Processo administrativo

Membro de comissão disciplinar tem de ser servidor estável

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10 de janeiro de 2006, 11h03

É nulo processo administrativo quando a comissão processante é formada por servidores sem estabilidade. O entendimento é da 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça. O relator do caso, ministro Hamilton Carvalhido, acolheu recurso para tornar sem efeito as portarias que aplicaram às servidoras Maria Andrade e Hilda Borba pena de suspensão de 90 dias.

As duas funcionárias públicas entraram com pedido de Mandado de Segurança alegando a nulidade do processo administrativo disciplinar, porque o presidente da comissão processante não era estável no serviço público estadual. Também sustentaram excesso de prazo para a conclusão do processo administrativo e a nulidade do relatório final, por ser omisso ao descrever a responsabilidade das servidoras indiciadas.

O Tribunal de Justiça da Paraíba negou o pedido. Entendeu que “nenhuma nulidade existe a viciar o processo administrativo, porque a Comissão ultrapassou o prazo de conclusão de seus trabalhos”. Além disso, afirmou ser regular o inquérito administrativo cuja Comissão foi legalmente constituída por funcionário declarado estável.

Maria Andrade e Hilda Borba recorreram ao STJ. Ao acolher o pedido das servidoras, o ministro Hamilton Carvalhido destacou que o Estatuto dos Servidores Públicos da Paraíba exige a condição estável dos membros das comissões permanentes de inquérito, afirmando a nulidade do processo quando a norma não for observada.

“A propósito, esta Corte Superior de Justiça firmou sua jurisprudência no sentido de que é nulo o processo administrativo disciplinar composto, ou, com mais razões, presidido por funcionário não-estável”, ressaltou o relator. A decisão do ministro Hamilton Carvalhido, entretanto, não prejudica a instauração de um novo processo administrativo.

RMS 8.959

Leia a íntegra da decisão

RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA Nº 8.959 – PB (1997/0065911-9)

RELATOR: MINISTRO HAMILTON CARVALHIDO

RECORRENTE: MARIA CELY DE ANDRADE E OUTRO

ADVOGADO: PEDRO REGINALDO GOMES

T. ORIGEM: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA PARAÍBA

IMPETRADO: SECRETÁRIO DE SEGURANÇA PÚBLICA DO ESTADO

DA PARAÍBA

RECORRIDO: ESTADO DA PARAÍBA

PROCURADOR: IRAPUAN SOBRAL FILHO E OUTRO

DECISÃO

Recurso ordinário em mandado de segurança interposto por Maria Cely de Andrade e Hilda dos Santos Borba, com fundamento no artigo 105, inciso II, alínea “b”, da Constituição Federal, impugnando acórdão do Tribunal Pleno do Tribunal de Justiça do Estado da Paraíba, assim ementado:

“Processo Administrativo. Prazo. Comissão. Servidor Estável. Nenhuma nulidade existe, a viciar o processo administrativo, porque a Comissão ultrapassou o prazo de conclusão de seus trabalhos. Regular é o inquérito administrativo cuja Comissão foi legalmente formada e em que se facultou ampla defesa. Funcionário declarado estável por força de prescrição constitucional (A.D.C.T., art. 19), tem qualidade para compor Comissão de Processo Administrativo.” (fl. 377).

Os embargos de declaração opostos foram rejeitados.

Alegam as recorrentes a nulidade do processo administrativo disciplinar que culminou com a edição das Portarias nº 335 e 336, de 7 junho de 1996, que lhes aplicaram pena de suspensão, ao argumento de que o presidente da comissão processante não é estável no serviço público estadual, aduzindo, nesse passo, que “pelo mesmo colegiado fora concedida igual Segurança nos autos do processo 95.002336-1 contendo objeto idêntico, ou seja, anulação de inquérito administrativo por conta da comissão processante ter sido presidida por membro não detentor de estabilidade funcional, por acaso o mesmo funcionário que presidiu o inquérito que se pretende anular, conforme dá conta acórdão acostado às folhas 41/44 dos autos.” (fl. 399), e que o tempo de serviço prestado à União Companhia Editora, sociedade anônima, não se presta para os fins previstos no artigo 19 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.

