Capital fechado

Microsiga é condenada por não colocar ações no mercado

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9 de janeiro de 2006, 19h36

Como determina o artigo 122 do novo Código Civil, um contrato não pode apresentar cláusulas que se sujeitam ao puro arbítrio de uma das partes. Baseada neste artigo, a 2ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (São Paulo) mandou a Microsiga Software indenizar um empregado por não ter aberto ao mercado suas ações.

De acordo com o processo, uma testemunha do caso declarou que o presidente da empresa propôs a substituição da participação nos lucros pela distribuição de ações. Quem não concordasse com essa distribuição continuaria recebendo o valor da participação nos lucros. A testemunha informou que o presidente incentivou a todos para que aderissem a essa distribuição, pois com abertura do mercado poderiam ser comercializadas as ações. Não houve nenhum ônus aos empregado para a adesão a tal projeto. A empresa, porém, não colocou suas ações no mercado.

Segundo os desembargadores, a abertura de capital da empresa ficou ao puro arbítrio da mesma, que não negociou seu capital em bolsa. “É uma cláusula puramente potestativa, pois estava adstrita ao mero arbítrio da ré. O empregado não pode ficar indefinidamente esperando que isso ocorra para vender suas ações no mercado. A ré causou prejuízo ao autor e deve indenizá-lo”, afirmaram os desembargadores.

Na decisão, a Turma citou entendimento do professor Arnoldo Wald: “são potestativas as condições que dependem da vontade do agente. Distinguem-se, na matéria, as condições puramente potestativas, que ficam ao exclusivo arbítrio de um dos contratantes e privam de todo o efeito o ato jurídico, das demais condições potestativas”.

Para os desembargadores, também é aplicável ao caso o artigo 129 do Código Civil: “reputa-se verificada, quanto aos efeitos jurídicos, a condição cujo implemento for maliciosamente obstado pela parte a quem desfavorecer” (artigo 120 do Código Civil de 1916).

Leia a íntegra da decisão

Proc. n.º 2004.048.45-26 (00007.2004.050.02.00-9)

50ª Vara do Trabalho de São Paulo

Recorrentes: Microsiga Software S/A e Adriano Sacomani

Recorridos: ambos

EMENTA

Condição puramente potestativa. Exercício. Dispõe o artigo 122 do Código Civil de 2002 (art. 115 do Código Civil de 1916) que entre as condições defesas se incluem as que sujeitarem ao puro arbítrio de uma das partes. A abertura de capital da empresa ficou ao puro arbítrio da recorrente, que não procedeu à negociação de seu capital em bolsa. É uma cláusula puramente potestativa, pois estava adstrita ao mero arbítrio da ré. O empregado não pode ficar indefinidamente esperando que isso ocorra para vender suas ações no mercado. A ré causou prejuízo ao autor e deve indenizá-lo.

I – RELATÓRIO

Interpõe recurso ordinário Microsiga Software afirmando que é parte ilegítima para figurar no polo passivo da ação. Não existe lei que determine a obrigação de indenizar o recorrido pela quantidade de suas ações. Deve ser dado provimento ao recurso para modificar a sentença.

Contra-razões de fls. 305/8.

Apresenta recurso ordinário Adriano Sacamani alegando que deve ser aumentado o valor por ação para R$ 28,00. Contra-razões de fls. 296/304. Parecer do Ministério Público de fls. 309. É o relatório.

II – CONHECIMENTO

Os recursos são tempestivos. Houve pagamento das custas e do depósito recursal, na forma legal (fls. 282/3).

Não existe previsão legal quanto à juntada de segunda via da guia de custas sob pena de não conhecimento do recurso. Trata-se de procedimento da secretaria da Vara. A guia de custas já foi juntada às fls. 282. Rejeito.

Conheço dos recursos por estarem presentes os requisitos legais.

III – FUNDAMENTAÇÃO

VOTO

A – Recurso da empresa

1. Ilegitimidade de parte

A recorrida é parte legítima para figurar no polo passivo da ação, pois a ação foi proposta contra ela. O reclamante foi seu empregado e postula verba decorrente do contrato de trabalho.

2. Possibilidade jurídica

Existe possibilidade jurídica do pedido, que toma por base o artigo 186 do Código Civil (art. 159 do Código Civil de 1916), em razão do prejuízo que o autor alegou ter sofrido.

3. Mérito

O autor tem certificado de ações, que foi juntado às fls. 35 dos autos. Pouco importa que está em nome da pessoa jurídica do recorrido, pois pertence ao autor.

A empresa reconhece em depoimento pessoal que o capital iria ser aberto.

A testemunha Paulo Roberto declarou que o presidente da empresa propôs a substituição da participação nos lucros pela distribuição de ações. Quem não concordasse com essa distribuição continuaria recebendo o valor da participação nos lucros. O sr. Laércio incentivou a todos para que aderissem a essa distribuição, pois com abertura do mercado poderiam ser comercializadas as ações.

A testemunha Josinei informou que houve uma reunião no Hotel Meliá, em que o presidente da empresa (Laércio) afirmou que seria proposta a troca da participação nos lucros por ações da ré. O pessoal da ré ficou motivado com a proposta. Não houve nenhum ônus aos empregado para a adesão a tal projeto.

