História roubada

MP denunciou falta de segurança de acervo histórico

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4 de janeiro de 2006, 16h36

O MP de SP divulgou nesta quarta-feira (4/11) que investiga o Instituto Histórico de Geográfico de São Paulo há pelo menos um ano. Os jornais do dia divulgaram que o Instituo foi vítima de um assalto na segunda-feira, no qual os ladrões levaram um vasto e precioso acervo histórico contendo cartas de dom Pedro I e dom Pedro II, a cópia original da Constituição de 1824 e relíquias da revolução constitucionalista de 1932.

O Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, considerado de utilidade pública pelo estado e pela União, é uma associação de direito privado, sem fins lucrativos, fundada em 1894 e mantido com a contribuição de associados.

A nota do MP refere que "em relação à notícia veiculada pela imprensa no dia 4 de janeiro, a respeito do furto de objetos históricos no Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, a Promotoria de Justiça do Meio Ambiente da Capital esclarece que propôs Ação Civil Pública (nº 053.05.015464-0) que tramita pela 6ª Vara da Fazenda Pública da Capital no dia 14 de julho de 2005, tendo como réus o próprio Instituto e o Estado de São Paulo.

Na ação foi pedido liminarmente o afastamento da Presidente do Instituto e a intervenção no Instituto, não sendo concedido o pedido de liminar. O pedido final da ação é o tombamento do acervo do local, uma vez que se trata de instituto particular, bem como a proibição de venda de outros itens deste acervo e a anulação da eleição da diretoria, dentre outros pedidos acessórios.

A ação foi proposta em virtude de denúncia formulada perante a Promotoria de Justiça do Meio Ambiente da Capital na qual se noticia a venda de objetos históricos em detrimento do acervo do Instituto"

Falando em nome do MP, a promotora Patrícia Aude divulgou a inicial que abriu as investigações contra o Instituto.

Confira a íntegra da Ação Civil Pública:

Excelentíssimo Senhor Doutor Juiz de Direito da ____ Vara da Fazenda Pública da Capital.

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO, por seu Promotor de Justiça que ao final subscreve, com fundamento no artigo 127, caput e 129, inciso III, e 216 da Constituição Federal, artigo 25, inciso IV, alínea “a”, da Lei n. 8.625/93, e no artigo 103, inciso VIII, da Lei Complementar Estadual n. 734, de 26 de novembro de 1993, bem como nas disposições contidas na Lei n. 7.347/85 (Lei da Ação Civil Pública) e nas normas processuais da Lei 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor), vem à presença de Vossa Excelência propor

AÇÃO CIVIL PÚBLICA,

com pedido liminar, instruída pelo Inquérito Civil que acompanha a inicial, autuado em 06 (seis) volumes e 02 (dois) anexos, ao qual se referem as fls. abaixo citadas, em face do

INSTITUTO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO DE SÃO PAULO – IHGSP, associação civil sem fins lucrativos, reconhecida de utilidade pública pelo Decreto Federal 59.151, de 26 de agosto de 1966, e pela Lei Estadual n. 158, de 17 de novembro de 1949, com sede em São Paulo, na Rua Benjamin Constant, n. 158, Centro, CEP 01005-000, na pessoa de sua presidente em exercício; e do

ESTADO DE SÃO PAULO, representado pela Procuradoria Geral do Estado, na pessoa de seu Procurador Geral (Constituição do Estado de São Paulo, art. 99, inciso I) com sede Avenida São Luís, n. 99, 4º andar, República, CEP 01046-905, São Paulo/SP;

pelos motivos de fato e de direito a seguir expostos e discutidos.

I. O OBJETO DA PRESENTE AÇÃO

1. A presente ação tem por objeto obter medidas judiciais em preservação do acervo do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo – IHGSP e para a regularização da administração dessa associação civil, da qual, em grande parte, depende a satisfação do primeiro propósito.

Entidade privada centenária, destinada ao estudo e divulgação da história e geografia de São Paulo e do Brasil, o Instituto logrou formar ao longo de sua existência um dos maiores e melhores acervos de documentos, livros, mapas, jornais e diversas outras peças que constituem um importante registro para a memória do povo paulista e brasileiro.

2. Nesse sentido, cabe ressaltar, de início, que os bens de valor cultural do povo brasileiro são protegidos constitucionalmente,[1] sendo o tombamento apenas um dos meios de proteção desses bens. Não significando a inexistência de tombamento ausência de proteção jurídica, pois esta decorre da própria Constituição Federal, como será desenvolvido a seguir.


