Falso e sem fundo

Banco é condenado por não conferir assinatura em cheque

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16 de janeiro de 2006, 14h07

Instituição financeira que encaminha cheque à compensação, sem checar assinatura, tem de indenizar o correntista pelos aborrecimentos sofridos. Com este entendimento, a 19ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul condenou o HSBC a reparar os danos morais de dois correntistas em 70 salários mínimos.

Segundo o relator, desembargador Mário José Gomes Pereira, a ocorrência de dano moral “não necessita de prova, pois é presumido, face a circunstância do caso. Como singelo exemplo, angústia não se prova”.

Os correntistas entraram com ação de reparação por danos morais porque o banco recebeu cheques roubados e falisificados, não conferiu as assinaturas e, posteriormente, devolveu os cheques por falta de fundos. O mesmo erro foi cometido seis vezes. O HSBC alegou que o fato não poderia ser visto como dano moral, porque devolveu os cheques sem inserir os nomes dos clientes nos órgãos de restrição ao crédito.

O desembargador Mário José Gomes Pereira não acolheu os argumentos. Considerou que “as assinaturas simplesmente não conferem; é evidente que o cheque foi firmado por terceiro. A divergência é clara, grosseira e constatável. Sendo responsabilidade do agente, na forma do Código de Defesa do Consumidor”.

O relator afirmou que é dever de todo agente bancário conferir a correção das assinaturas em cheques apresentados para pagamentos, conforme o artigo 41 da Lei 7.357/85. Acompanharam o voto do relator o juiz convocado Luiz Roberto Imperatore de Assis Brasil e o desembargador Guinter Spode.

Processo 7001257314-3

Leia a íntegra da decisão

SERVIÇO BANCÁRIO. FALHA. DANOS MORAIS.

Age modo ilícito o Banco que não confere a assinatura lançada em cheques – furtados – de todo divergente daquela do correntista, e os encaminha à compensação, devolvendo-os por falta de fundos. O registro em banco de dados de consumo daí derivado é abusivo.

Responsabilidade do fornecedora que, ademais, é objetiva, na forma do CDC.

Atos que causam danos morais, ressarcíveis. Desnecessidade de prova ou reflexo material do dano que se dá na esfera íntima da parte. Cunho subjetivo e imaterial do que se pretende reparar. Indenização em cerca de 70 s.m. razoável em face das circunstâncias do caso concreto; verba que não se considera elevada e atende às exigências de punição e desmotivação do ofensor (didaticidade).

Apelo IMPROVIDO.

APELAÇÃO CÍVEL: DÉCIMA NONA CÂMARA CÍVEL

Nº 70012573143: COMARCA DE PORTO ALEGRE

HSBC BANK BRASIL S A – BANCO MULTIPLO: APELANTE

JAN VINICIUS CARCUCHINSKI OLYMPIO: APELADO

VANTER ROCHO: APELADO

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.

Acordam os Magistrados integrantes da Décima Nona Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em improver o recurso.

Custas na forma da lei.

Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes Senhores DES. GUINTHER SPODE (PRESIDENTE) E DR. LUIZ ROBERTO IMPERATORE DE ASSIS BRASIL.

Porto Alegre, 13 de setembro de 2005.

DES. MÁRIO JOSÉ GOMES PEREIRA,

Relator.

RELATÓRIO

DES. MÁRIO JOSÉ GOMES PEREIRA (RELATOR)

Trata-se de apelação interposta por HSBC BANK BRASIL S/A, nos autos da ação declaratória de nulidade de títulos, que lhe ajuízam JAN VINICIUS CARCUCHINSKI OLYMPIO e VALTER ROCHO, hostilizando a sentença (fls. 132/137) que acolheu o pedido inicial.

Em razões de apelo, o banco-recorrente sustenta que a hipótese não comporta reparação por danos morais, em face da devolução de cheques do autor, sem provisão de fundos, e, por conseguinte, a respectiva inscrição do seu nome nos órgãos de proteção ao crédito. O apelante aduz que não obrou em conduta ilícita, conforme define o art. 186 do CCB. Além disso, assevera que o autor não logrou cumprir com o art. 333, I, do CPC, mormente no que condiz com o alegado furto dos cheques. Assim, requer a reforma da sentença (fls. 139/154).