O item f da opção de compra representada pelo documento de fls. 34 mostra que “as ações somente poderão ser comercializadas livremente pelo portador, a partir de dezembro de 2001. Até esta data, a Microsiga Software S/A terá total prioridade de recompra das ações recebidas pelo portador, ficando definido desde já, que o valor da recompra será o valor contábil da ações no exercício anterior”.

A empresa não demonstrou que não proporcionou motivo para a ocorrência do termo. Ao contrário, como não abriu o capital na data esperada, deu causa ao prejuízo do autor. A questão não é vender as ações para terceiros, mas vender as ações na Bolsa de Valores. Com a abertura do capital da recorrente, suas ações seriam valorizadas. Era essa a expectativa do autor.

Dispõe o artigo 122 do Código Civil de 2002 (art. 115 do Código Civil de 1916) que entre as condições defesas se incluem as que privarem de todo efeito o negócio jurídico, ou o sujeitarem ao puro arbítrio de uma das partes.

Afirma Arnold Wald que “são potestativas as condições que dependem da vontade do agente. Distinguem-se, na matéria, as condições puramente potestativas, que ficam ao exclusivo arbítrio de um dos contratantes e privam de todo o efeito o ato jurídico, das demais condições potestativas. … Viciam o ato as primeiras …” (Curso de direito civil brasileiro. 8ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995, p. 177).

Leciona Silvio Rodrigues que condição potestativa é a que “se subordina à vontade de uma das partes, que pode provocar ou impedir sua ocorrência”. Só são ilícitas as que a eficácia do negócio fica ao inteiro arbítrio de uma das partes (Direito Civil. 17ª ed. São Paulo: Saraiva, 1987, vol. 1, p. 261).

A abertura de capital ficou ao puro arbítrio da recorrente, que não procedeu à negociação de seu capital em bolsa. É uma cláusula puramente potestativa, pois estava adstrita ao mero arbítrio da ré. O empregado não pode ficar indefinidamente esperando que isso ocorra para vender suas ações no mercado, pois não poderá exercer seu direito.

Aplicável ao caso dos autos o artigo 129 do Código Civil: “reputa-se verificada, quanto aos efeitos jurídicos, a condição cujo implemento for maliciosamente obstado pela parte a quem desfavorecer” (art. 120 do Código Civil de 1916). A recorrente obstou o exercício do direito do autor de vender as ações, pois não abre seu capital.

A ré trouxe prejuízo ao autor, por não ter aberto o capital no momento esperado. Logo, tem de indenizá-lo.

B – Recurso do autor

Não há prova nos autos para determinar que o valor das ações seja de R$ 28,00.

O depoimento da testemunha Josinei demonstrou que o valor das ações é de R$ 1,50. Não é possível dizer que as ações atingiriam U$ 10,00, tanto que as suas foram vendidas por R$ 1,50.

A testemunha Paulo declarou que o valor das ações poderia chegar a U$ 10,00, mas não disse que atingiu esse valor. Nego provimento.

Atentem as partes para a previsão do parágrafo único do artigo 538 do CPC e artigos 17 e 18 do CPC, não cabendo embargos de declaração para rever fatos e provas e a própria decisão.

IV – DISPOSITIVO

Pelo exposto, conheço dos recursos, por atendidos os pressupostos legais, rejeito as preliminares e, no mérito, nego provimento a ambos os apelos, mantendo a sentença. Fica mantido o valor arbitrado para efeito do cálculo das custas. É o meu voto.

Sergio Pinto Martins

Juiz Relator

Leia o acórdão

ACÓRDÃO Nº: 20050852412

Nº de Pauta:127

PROCESSO TRT/SP Nº: 00007200405002009

RECURSO ORDINÁRIO – 50 VT de São Paulo

RECORRENTE: 1. MICROSIGA SOFTWARE S/A 2. ADRIANO SACOMANI

EMENTA

Condição puramente potestativa. Exercício. Dispõe o artigo 122 do Código Civil de 2002 (art. 115 do Código Civil de 1916) que entre as condições defesas se incluem as que sujeitarem ao puro arbítrio de uma das partes. A abertura de capital da empresa ficou ao puro arbítrio da recorrente, que não procedeu à negociação de seu capital em bolsa. É uma cláusula puramente potestativa, pois estava adstrita ao mero arbítrio da ré.

O empregado não pode ficar indefinidamente esperando que isso ocorra para vender suas ações no mercado. A ré causou prejuízo ao autor e deve indenizá-lo.

ACORDAM os Juízes da 2ª TURMA do Tribunal Regional do Trabalho da Segunda Região em: por unanimidade de votos, rejeitar as preliminares; no mérito, por igual votação, negar provimento a ambos os recursos, mantendo a sentença. Fica mantido o valor arbitrado para efeito do cálculo das custas.

São Paulo, 24 de Novembro de 2005.

ROSA MARIA ZUCCARO

PRESIDENTE REGIMENTAL

SÉRGIO PINTO MARTINS

RELATOR

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