A presente ação, portanto, visa a prevenir atos lesivos ao precioso acervo da entidade e criar condições jurídicas para sua volta à normalidade administrativa, com efetiva proteção dos bens culturais de sua propriedade, mas de valor para toda a sociedade brasileira.

Entre os bens que se objetiva proteger, estão alguns quadros do pintor Benedito Calixto, que foram tombados pelo Conselho Estadual de Defesa do Patrimônio Histórico, Artístico, Arquitetônico e Turístico – CONDEPHAAT, a demonstrar a relevância dos bens do Instituto (fls. 1.164).

II. OS FATOS

II.A. O IHGSP, seu acervo e sua importância

3. O Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo – IHGSP foi fundado em 1º de novembro de 1894, por iniciativa dos Drs. Antonio de Toledo Piza, Domingos José Nogueira Jaguaribe Filho e Estevão Leão Bourroul, representando um forte apelo à elite intelectualizada de São Paulo à época.[2]

A reunião de fundação realizou-se na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, sob os auspícios de seu Diretor, o Barão de Ramalho. Compareceram 139 (cento e trinta e nove) pessoas ao evento, que reuniu intelectuais, políticos, eclesiásticos, membros do Poder Judiciário e políticos de variado jaez, como republicanos históricos e monarquistas convictos. A primeira diretoria, de caráter interino, teve Prudente de Moraes como Presidente Honorário.

4. As primeiras sessões do Instituto foram realizadas no Ginásio do Estado, localizado na Rua da Boa Morte, hoje Rua do Carmo, nas cercanias da Praça da Sé, onde antigamente existiu a Praça Clóvis. Posteriormente, instalou-se em um sobrado, localizado na Rua Quinze de Novembro, antiga Rua da Imperatriz, mudando-se em 1896 para a Rua Marechal Deodoro, antiga Rua do Imperador, onde permaneceu até 1900, quando transferiu-se para Rua General Carneiro, antes denominada Rua Conselheiro João Alfredo.

A sede definitiva do Instituto, onde está sediado até hoje, foi inaugurada em 1909, em terreno adquirido cinco anos antes, por vinte contos de réis, na Rua Benjamin Constant, denominada de Rua da Princesa sob o regime monarquista. Nesse local, está localizada a sede do Instituto, em prédio de 08 (oito) andares, construído com o apoio financeiro de pessoas influentes da época, como o Conde Álvares Penteado, o Conde Prates, o Barão de Tatuí, o Sr. Francisco Matarazzo, e de diversas empresas e companhias importantes daquele momento.

5. Tratando-se de entidade centenária, constituída com o especial objetivo de promover o estudo e a divulgação da História, da Geografia e de ciências correlatas (artigo 1º do Estatuto original, fls. 18 e artigo 2º, inciso I, do Estatuto vigente, fls. 1.190), angariou muitas peças de importância histórica durante sua longa existência.

De fato, o resumo (briefing) de fls. 412 dá uma idéia da grande dimensão do acervo da entidade.

A entidade possui arquivo com cerca de 3.000 documentos, entre os quais correspondência de várias personalidades da história e cultura nacional, além de generosa biblioteca, de 50.000 volumes e aproximadamente 3.000 mapas e plantas, museu, com grande número de peças ligadas a personagens históricos de relevo, e hemeroteca com 7.500 títulos de antigos jornais brasileiros e estrangeiros.

6. Esse acervo é bastante variado, abrangendo os períodos da pré-história, Brasil Colônia, Império, República Velha e Revolução Constitucionalista. As peças que o compõe são de material de várias naturezas, como papel, couro, vidro, pedra, madeira, barro, cerâmica, porcelana, etc.

Nos termos do que foi constatado em laudo produzido nos autos do Inquérito Civil que instrui a presente inicial, “todo este acervo é de importância incomensurável para a preservação dos valores nacionais e particularmente para a ‘nação paulista’”, sendo que, dos catálogos existentes, se pode “constatar a importância histórica, artística, cultural das diferentes etnias formadoras da sociedade brasileira, sobressaindo-se a colaboração paulista” (fls. 1.137).

II.B. A situação associativa do IHGSP

7. É de se lamentar que entidade de tão nobre origem e elevados propósitos tenha caído em situação de completa falta de administração regular.


