Público, desta signatário, nos autos em que figuram como réus DANIEL CRAVINHOS E OUTROS, vem à presença de V. Exa. para expor e, ao final, requerer o quanto segue:

No dia de ontem, repercutiu com forte intensidade uma entrevista dada à Rádio Jovem Pan, de audiência de massa, pelos acusados Daniel e Cristian Cravinhos. Os principais jornais impressos que hoje circulam repetem a notícia da forma estrepitosa que a ela imaginaram os acusados. De fazer derrubar das nuvens o mais cético dos mortais, admitem entre cândidos e orgulhosos, detalhes até hoje desconhecidos do crime. Com tranqüilidade, Daniel relata que, dois meses antes do bárbaro assassinato, ele e sua parceira Suzane, já acalentavam planos de eliminar o casal, chegando a efetuar disparos de ensaio com a arma de propriedade de Manfred, suficientes a fazerem com que desistissem do uso de arma de fogo – poderia chamar a atenção de vizinhos – fazendo-os em busca de meio mais seguro e discreto, o que efetivamente encontraram. Nesses dois meses de tão macabra pesquisa, mantiveram normalmente o convívio familiar e não alteraram a rotina. Tudo seguia seu rumo, inclusive a busca pelo meio mais eficiente e silencioso de matar. Dizendo-o nas entrelinhas de sua entrevista, Daniel parece orgulhar-se de seu talento para dissimular sua intenção homicida.

Ao fazê-lo, Daniel exibe-se aos milhões de ouvintes, apresentando-se como pessoa metódica, detalhista, paciente, que não se deixa levar por impulsos, exibindo galhardamente um cartão de visitas, que faz dele um homicida cuidadoso, científico e de mortal eficiência. Toda essa exibição, a tornar-nos reféns de todas as incoerências, com os prazeres da vida em liberdade.

Orgulhoso, mordaz, trouxe um rosário de friezas que desafio encontrar-se parecido nesta vara do júri, a maior do país. Solto, debocha; livre, torna-nos todos espectadores de sua minudência, de seu caprichoso talhe, de seu figurino cuidadoso e detalhista.

Mas, seu próprio orgulho deixa a todos nítido seu sentimento, não de desprezo pela lei, mas de superioridade à lei, pouco se dando ao mínimo recato que se espera de um assassino confesso.

Seu orgulho, sua imodéstia, sua soberba são evidências claras que há um predador a se esconder atrás de si, que, pacientemente, sabe esperar a hora de agir e que se especializou em agir quando ninguém mais esperaria que o fizesse. Se isso não representar risco à ordem pública, dificilmente teremos outro exemplo mais gritante a dar.

Deflui dessa demonstração de força e de inegável dom de matar que não é a lei que o preocupa, não é a punição ou a perspectiva de punição que o abala. Deixa a todos posto na mesa que não se curvará à lei.

Com menos talento, é certo, mas com fidelidade canina, Cristian divide o desfrute com irmão e participa do happening midiático. Brande, argumenta, procura quebrar ainda mais todos os limites de tolerância à lealdade processual e atira lama na memória de quem matou barbaramente. Revela não sentir remorso algum, não há em sua canhestra exibição, uma nesga sequer de arrependimento. Nada. O tempo em que permaneceu encarcerado parece não lhe ter corrido e age com a normalidade de quem cumpriu uma tarefa burocrática em socorro de seu irmão.

Impressiona pelo desapego ao fato central: parece justificar e justificar-se dos homicídios que cometeu. Não deu nenhuma sombra de dúvida de que não se curvará à ação da Justiça.

É de se clamar aos céus que a permanência de ambos em liberdade agride o senso de Justiça do mais liberal operador do direito; deixá-los à solta é escarnecer de milhares de criminosos presos, que não tiveram a ousadia e o despudor dos acusados. É de expor-nos, todos, ao riso e à chacota social, é desmerecer a Justiça, que só poderá existir se respeitada for e se der a se respeitar.

É fazer de idiotas acríticos todos aqueles que militam na Justiça Criminal, é nivelar por baixo todo o garantismo, desmoralizando-o e expondo-o a ataques que, no final, poderão representar retrocesso na construção de uma sociedade justa, fraterna e igualitária, para a qual se constitui em ferramenta essencial.

