Prerrogativa da defesa

Supremo garante a Flávio Maluf acesso a inquérito policial

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13 de janeiro de 2006, 15h18

O Supremo Tribunal Federal deu liminar a Flávio Maluf autorizando o acesso aos autos de inquérito policial que o investiga por crimes contra o Sistema Financeiro Nacional. A decisão é do presidente da Corte, ministro Nelson Jobim.

Jobim considerou que negar vista do inquérito policial ao indiciado ou aos seus advogados seria causar prejuízo à defesa, além de ferir a prerrogativa do advogado, conforme determina o artigo 7º, inciso XIV, do Estatuto da Advocacia.

A liminar havia sido rejeitada no Tribunal Regional Federal da 3ª Região e no Superior Tribunal de Justiça. Em dezembro, o caso foi parar no Supremo e a ministra Ellen Gracie decidiu arquivar o pedido de Habeas Corpus, com base na Súmula 691.

Entendeu que, “não compete ao Supremo Tribunal Federal conhecer de Habeas Corpus contra decisão de relator que, em Habeas Corpus requerido a tribunal superior, indefere a liminar”.

Flávio Maluf entrou com pedido de reconsideração da decisão e o ministro Nelson Jobim acolheu os argumentos.

HC 87.619

Leia a decisão

MED. CAUT. EM HABEAS CORPUS 87.619 SÃO PAULO

Paciente(s): FLÁVIO MALUF

Impetrante(s): GUILHERME OCTÁVIO BATOCHIO E OUTRO(A/S)

Coator(a/s)(es): RELATOR DO HC Nº 51209 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

DECISÃO: (Pet. nº 3839/2006)

Junte-se.

Em 23.12.2005, ELLEN, no exercício da Presidência, negou seguimento ao presente writ (fls. 216/218).

Destaco trecho dessa decisão:

“…

3. Apesar dos argumentos desenvolvidos pelos impetrantes, incide o teor da Súmula STF 691, que assim dispõe: ‘Não compete ao Supremo Tribunal Federal conhecer de habeas corpus contra decisão de Relator que, em habeas corpus requerido a tribunal superior, indefere a liminar’.

4. Além disso, não vislumbro, na hipótese, a existência da suscitada ilegalidade flagrante. Num exame prefacial, inviável o abrandamento do teor da referida súmula, na forma pretendida pelos impetrantes, porquanto não demonstrada a iminente ameaça ao status libertatis et dignitatis do paciente.

5. Por fim, inviável, em sede de liminar, provimento cujo caráter é evidentemente satisfativo.

…” (fls. 217/218).

Os impetrantes requerem reconsiderações dessa decisão.

Insiste na tese de flagrante ilegalidade capaz de afastar a aplicação da Súmula 691.

Cita precedentes do SUPREMO favoráveis à sua tese.

Decido.

Assiste razão aos impetrantes.

Consta dos autos que o paciente, por meio de seus procuradores, requereu vista dos autos do inquérito policial nº 2000.61.81.004245-0 ao Juiz da 6ª Vara Criminal Federal da Subseção Judiciária do Estado de São Paulo (fls. 68/70).

O pedido foi indeferido, nestes termos:

“…

O pleito deve ser indeferido.

Anote-se que o inquérito policial é um procedimento inquisitorial, não revestido de contraditório e, em casos excepcionais, o sigilo das investigações prepondera sobre o direito do investigado, ou de seu advogado constituído, a ter vista dos autos.

No caso em questão, como o sigilo das diligências é imprescindível para que a investigação seja bem sucedida, ressaltando que o contraditório a respeito de todas as medidas eventualmente adotadas fica diferido para futura eventual ação penal, a disponibilização de vista dos autos aos investigados ou seus procuradores não deve ser concedida.

…” (fl. 80).

Impetrado mandado de segurança (fls. 84/113) perante o TRF da 3ª Região, a liminar foi indeferida (fls. 117/118).

Contra essa decisão foi impetrado habeas corpus no STJ (HC 51.209, Min. ARANALDO ESTEVES LIMA), cuja liminar também foi indeferida (fls. 174/175).

A ilegalidade é flagrante.

A recusa de acesso aos autos do inquérito poderá acarretar prejuízo à defesa do paciente, e fere prerrogativa do advogado (art. 7º, XIV, Lei nº 8.906/94).