Por certo, com o passar dos anos, mudaram as perspectivas sociais e, em uma sociedade voltada para o futuro, movida à velocidade de um clique de computador, diminuiu o espaço para preocupações com o passado. Com isso, caiu também o interesse geral pelo Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo – IHGSP, relegado a um segundo plano na pauta de prioridades das pessoas, instituições e órgão públicos.

Correto ou não esse diagnóstico, o fato é que o Instituto veio a cair numa grave crise administrativa e financeira, colocando em risco o patrimônio histórico de que é detentor e sua própria existência. Aliás, crise financeira com a qual o Instituto convive há vários anos, conforme reconheceu a própria diretoria em carta aos associados, admitindo, após mencionar que “a dramática situação financeira e administrativa” vinha de anos anteriores, que “o IHGSP estava próximo a soçobrar em mar de dívidas e se afogar na miséria financeira” (fls. 485).

8. Um primeiro sintoma do esfacelamento administrativo da entidade foi uma ação, proposta por Roberto Machado de Carvalho, membro e ex-presidente da instituição, tendo por objetivo impedir a delapidação de seu patrimônio historiográfico.

A inicial da medida cautelar proposta denuncia a realização de um leilão, na sede do Instituto, no qual seriam leiloadas peças raras do acervo do Instituto, em conjunto com outras, cujo a origem e propriedade não era adequadamente identificada. Segundo destacaram, a conduta de organizar tal leilão “é de afronta aos verdadeiros objetivos do Instituto” (fls. 09).

Cuidava-se de uma ação cautelar inominada, em face do Instituto, distribuída em junho de 2004, pela qual foi requerida liminar para impedir a realização do leilão que, segundo afirmado, alienaria bens raros pertencentes ao IHGSP, em contradição às finalidades e ao Estatuto social da entidade (fls. 06/14).

9.É significativo que esse litígio judicial tenha surgido por ocasião de um “leilão de livros, documentos raros e ‘memorabilia’” (vide fls. 666), a ser realizado na própria sede da entidade.

Mesmo que procedentes as alegações dos envolvidos de que as peças levadas a leilão não pertenciam ao IHGSP, como alegado no pedido de reconsideração reproduzido a fls. 86/96, não deixa de causar forte estranheza o envolvimento do Instituto, estaturiamente vocacionado à preservação de bens históricos, em um evento comercial como aquele, que em nada contribui com objetivos preservacionistas.

Compreende-se, nesse sentido, a insurgência do autor daquela medida judicial. Tais eventos apenas contribuem para emprestar valor de mercado a bens cujo valor é de natureza diversa, conduzindo à dispersão de coleções e perda de referência históricas, com prejuízo a toda a sociedade.

10. O autor da medida cautelar referida, posteriormente, representou a esta Promotoria de Justiça, pedindo providências que culminaram com a instauração do Inquérito Civil que instrui a inicial.

O leilão restou inicialmente obstado por ordem judicial (fls. 80), mas agravo de instrumento suspendeu a execução da medida liminar (fls. 188). A ação principal foi posteriormente proposta (fls. 328/343), mas teve denegado seu pedido de tutela antecipada (fls. 368).

11. A situação administrativa da entidade mostra-se ainda mais fragilizada diante de divergências surgidas entre a Presidência e o Sr. Secretário Geral da entidade, externadas no documento de fls. 413/417.

O Secretário Geral do Instituto, Desembargador Augusto Francisco Mota Ferraz de Arruda, tomou posse nessa função em agosto de 2004, de forma interina, para suprir a ausência do então Secretário que renunciara. Em janeiro de 2005, na condição de integrante da chapa eleita, tomou posse no mesmo cargo na condição de seu titular (vide relato de fls. 413).

O Sr. Secretário Geral, fizera a defesa pública da direção da entidade (fls. 495/496) e em seu discurso de posse tecera loas à Presidente reeleita em “emotiva saudação” (fls. 413).

No entanto, depois, veio a se arrepender.

12. Em decorrência do exercício das funções de seu cargo, o Dr. Augusto Ferraz Arruda deu-se conta da problemática situação administrativa da entidade e de uma série de atos, no mínimo questionáveis, que vinha adotando a Sra. Presidente da entidade. Procedeu, então, a apurações internas e desvendou uma série de irregularidades que descreveu minuciosamente no relatório encartado a fls. 464/493.