Sustentam, outrossim, excesso de prazo para a conclusão do processo administrativo disciplinar e a nulidade do relatório final, por haver se omitido acerca da responsabilidade de um dos servidores indiciados.

Recurso tempestivo (fl. 398) e respondido (fl. 416).

Parecer do Ministério Público Federal pelo provimento ao recurso, assim sumariado:

“Comissão de Inquérito convocada para apurar irregularidades de funcionários do DETRAN. Um dos funcionários que a compuseram não era estável. Impossibilidade. Comissão incompetente. Processo nulo. Recurso a que se dá provimento.” (fl. 431).

Tudo visto e examinado, decido.

Dispõem os artigos 283 e 284 da Lei Complementar Estadual nº 39/85, que contém o Estatuto dos Servidores Públicos do Estado da Paraíba:

“Artigo 283 .— Haverá, em cada Secretaria de Estado, na Casa Civil e no Gabinete Militar do Governador, uma Comissão Permanente de Inquérito, destinada a realizar os processos administrativos.

Parágrafo Primeiro — Os membros das Comissões Permanentes de Inquérito serão designados pelo Secretário da Administração, por indicação do titular da pasta correspondente, mediante portaria publicada no órgão oficial do Estado.

Parágrafo Segundo — O disposto neste artigo não impede a designação de comissões especiais de inquérito, por parte do Governador do Estado, as quais não se subordinam às regras do artigo 284, salvo quanto à estabilidade dos seus membros.

Artigo 284 — As Comissões Permanentes de Inquérito serão constituídas de três (3) funcionários estabilizados, designados pelo prazo de dois (2) anos, facultada a recondução por um (1) período, cabendo a presidência a Procurador do Estado.” (fl. 52 – nossos os grifos).

Ao que se tem, o Estatuto dos Servidores Públicos do Estado da Paraíba faz exigência legal a condição de estável dos membros das Comissões Permanentes de Inquérito e de quaisquer outras comissões especiais de inquérito, impondo-se, em conseqüência, de tanto, afirmar a nulidade do processo administrativo disciplinar que não tenha observado dita norma.

Nesse passo, recolham-se, desde logo, as observações de Palhares Moreira Reis:

“Se a lei exige que sejam servidores estáveis, para preservá-los de influência ou eventual coação de qualquer autoridade, evidentemente não se pode designar servidores não estáveis, qualquer que seja a situação jurídica existente; do mesmo modo, parece prudente não fazer integrar a comissão pessoas ocupantes de cargos ou funções das quais sejam demissíveis ad nutum. Como se disse no capítulo sobre sindicância, o servidor que pode ser demitido ao talante do chefe está em paridade de situação com o não-estável, isto é, sujeito a pressões que podem contaminar o resultado do processo.” (in CD-ROM Processo Disciplinar, Editora Consulex).

E de Maria Sylvia Zanella Di Pietro:

“O processo é realizado por comissões disciplinares (comissões processantes), sistema que tema vantagem de assegurar maior imparcialidade na instrução do processo pois a comissão é órgão estranho ao relacionamento entre o funcionário e o superior hierárquico.

Para garantir essa imparcialidade, tem-se entendido, inclusive na jurisprudência, que os integrantes da comissão devem ser funcionários estáveis e não interinos ou exoneráveis ‘ad nutum‘.” (in Direito Administrativo, 3ª ed., São Paulo, Atlas, 1992, p. 351).

Diga-se, ilustrativamente, que não é outra a disciplina jurídica dos Servidores Públicos Federais, regidos pela Lei nº 8.112/90, verbis:

“Art. 149. O processo disciplinar será conduzido por comissão composta de três servidores estáveis designados pela autoridade competente, observado o disposto no § 3o do art. 143, que indicará, dentre eles, o seu presidente, que deverá ser ocupante de cargo efetivo superior ou de mesmo nível, ou ter nível de escolaridade igual ou superior ao do indiciado.” (nossos os grifos).