O festim midiático reclama um final à altura da desabrida desfaçatez dos acusados, que não se mostram dignos da liberdade que lhes deu o Egrégio Superior Tribunal de Justiça.

Mantê-los em liberdade não é liberalismo, mas liberticídio.

Longe de tudo e de todos, Suzane vai se transformando, com seu completo e absoluto desaparecimento, pouco a pouco, em uma lenda viva. Depois de anunciar, como uma estrela de cinema, uma coletiva, quando saía da prisão, nunca mais se deu a ver.

A acusada tem plena ciência de que responde a processo-crime, em que é acusada de crime hediondo e tem como ônus processual comparecer sempre que chamada pelo Juiz de Direito. O dado curioso é que, houvesse que ser intimada hoje por Vossa Excelência, não se teria meios de fazê-lo, porque se desconhece seu paradeiro. Já vão meses desde o dia em que foi solta e, desde então, não há nos autos notícia de onde pode ser encontrada. Apenas à guisa de exemplo, não haverá como intimá-la do libelo, cuja intimação é sabidamente pessoal.

A impressão que fica é de uma situação de fuga. Sim, seja porque deixa evidente que não pretende dizer onde está e onde pode ser intimada, seja porque não desvelou nenhuma atitude nesse sentido, é efetivamente certo que a acusada Suzane é, atualmente, foragida da Justiça, quiçá até como seus parceiros de crime, por desprezá-la.

Deveras, já deixou certo que não se dobrará à ação da lei.

Ademais, é preciso que se reconheça: se Daniel é ator talentoso, se Cristian é um coadjuvante fiel, Suzane é genial na arte da dissimulação, porque, nos meses em que ficaram à procura do meio mais letal e discreto, Suzanne posava de boa filha, dessas que fazem orgulhosos os pais: boa aluna, cursando Direito, dava-se a passeios com a mãe em shoppings, onde com ela almoçava e saía a compras, ao mesmo tempo em que, silenciosamente, com seu namorado, buscava a maneira mais letal de matá-la e a seu próprio pai. Meses. Perfeita, sua mãe nada percebeu, seu pai nada percebeu, seu irmão nada percebeu, seus amigos nada perceberam. Ninguém a imaginava robotizada.

O raciocínio que deve prevalecer, agora que em liberdade, é o de que Suzane não trocou seu encarceramento público por um privado e secreto; não faria sentido trocar a prisão processual, em que teria direitos estatuídos em lei, onde desenvolvia atividades laborterápicas e onde possuía chance de relacionar com outras pessoas, por um encarceramento pessoal, secreto e sombrio. Solitário.

Não, quem exibiu a genial dissimulação, quem pretendia levar uma vida solta e farta, quem, por meses, enganou a todos, quem manipulou impiedosamente o irmão, quem conseguiu manter-se acolhida por aqueles cujas mortes tramava, quem se aparece à sociedade sensual e em prantos no enterro dos pais que ajudara a matar, não está a punir-se, a flagelar-se. Não.

Meses decorridos de sua libertação, Suzane, ao menos, em sentido processual, está foragida. Em termos crus, Suzane fugiu.

Decretar-se sua prisão é, pelas mesmas razões que atingem os co-réus, uma medida de terapêutica processual, além de colocar-se a Justiça ao encontro da equidade.

Penso que, ressalvadas as DD Defensorias e o corporativismo mais fundamentalista, são mais que evidentes as circunstâncias ensejadoras de juízo de probabilidade, que apontam estar a instrução penal em risco, a aplicação da lei penal ameaçada e a ordem pública violada, razão por que presentes os requisitos dos arts. 312 e seguintes do CPP.

Bem por isso, requeiro sejam decretadas as prisões preventivas dos acusados DANIEL CRAVINHOS DE PAULA E SILVA, CRISTIAN CRAVINHOS DE PAULA E SILVA e SUZANE LOUISE VON RICHTHOFEN, expedindo-se os respectivos mandados de prisão.

Termos em que

Peço Deferimento.

São Paulo, 17 de janeiro de 2006

Roberto Tardelli

14º Promotor de Justiça do 1º Tribunal do Júri da Capital

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