Para registrar e expressar seu inconformismo com a situação do Instituto e mais exatamente com as atitudes da Sra. Presidente, enviou cartas aos membros do IHGSP (fls. 413/417 e 462/463) e a seus Conselheiros e Diretores (fls. 449/455), bem como elaborou o detalhado relatório referido, disponibilizado aos sócios e remetido, com documentos, a esta Promotoria de Justiça (fls. 446/448).


Depois de grave incidente, no qual a maioria da Diretoria destituiu todos os diretores, com as cartas remetidas aos membros do Instituto, o E. Secretário Geral apresentou sua renúncia e pediu desligamento da entidade.

13. Ocorreu que, curiosamente, em reação aos fatos levantados pelo Sr. Secretário Geral, os demais membros da diretoria anteriormente eleita, renunciaram, em conjunto (fls. 854), mas no mesmo ato apontaram a Sra. Nelly Martins Ferreira Candeias “única encarregada e responsável pela gestão do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, devendo indicar mais duas pessoas de sua confiança para assessorá-la até a realização e posse de uma nova diretoria para o instituto” (fls. 853).

Continua o estranho documento, levado a registro no respectivo Cartório de Títulos e Documentos, que “competirá a (SIC) Doutora Nelly Martins Ferreira Candeias e aos seus auxiliares por ela nomeados a gestão plena do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, devendo apenas eles, investidos de plenos poderes, tomar toda e qualquer providência de cunho administrativo e operacional que se faça necessária para o bom andamento do Sodalício” (fls. 853, sem destaque no original).

Não bastando a própria renúncia, deliberaram os Ilustres Diretores renunciantes extirpar qualquer direção lícita e validamente constituída da entidade, estabelecendo que “em função de não haver, ao final desta, número mínimo de Diretores e Conselheiros para gestão do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, fica destituída a Diretoria e o Conselho e encerrado seu mandado, a partir desta data (também fls. 853, sem destaque no original).

14. Este ato, de absoluta ilegalidade, como se demonstrará a seguir, destituindo órgãos legitimamente constituídos da entidade e criando ad hoc a figura de uma plenipotenciária para gerir o Instituto, claramente deixou-o sem uma regular administração, a ensejar a necessidade da nomeação judicial de um administrador provisório até a regularização da situação associativa da entidade.

15. Posteriormente, apenas piorando a situação associativa da entidade, a plenipotenciária do Instituto convocou eleições para nova composição da diretoria da entidade, mas o fez de forma incompleta e desastrada.

Preservando seu cargo, do qual havia sido destituída por ato da anterior diretoria (fls. 853), a “Presidente” do Instituto convocou eleição apenas para os cargos de vice-presidente e de diretores integrantes do conselho de administração, para ocuparem mandato tampão até o término do triênio em curso (fls. 1.186).

No mínimo estranho. O ato que destituíra a diretoria, afetara também a Presidência. Tanto é que nomeara, no mesmo ato, uma “responsável pela gestão do Instituto”. Ainda mais, ao destituir a diretoria considerou ”encerrado seu mandato”, não se justificando a convocação de eleições apenas para o prazo restante.

Ora, ou considera-se o ato de destituição da diretoria válido, muito embora em afronta direta ao artigo 114, alínea “a”, do Estatuto Social da entidade (fls. 1.202), e com isso convoca-se eleição geral, inclusive para o cargo de presidente, para mandato completo ou reputando-o inválido, aguarda-se o prazo trienal nos termos do artigo 38, do mesmo estatuto (fls. 1.195), apreciando apenas a questão das renúncias.

II. C. Os riscos ao acervo do IHGSP

16. Conforme o destacado acima (subtítulo II.A.), o Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo – IHGSP é possuidor documentos, livros e outras peças históricas que compõe um significativo acervo, de valor e referência para a memória e identidade do povo paulista e brasileiro.

17. Cabe mencionar inicialmente que em novembro de 2000, o IHGSP inscreveu-se junto a Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado de São Paulo – FAPESP, uma das mais prestigiosas agências de fomento à pesquisa da América Latina, para receber auxílio à infra-estrutura de pesquisa, auxílio este, que abrangia a recuperação, modernização, descrição e viabilização do acesso à hemeroteca e aos arquivos do IHGSP (vide Anexo II, “Processo Científico”).