O recurso foi regularmente recebido (fl. 157).

Vieram as contra-razões. Os apelados asseveram que a assinatura lançada nos cheques devolvidos, por falta de fundos, não guarda similitude com a assinatura dos autores. Outrossim, sinalam que detinham conta corrente que exigia a assinatura conjunta dos correntistas-recorridos, o que sopesa a incúria da instituição bancária e a indevida inscrição nos órgãos protetivos ao crédito. Conclui pela manutenção da sentença (fls. 159/167).

É o relatório.

VOTOS

DES. MÁRIO JOSÉ GOMES PEREIRA (RELATOR)

Nega-se provimento ao apelo.

A sentença foi bem lançada. Como dito, “agiu o Banco […] de manera extremamente negligente ao não registrar corretamente a devolução do cheque” (fl. 135). O apelante, inegavelmente, não procedeu a qualquer conferência nas assinaturas lançadas nas cártulas (furtadas, aliás) e procedeu à devolução por falta de fundos.


Não colhe. Verifica-se que as firmas apostas sequer assemelham-se àquelas dos correntistas. Observem-se os documentos de fls. 107 a 111. As assinaturas simplesmente não conferem; é evidente que o cheque foi firmado por terceiro. A divergência é clara, grosseira, constatável primu ictu oculi.

Há, portanto, notável incúria por parte do Banco requerido. Ainda que assim não fosse, é de se sinalar que a responsabilidade do agente, na forma do CDC, 14, é objetiva, ou seja, independe da – aqui inquestionável – negligência com que se houve.

Nestes termos esta Corte – Apelação Cível n.º 70004975504, da Décima Câmara Cível do TJRGS, Rel. Des. Paulo Antônio Kretzmann:

RESPONSABILIDADE CIVIL. CHEQUE FALSIFICADO. OCORRÊNCIA POLICIAL ENTREGUE NA AGÊNCIA BANCÁRIA. ATO DO PREPOSTO. COMPENSAÇÃO BANCÁRIA. RECONHECIMENTO VISÍVEL DA INAUTENTICIDADE DA ASSINATURA. NEXO CAUSAL CONFIGURADO. INDENIZAÇÃO. CRITÉRIOS DE FIXAÇÃO. 1 – Ação que visa reparação por dano moral em virtude da compensação de cheque que não fora emitido pelo correntista e que apresentava visível divergência entre a assinatura lançada na cártula e aquela do titular da conta, denotando a falsificação ictu oculi.

2 – Ocorrência policial noticiando o furto do talonário, que restou entregue a preposto do banco, que não providenciou as medidas pertinentes. Nexo causal configurado. Ato do preposto. O banco tem o dever de conferir a assinatura do cliente lançada no cheque. Inautenticidade da assinatura visível a olho nu, comparando-se-a com aquela do cartão de conferência.

3 – Indenização. Montante. Valor da indenização. Critérios de fixação da indenização. O valor da indenização pelo dano moral não constitui instrumento de enriquecimento da parte lesada, senão que tem o condão de propiciar retribuição pelo malefício causado ao ofendido, além de constituir sanção e alerta ao ofensor, para que não mais repita o ato ilícito. Nesse caso, correto apresenta-se o montante indenizatório fixado em sentença. Improveram o apelo”.

(grifamos)

Sabe-se que o agente bancário tem o dever de conferir a correção das assinaturas em cheque apresentado para pagamento, devendo, for o caso, pedir explicações, consoante exige o artigo 41 da Lei nº 7.357/85. Somente pode-se levar a cártula à compensação após verificar-se acerca da autenticidade da assinatura constante na cártula.