Nesse sentido é a jurisprudência do SUPREMO.

Destaco precedente:

“…

EMENTA: I. Habeas corpus: cabimento: cerceamento de defesa no inquérito policial. 1. O cerceamento da atuação permitida à defesa do indiciado no inquérito policial poderá refletir-se em prejuízo de sua defesa no processo e, em tese, redundar em condenação a pena privativa de liberdade ou na mensuração desta: a circunstância é bastante para admitir-se o habeas corpus a fim de fazer respeitar as prerrogativas da defesa e, indiretamente, obviar prejuízo que, do cerceamento delas, possa advir indevidamente à liberdade de locomoção do paciente. 2. Não importa que, neste caso, a impetração se dirija contra decisões que denegaram mandado de segurança requerido, com a mesma pretensão, não em favor do paciente, mas dos seus advogados constituídos: o mesmo constrangimento ao exercício da defesa pode substantivar violação à prerrogativa profissional do advogado — como tal, questionável mediante mandando de segurança — e ameaça, posto que mediata, à liberdade do indiciado — por isso legitimado a figurar como paciente no habeas corpus voltado a fazer cessar a restrição à atividade dos seus defensores. II. Inquérito policial: inoponibilidade ao advogado do indiciado do direito de vista dos autos do inquérito policial. I. Inaplicabilidade da garantia constitucional do contraditório e da ampla defesa ao inquérito policial, que não é processo, porque não destinado a decidir litígio algum, ainda que na esfera administrativa; existência, não obstante, de direitos fundamentais do indiciado no curso do inquérito, entre os quais o de fazer-se assistir por advogado, o de não se incriminar e o de manter-se em silêncio. 2. Do plexo de direitos dos quais é titular o indiciado — interessado primário no procedimento administrativo do inquérito policial, é corolário e instrumento a prerrogativa do advogado de acesso aos autos respectivos, explicitamente outorgada pelo Estatuto da Advocacia (L. 8906/94, art 7º, XIV), da qual — ao contrário do que previu em hipóteses assemelhadas — não se excluíram os inquéritos que correm em sigilo: a irrestrita amplitude do preceito legal resolve em favor da prerrogativa do defensor o eventual conflito dela com os interesses do sigilo das investigações, de modo a fazer impertinente o apelo ao princípio da proporcionalidade. 3. A oponibilidade ao defensor constituído esvaziaria uma garantia constitucional do indiciado (CF, art. 5º, LXIII), que lhe assegura, quando preso, e pelo menos lhe faculta, quando solto, a assistência técnica do advogado, que este não lhe poderá prestar se lhe é sonegado o acesso aos autos do inquérito sobre o objeto do qual haja o investigado de prestar declarações. 4. O direito do indiciado, por seu advogado, tem por objeto as informações já introduzidas nos autos do inquérito, não as relativas à decretação e às vicissitudes da execução de diligências em curso (cf. L. 9296, atinente às interceptações telefônicas, de possível extensão a outras diligências); dispõe, em conseqüência a autoridade policial de meios legítimos para obviar inconvenientes que o conhecimento pelo indicado e seu defensor dos autos do inquérito policial possa acarretar à eficácia do procedimento investigatório. 5. Habeas corpus deferido para que aos advogados constituídos pelo paciente se faculte a consulta aos autos do inquérito policial, antes da data designada para a sua inquirição.

………………………..” (HC nº 82.354, PERTENCE, DJ 24.9.2004)

No mesmo sentido, ainda, o HC nº 84.009, BRITTO e HC nº 86.059, CELSO.

Assim, afasto a aplicação da Súmula 691 do SUPREMO.

Defiro a liminar requerida, para garantir ao paciente, por meio de seus procuradores, regularmente constituídos, vista dos autos do inquérito policial nº 2000.61.81.004245-0, onde quer que se encontre.

Comunique-se, com urgência, ao Juízo da 6ª Vara Criminal Federal da Subseção Judiciária do Estado de São Paulo, ao TRF da 3ª Região, ao Diretor-Geral da DPF — Superintendência Regional no Estado de São Paulo e ao Superior Tribunal de Justiça.

Solicitem-se informações.

Após, abra-se vista ao PGR.

Publique-se.

Brasília, 12 de janeiro de 2006.

NELSON JOBIM

PRESIDENTE

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