Tal auxílio se justificava pela relevância e contribuição que o IHGSP proporciona à pesquisa científica e à comunidade acadêmica, assim como descreve o coordenador do projeto proposto, Sr. Frederico Alexandre de Moraes Hecker, no documento enviado à FAPESP:


“O Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, entidade cultural de caráter privado e sem fins lucrativos, fundado em 1894 pela elite política e intelectual paulista, constituiu-se na principal instituição histórica de São Paulo durante as primeiras décadas do século XX. O IHGSP vem amealhando ao longo do tempo uma infinidade de referências, documentos e objetos que compõem uma riqueza inesgotável de dados para o conhecimento da historia paulista e brasileira. Entretanto, o estado precário de conservação de tal acervo – no qual muitos pesquisadores contemporâneos, brasileiros e estrangeiros, já colheram dados e reuniram informações essenciais para a composição da história nacional na atualidade – deve preocupar toda a comunidade acadêmica. Faz-se necessária uma reformulação, ou mesmo, uma recuperação dessa riqueza documental em vias de decomposição, além de sua plena disponibilização pelos meios eletrônicos” (sem destaque no original).

Nesse mesmo projeto apresentado à FAPESP, as condições de conservação dos documentos do IHGSP são descritas da seguinte maneira:

“Todo esse rico manancial acima descrito encontra-se armazenado em tão precária condição que chega mesmo a estar em risco sua própria integridade física. Por outro lado, variadas formas de classificação foram adotadas ao longo do tempo, causando uma confusão inaudita: ausência de tombamento completo; armazenamento precário e prejudicial à conservação (os relativamente poucos microfilmes disponíveis estão guardados em armários inadequados); inexistência de climatização necessária à preservação dos papéis etc. Dadas essas condições, até mesmo a limpeza do material tem sido insuficiente, contribuindo para a sua rápida deterioração. Some-se a isso tudo talvez o mais dramático dos problemas com os quais convive o acervo: a fiação elétrica é visivelmente precária e não está de todo descartada a hipótese de ocorrência de uma calamidade nos locais destinados ao depósito dos jornais e arquivos.” (sem destaques no original)

18. O auxílio foi concedido pela FAPESP pelo período de setembro de 2001 a agosto de 2002, totalizando R$132.918,00 (cento e trinta e dois mil e novecentos e dezoito reais) para a aquisição de material permanente e pagamento de uma arquivista (vide Anexo II, “Processo Administrativo”).

Conforme a prestação de contas realizada pelo Instituto, tal auxílio foi utilizado para adquirir novos arquivos e outros bens necessários para a conservação e manutenção do acervo, tais como desumidificadores, aspirador de pó, computadores, copiadora, bem como o pagamento de uma arquivista pelo período de quatorze meses.

Apesar de tais investimentos, a conservação do acervo do Instituto, em maio de 2005, apresenta as mesmas condições da época da concessão do auxílio, como descreve o laudo técnico de fls. 1.147:

“O acervo está amontoado pelos cômodos, inclusive os livros; mesmo as obras raras, colocadas em estantes, em cima de mesas, em pacotes; armários onde objetos seculares se misturam com mobiliário de estilo, quadros a óleo de personalidades históricas estão colocadas de tal maneira que entravam a passagem, muitas vezes, à mercê de poeira, traça, cupim, umidade, fungos.” (sem destaque no original)

19. O Relatório Histórico e Correcional realizado pelo Secretário Geral Dr. Augusto Francisco Mota Ferraz de Arruda em março de 2005, traz notícias de descarte de mapas e obras raras pertencentes ao IHGSP (fls. 489).

Por este motivo, foi realizado um levantamento das obras faltantes na seção de livros raros da biblioteca do IHGSP, por iniciativa do Sr. Gabriel Moore Forell Bevilacqua, que na ocasião utilizava o acervo do IHGSP como pesquisador (fls. 554).

Tal levantamento tece as seguintes considerações:

“Durante este levantamento foram encontrados vários exemplares guardados fora de ordem. Também foi notada a existência de inúmeros livros não tombados ou com o tombamento normal da biblioteca (sem a numeração de livro raro). Possivelmente, vários dos volumes encontrados se acham fora de ordem na própria biblioteca. Para uma consideração final sobre o estado da seção de livros raros da biblioteca do Instituto Geográfico de São Paulo seria necessário uma procura mais apurada em todo o seu acervo” (sem destaque no original).

Essas considerações demonstram a total falta de controle e organização do Instituto no cuidado do seu acervo composto por diversas obras raras de grande importância para o patrimônio histórico e cultural paulista.