A propósito, esta Corte Superior de Justiça firmou sua jurisprudência no sentido de que é nulo o processo administrativo disciplinar composto, ou, com mais razão, presidido por funcionário não estável, valendo conferir, nesse sentido, os seguintes precedentes:

“ADMINISTRATIVO. PROCESSO ADMINISTRATIVO. – É nulo o processo administrativo disciplinar cuja comissão processante é composta por servidor não estável. – Precedentes – Recurso provido.” (RMS nº 10392/PE, Relator Ministro

Félix Fischer, in DJ 18/10/1999).

“ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. DEMISSÃO. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. OFENSA AO DEVIDO PROCESSO LEGAL. PORTARIA INAUGURAL. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DO PREJUÍZO. COMISSÃO DISCIPLINAR. ART. 149 DA LEI Nº 8.112/90. “WRIT ” IMPETRADO COMO FORMA DE INSATISFAÇÃO COM O CONCLUSIVO DESFECHO DO PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. ORDEM DENEGADA.

I – Consoante entendimento do Superior Tribunal de Justiça, a portaria de instauração do processo disciplinar prescinde de minuciosa descrição dos fatos imputados, sendo certo que a exposição pormenorizada dos acontecimentos se mostra necessária somente quando do indiciamento do servidor. Precedentes.

II – Nos termos do artigo 149 da Lei 8.112/90, o processo administrativo será conduzido por comissão composta de três servidores estáveis designados pela autoridade competente, exigindo que o Presidente deverá ocupar cargo efetivo superior ou de mesmo nível, ou ter nível de escolaridade igual ou superior ao do indiciado, não havendo qualquer irregularidade no fato de a comissão ser composta por quatro servidores.

Precedentes.(…)” (MS nº 8297/DF, Relator Ministro Gilson Dipp, in DJ 16/02/2004).

“ADMINISTRATIVO. PROCESSO ADMINISTRATIVO. – E NULO O PROCESSO ADMINISTRATIVO PRESIDIDO POR FUNCIONÁRIO NÃO ESTÁVEL (ART. 149 DA LEI N. 8.112/90). – RECURSO PROVIDO.” (RMS nº 6007/DF, Relator Ministro Félix Fischer, in DJ 02/03/1998).

In casu, ao que se recolhe na certidão de fl. 374, Sebastião Florentino de Lucena, que era presidente da Comissão Permanente de Inquérito Administrativo da Secretaria de Segurança Pública do Estado da Paraíba, somente ingressou nos Quadros do Governo do Estado da Paraíba em 1º de fevereiro de 1985, não possuindo, pois, os cinco anos continuados de exercício de função pública na administração direta estadual na data da promulgação da Constituição Federal, para fins da estabilidade prevista no artigo 19 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, verbis:

“Art. 19. Os servidores públicos civis da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, da administração direta, autárquica e das fundações públicas, em exercício na data da promulgação da Constituição, há pelo menos cinco anos continuados, e que não tenham sido admitidos na forma regulada no art. 37, da Constituição, são considerados estáveis no serviço público.”

Não é outro o sentido do parecer do Ministério Público Federal:

“(…)

Já quanto à questionada estabilidade do funcionário Sebastião Florentino de Lucena, julgo, efetivamente, que a razão encontra-se ao lado das recorrentes. É que é possível constatar, com base na certidão de fls. 374, que referido funcionário somente veio a fazer parte dos quadros do Estado, através do regime celetista, a partir de 01.02.85, não completando, em 05.10.88, o lapso temporal exigido pela Constituição Federal para que se estabilizasse no serviço público. Com razão as recorrentes ao afirmarem a impossibilidade de se considerar com tendo sido prestado ao Estado, serviço realizado junto a empresa comercial, que, à época, contava com a forma de sociedade anônima, ainda que, ao depois, tenha sido a mesma modificada. (…)” (fl. 432/433).

Pelo exposto, dou provimento ao recurso ordinário e concedo a ordem para, sem prejuízo de instauração de novo processo administrativo, tornar sem efeito as Portarias nº 335 e 336, de 7 junho de 1996, que aplicou às impetrantes pena de suspensão de noventa dias.

Prejudicadas as demais questões.

Publique-se.

Intime-se.

Brasília, 21 de outubro de 2005.

Ministro Hamilton Carvalhido, Relator

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