Ainda esta Corte, em hipótese similar (AC 70008354615):

RESPONSABILIDADE CIVIL. SENTENÇA EXTRA PETITA. REDUÇÃO DO COMANDO AOS LIMITES DA INICIAL. POSSIBILIDADE. Reduz-se o comando sentencial na parte em que foi extra petita, observados os pedidos formulados pela parte autora na petição inicial. Precedentes do TJRGS. CHEQUES FURTADOS. ASSINATURA FALSA. ERRO GROSSEIRO. DEVOLUÇÃO POR INSUFICIÊNCIA DE FUNDOS E COMPENSAÇÃO. RESPONSABILIDADE DO BANCO. DANO MORAL CONFIGURADO. Age com culpa a instituição bancária que, sem verificar a autenticidade da assinatura da correntista, grosseiramente falsificada, devolve, por insuficiência de fundos, cheque que havia sido furtado, em duas oportunidades, levando à inclusão do nome da consumidora em cadastros restritivos do crédito, além de compensar outro dos cheques furtados, sem comprovar o alegado ressarcimento. Súmula 28 do STF. Aplicação do CDC ao caso concreto. Supressão de parte do comando sentencial, de ofício. Apelação do réu prejudicada. Apelação da autora provida.

(grifamos).

Do agir ilícito do Banco derivam danos morais, ressarcíveis.

No ponto, a tese recursal carece de solidez (item ‘IV’ da apelação). Não se fala em ‘prova’ material de dano que não possui tal natureza.

Cuidando-se de danos pessoais subjetivos, não há falar-se em reflexos patrimoniais. Não cabe perquirir-se de prejuízo financeiro ou qualquer reflexo exterior do dano ocorrido. Não se fala em ‘prova’ dos danos já que estes, de cunho interior, psicológicos, prescindem de comprovação externa. Na terminologia cartesiana, danos morais referem-se a res cogitans e, destarte, não tem necessariamente ligação com a res extensa. Provado o ato, e sua ‘autoria’, como na espécie – o Banco errou, no caso, ao sustar cheque modo indevido – o dano psicológico é presumido.

Com RAMON DANIEL PIZARRO (Daño moral, p. 47), é o dano moral “uma modificação desvaliosa do espírito, no desenvolvimento de sua capacidade de entender, querer ou sentir, conseqüência de uma lesão a um interesse não patrimonial, que haverá de traduzir-se em um modo de estar diferente daquele ao que se encontrava antes do fato, como conseqüências deste e animicamente prejudicial”.

E neste diapasão ensina SÉRGIO SEVERO (Os danos extrapatrimoniais. SP, Saraiva, 1996, p. 43), que “dano extrapatrimonial é a lesão de interesse sem expressão econômica, em contraposição ao dano patrimonial, não justificando-se a busca de uma definição substancial, uma vez que tal concepção constituir-se-ia numa limitação desnecessária ao instituto”.


É cediço que, em casos quetais, apenas deve ser provado a ocorrência do ato do agente – a ocorrência de dano moral não necessita de prova, pois este é presumido, face a circunstâncias do caso. Como singelo exemplo, angústia não se prova. Este é o entendimento desta Câmara, como se vê do seguinte precedente em que funcionei como relator:

“Relação bancária. Danos Morais. Comprovado o ato, o dano moral é presumido, não havendo falar-se em “ausência de prova”.

Danos na esfera psicológica e psíquica individual do consumidor são evidentes em situação de desconforto e transtorno causada pela incorreta prestação do serviço bancário. Fixação em 40 salários mínimos razoável, e mesmo reduzida.

APELO IMPROVIDO.” (AC nº 70004034468, j. 23/04/2002).

Consoante decisões tomadas pelo extinto Tribunal de Alçada deste Estado, “o dano moral não pode ser demonstrado materialmente porque é subjetivo, mas deve ser presumido de acordo com o caso” (AC 196249601); “o dano moral é reparável considerando o sofrimento da vítima” (AC 196208771); “não há necessidade de provar eventual prejuízo patrimonial para obter indenização do dano moral” (AC 196189047); “a ressarcibilidade do dano moral visa minorar o que se pode ter como presentes e persistentes a dor, os incômodos e desgostos para a vítima” (AC 194141370).