20. Segundo a declaração do Sr. Gabriel (fls.555/556), ele trabalhou como assistente de pesquisa em um projeto sobre a história da cidade de São Paulo, que utilizou o acervo do Instituto entre meados de 2002 e final de 2004.

Neste mesmo período, o Sr. Gabriel realizou trabalhos independentes de levantamento bibliográfico e cartográfico para o IHGSP, contratados pela Sra. Nelly e por outros sócios.

O Sr. Gabriel relata que no período que freqüentou os acervos do Instituto como pesquisador, ajudou, juntamente com outros colegas de trabalho do mesmo projeto, “a acondicionar, transportar e higienizar parte do acervo da mencionada hemeroteca”.

Destacando ainda que:

“Durante esse processo pude perceber o descaso da diretoria por esse magnífico acervo. Graças aos nossos esforços, somados ao de Gustavo Hecker (bolsista da FAPESP que trabalhava no projeto de reestruturação e modernização do acervo e de sua estrutura funcional) pudemos salvar alguns periódicos que haviam sido descartados indevidamente pelo Sr. Collet (homem de confiança da Dra. Nelly, que foi o responsável pela implementação de algumas das mudanças impensadas concebidas pela diretoria). Mais tarde, quando o Instituto recebeu a doação da grandiosa biblioteca do falecido Dr. Délio, o descaso e a ignorância puderam ser ainda mais claramente verificados. O referido Sr. Collet, autorizado pela Dra. Nelly iniciou o descarte de obras da biblioteca supramencionada. Cabe aqui colocar que não houve a participação de especialistas na efetuação do descarte. Não foram consultados nem bibliotecários, nem historiadores aptos a fazê-lo e por mais absurdo que pareça, o descarte foi feito sem a consulta ao acervo da biblioteca do próprio Instituto.” (grifo nosso)

21.Em um esforço para salvar obras raras e importantes do lixo, o Sr. Gabriel tomou as seguintes providências:

“depois que o descarte era realizado e os livros eram separados para serem jogados fora, eu os carregava e os escondia dentro do próprio Instituto para aguardar o melhor momento de recolocá-los na biblioteca do Instituto.”

O Sr. Gabriel declarou também, que dentre as aproximadas dez caixas cheias de publicações que escondeu, foram resgatados obras de Afonso Taunay e quatro volumes da obra “História da Caricatura no Brasil” de Herman Lima.

Ele também enfatizou que a diretoria entendeu que “todas as obras de direito existentes na biblioteca do Dr. Délio não eram dignas de serem preservadas (…) Lembro-me que os livros de direito foram tratados com enorme desprezo, por terem sido caracterizados como ultrapassados, como se a história de nossas leis não fosse digna de estudo. Atenho-me aos livros de direito pois muitos foram de fato para o lixo, pois apesar do meu empenho não pude salvar todos os livros descartados”.

22. O mesmo Relatório Histórico e Correcional realizado pelo Secretário Geral Dr. Augusto Francisco Mota Ferraz de Arruda, também noticia sérias suspeitas e indícios não desprezíveis de que entre as peças e obras de um leilão sediado no IHGSP eram bens pertencentes ao Instituto (fls. 488).

Este leilão, já referido no item II.B., restou suspenso, em primeiro momento, face a uma medida cautelar inominada, que posteriormente foi suspensa por um agravo de instrumento.

No entanto, a declaração do Sr. Brás Ciro Gallota (fls.627), que foi auxiliar da hemeroteca do Instituto até meados de 2002, atesta que ele reconheceu:

“(…) algumas fotografias existentes no catálogo do leilão como peças afins do Instituto, tendo, inclusive manuseado-as na sede da biblioteca. Mais, declaro que o Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, possui museu com peças da revolução de 1932, como medalhas, quadros, cartas, estampas e outras obras de arte como as que estão sendo leiloadas. Também, que o referido Instituto possui sessão de peças museológicas relativos à Santos Dumont como os que estão sendo leiloados.”


Ademais, ele pondera que tal identificação não pode ser precisa pois:

“(…) devido a falta de recursos muitas peças pertencentes ao Instituto, recebidas em sua maioria em doação, não foram catalogadas ou carimbadas ou de qualquer forma registradas nos livros e instrumentos legais do Instituto, sendo certo que as fotografias pertencentes ao Instituto não são catalogadas.”

