Novela sem fim

Um modelo para enfrentar o problema dos precatórios

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9 de janeiro de 2006, 10h38

Modelo de projeto que visa estimular o desenvolvimento da União, dos estados e dos municípios, mediante a liquidação dos precatórios devidos, através da concessão de créditos substitutivos para as empresas que assumirem seus débitos judiciais inscritos gerando receita direta.

Preliminarmente existem problemas capitais que são tidos como insuperáveis, mas que precisam ser re-analisados, senão vejamos:

1. A ordem de preferência dos precatórios não pode ser quebrada.

2. A restrição do Estado em contrair empréstimo.

3. A limitação imposta pela Lei de Responsabilidade Fiscal.

4. A proibição de instituição de incentivos fiscais não admitidos pela legislação do ICMS.

5. O problema de fluxo de caixa do Estado e a falta de recursos para o pagamento das verbas oriundas dos precatórios.

Não se nega que hoje em dia está em evidência a máxima de que o Estado é voraz para arrecadar e extremamente comedido quando chega a sua hora de pagar. Nesse norte, erigiu um preceito de que os precatórios não devem ser pagos e com isso, o ente público se torna alvo de inúmeros pedidos de intervenção federal. Esse remédio já se mostrou ao longo dos anos de eficácia nenhuma.

Ao credor resta a única solução deferida aos hipossuficientes: e s p e r a r.

Com o advento da Emenda Constitucional 30 de 2.000, paira no ar um alento ao credor, posto que, com o parágrafo 4.º do artigo 78 acrescido no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, há obrigação do Presidente do Tribunal competente requisitar ou determinar o seqüestro de recursos financeiros do Estado executado até o limite da satisfação da prestação. E trata-se de obrigação porque na hipótese de não cumprimento aos preceitos estabelecidos e a requerimento da parte credora, a redação do art. 78 é expressa no sentido real do ordenamento: “O Presidente do Tribunal competente deverá…”! Significa que a autoridade judiciária não pode se furtar ao comando requerido. Isto até o advento dos casuísmos tupiniquins.

Naquela ótica é incontroversa a afirmação de que em havendo seqüestro de recursos financeiros da já combalida Fazenda Pública Estadual, a administração como um todo entraria em colapso. E não há como se buscar empréstimo para quitar precatórios.

No contexto da ordem social, nada justifica a perpetuação do caos ao argumento de que o governante já encontrou o Estado todo emaranhado nos problemas passados. Mesmo que o Estado tenha dificuldade para pagar, não significa que o credor vá deixar de receber. Proibido de transacionar tal qual o particular, ao governante cumpre usar da inteligência e encontrar solução para fazer com que o Estado cumpra, dignamente, a sua obrigação constituída por sentença transitada em julgado, sem deixar ao desamparo os demais contribuintes, e também sem infringir a norma constitucional vigente.

Sendo defeso ao Estado como ente público operar transação com o particular, não resta dúvida alguma que um feito transitado em julgado deva ser quitado pelo valor integral da execução. Em face disso, existe hoje em dia um mercado de compra e venda de precatórios, consubstanciado em escrituras públicas de cessão de direitos creditórios, onde empresas fazem uso dos precatórios adquiridos a preço bem inferior ao valor de face, para no futuro garantir ou quitar dívidas que possuem junto a Fazenda Pública.

Sem necessidade de aprofundar no mérito de cada operação, a realidade é que dessa forma o hipossuficiante consegue receber com alguma antecedência o seu crédito, ainda que defasado. O adquirente desse direito creditório, amparado pela Constituição Federal, liberará créditos substitutivos com o Estado em face de seus débitos tributários e este, por sua vez, deixa de sacar dos cofres públicos recursos para quitar condenações judiciais, podendo aproveitá-los na realização de outros investimentos. Ora, sendo defeso ao Estado transacionar com o particular, o ente público deve usar seu poder para regular esse mercado, que de fato é latente embora ainda empírico. É inútil fechar os olhos para uma realidade que atropela a todos.

Desse modo e mantidas, praticamente, as mesmas condições, apenas com a adoção um novel conceito aplicativo, cumpre que a iniciativa privada faça assunção dos débitos judiciais que o Estado tem para com seus credores. Por óbvio, cada caso deverá ter a concordância expressa e resoluta da parte credora que a seguir transacionará com a empresa que assumiu o débito do Estado.

Com essa operação advirão inúmeras vantagens para as três partes envolvidas.

O Estado não pode emitir títulos (vide problemas de 1996), nem obter empréstimos (Lei de Responsabilidade Fiscal) para pagar os precatórios. Entretanto, tendo como base na Emenda Constitucional 30/2000, poderá criar créditos substitutivos que possuam poder liberatório de débitos tributários em favor das empresas privadas que, como sói ser o caso ora explicitado, assumirem suas dívidas. Esse crédito substitutivo em hipótese alguma terá valor superior ao crédito assumido, o que redunda num casamento sob medida. Real e palpável, sem qualquer incentivo concedido ao particular. O Estado altera o perfil da sua dívida, o pagamento não será feito com desembolso de verbas do caixa e sim com receitas futuras, oriundas de operações tributárias ou débitos vencidos, podendo criar, ainda, mecanismo para controlar o desembolso, de modo a manter o seu equilíbrio financeiro.

O particular terá vantagem de receber antes e esta não virá do Estado, e sim do deságio que conseguir transacionar na negociação com o credor que fez a assunção da dívida. Por se tratar de negócio particular, uma vez aceita a substituição do devedor, o Estado não tem mais nada a ver com o caso.

O credor autorizando a substituição do devedor, terá a oportunidade de ajustar a negociação com o particular e receber seus valores com maior brevidade, abrindo espaço direito para diversas outras aplicações, quando à mercê do ente público faltava-lhe visão da data da liberação.

Uma vez realizada dessa forma a operação, a ordem cronológica de apresentação dos precatórios, não mais precisa ser observada. É que partir do momento em que o Estado, autorizado pelo detentor do crédito, se afasta da lide sendo substituído pelo particular, o precatório deixa de existir passando o crédito a ser uma dívida que se tornou privada. De fato não mais existe pagamento de precatório com todas as suas exigências, mas pagamento de dívida de pessoa jurídica de direito privado para o credor, pura e simplesmente.

Por fim, não havendo quebra na ordem de preferência em face da apresentação cronológica, nenhuma dificuldade será encontrada pela parte que assumir a dívida do Estado, em razão de que a negociação com os credores poderá ser feita a qualquer tempo e hora. Manifestação livre de vontade entre partes capazes faz lei entre si.

Sem qualquer interferência nos tratos havidos após a assunção da dívida, ao Estado cabe unicamente conceder um direito condicionado à iniciativa privada, para esta se valer de crédito substitutivo na mesma medida em que a própria empresa gerar tributos em favor do Estado. O poder público poderá até limitar no tempo, a utilização do instituto da compensação para o próprio crédito gerado.

Por se tratar de medida que altera na sua essência o perfil da dívida do Estado, sem, entretanto, modificar a base do direito adquirido, isso faz com que os administradores mantenham a governabilidade e honrem os compromissos com os credores. É, ao meu sentir, uma técnica que se revela instrumento de imensurável alcance social.

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