Outros precedentes neste sentido deste Tribunal e do STJ, respectivamente:

“(…) DANOS MORAIS. PROVA DO DANO. Tratando-se de dano moral, dispensa prova por estar in re ipsa. Como prática atentatória aos direitos da personalidade, traduz-se num sentimento de pesar íntimo da pessoa ofendida, capaz de gerar-lhe alterações psíquicas ou prejuízos a parte social ou afetiva de seu patrimônio moral. A prova se satisfaz com a ocorrência do ato ilícito.” (AC nº 70004123030, j. 19/06/2002, Rel. Des. Carlos Alberto Álvaro de Oliveira, 6ª Câmara Cível).

“CIVIL E PROCESSUAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. PROTESTO INDEVIDO. PESSOA JURÍDICA. DANO MORAL. PROVA DO PREJUÍZO. DESNECESSIDADE. MULTA. LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ NÃO CONFIGURADA. EXCLUSÃO. “O protesto indevido de título gera direito à indenização por dano moral, independentemente da prova objetiva do abalo à honra e reputação sofrido pela autora, que se permite, na hipótese, facilmente presumir, gerando direito a ressarcimento respectivo (…)” (Resp nº 312597/SP, j. 16/04/2002, Rel. Min. Aldir Passarinho Júnior).

É o caso.

Pois bem. Nada a dizer sobre danos materiais vez que a sentença não analisa tal tema. Há descompasso, aqui, entre o decidido e a irresignação vertida.

A indenização, fixada em pouco mais de 70 salários mínimos, não se mostra excessiva, no caso concreto, porquanto o erro do Banco repetiu-se por 6 (seis) vezes. Seis cártulas com assinatura falsa foram levadas à compensação, sem conferência, e devolvidas por insuficiência de fundos, constando a parte autora do cadastro do SPC Nacional como emitente de 6 (seis) cheques sem fundos.

Como regra, em casos semelhantes, a Câmara tem fixado indenização em torno dos 50 s.m. Como visto, na hipótese vertente, dada a gravidade do agir negligente do fornecedora, o montante estipulado à sentença não se nos afigura elevado.

No passo, incumbe gizar-se que, na estipulação do montante da indenização por danos morais, vários são os vetores a serem considerados – da gravidade do dano à capacidade econômica do agente (na espécie, companhia multinacional); das circunstâncias particulares do ofendido àquelas do ofensor. Há que se atentar, sobremaneira, para o caráter expiatório do montante a ser pago pelo agente, com o reconhecimento de um dever de servir de desestímulo à repetição de situações quetais, com a theory of deterrance do Direito Inglês (desmotivação do ofensor), assumindo, em acréscimo, um caráter punitivo (exemplary damages norte-americano), que vem já do Direito Romano e se traduz no direito positivo em Diplomas como o Código Nacional de Trânsito, o Código Brasileiro de Telecomunicações, o Código Eleitoral e a Lei de Imprensa.

Por isso, a indenização simbólica ou irrisória é de ser evitada. O montante deve servir de advertência ao ofensor e à comunidade no sentido de que não se aceita o comportamento lesivo punido. Quer dizer, deve sentir o agente a resposta da ordem jurídica aos efeitos do resultado lesivo produzido, pela condenação em quantia economicamente significante, conforme CARLOS ALBERTO BITTAR, Reparação civil por danos morais. RT, SP, 2ª ed., pág. 219/225.

Logo, como dito, vai mantida a indenização arbitrada pelo douto sentenciante.

Nestes termos, nega-se provimento ao apelo.

É como voto.

DR. LUIZ ROBERTO IMPERATORE DE ASSIS BRASIL (REVISOR) – De acordo.

DES. GUINTHER SPODE (PRESIDENTE) – De acordo.

DES. GUINTHER SPODE – Presidente – Apelação Cível nº 70012573143, Comarca de Porto Alegre: “NEGARAM PROVIMENTO. UNANIME.”

Julgador(a) de 1º Grau: OYAMA ASSIS BRASIL DE MORAES

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