Esta declaração, torna mais uma vez evidente a falta de cuidado e organização do Instituto frente ao valioso acervo que possui, permitindo que obras raras fiquem perdidas em suas dependências ou até mesmo saiam dela sem qualquer controle.

23. Ainda quanto à desorganização do acervo do Instituto, a Sra. Silvana Gravito de Carvalho, que trabalhou no IHGSP no período de fevereiro de 2004 a agosto de 2004, declarou:

“No 6º andar, lado direito de quem sai do elevador, foi montado um museu pelo Sr. Collet, e neste espaço estavam as doações efetuadas pelas famílias do Dr. Délio (biblioteca particular), como também doações efetuadas pela família do teatrólogo Dr. Alfredo Mesquita, deixado em testamento, pelo próprio, ao IHGSP, manuscritos, postais e cartões antigos, cartas pessoais, documentos estes que não haviam sido catalogados motivo pelo qual encontravam-se neste espaço.” (fls. 799/801).

Cabe aqui ressaltar, que o museu do Sr. Collet tem como tema a Pré-História brasileira e possui um ateliê de restauração de peças pré-históricas. Desta maneira, fica claro que este museu não é um lugar apropriado para guardar obras doadas e ainda não catalogadas.

A Sra. Silvana, da mesma forma que o Sr. Gabriel Bevilacqua, também relata os acontecimentos do descarte de documentos autorizado pela Sra. Nelly e realizado pelo Sr. Collet:

“O Sr. Adelson [funcionário do IHGSP] me informou que por duas vezes o Sr. Collet, juntamente com a Sra. Presidente mandou que ele colocasse os livros da biblioteca do Sr. Délio no lixo, onde (SIC) falou com os estagiários Gabriel e Gustavo Hecker sobre o ocorrido, e começaram a ‘esconder’ esses documentos pelo próprio Instituto (2º e 8º andares), para depois devolver para a biblioteca.”

Mais uma vez, o relato da falta de controle da entrada e saída do acervo do Instituto:

“Foi retirado do Instituto em 23.03.04, pela Sra. Presidente e Sra. Liliana, para exposição no Maksoud Plaza, alguns materiais, dentre eles um jornal ‘O Estado de São Paulo’ todo encadernado, que até o dia da minha saída no Instituto, não tinha sido devolvido. Foi retirado também do Instituto em 28.07.04, quatro caixas de livros da biblioteca pela Sra. Assahi (funcionária do Sr. Jorge Caldeira). Quantos, quais e que livros? Não sabemos (…). Assim como o próprio Sr. Jorge Caldeira nos enviou uma relação contendo 205 (duzentos e cinco) documentos que o mesmo levou da biblioteca entre Revistas do IHGSP, Registro Geral da Câmara de São Paulo, Inventário e Testamentos, documentos interessantes, Atas da Câmara da Vila de São Paulo (…).”

24. As informações trazidas pelo Relatório Histórico e Correcional, realizado pelo Secretário Geral, conta que logo nos primeiros dias de sua posse, constatou um grande número de livros no elevador:

“Indagando o funcionário senhor Carlos a respeito da procedência daqueles livros, ele me relata que teriam sido doados pela família do senhor Tibiriçá algum tempo atrás e que ele, funcionário, estava separando-os, por ordem da senhora Presidente, para a colocação à venda no sebo do Instituto, esclarecendo que os livros eram todos repetidos e sem valor histórico (sem destaque no original). (fls. 467).

25. Descreve, ainda, as providências que tomou na tentativa de impedir que obras do IHGSP saíssem sem qualquer controle:

“Mas mesmo assim, já no dia seguinte, 28 de janeiro [de 2005], dentro de minha competência administrativa, expedi a Ordem de Serviço n. 01/05 proibindo expressamente a entrada e saída de livros, papéis e coisas do Instituto sem que fossem devidamente registradas na Secretaria, assim como a entrada de documentos e correspondências somente por meio de respectivo protocolo” (sem destaques no original).

No entanto, tal tentativa restou infrutífera :

“(…) mais estranha e duvidosa foi a conduta da senhora Presidente, quando, já na terça-feira, dia 31 de janeiro [de 2005], ao ingressar no Instituto para participar da primeira reunião do que seria o Conselho de Administração, foi-me comunicado pelos funcionários Rosemeire Cicolani e Carlos Alberto de Araújo que a Ordem de Serviço n. 01/05 fora tirada do Quadro Geral de Avisos pela senhora presidente, dizendo que quem mandava no Instituto era ela. Muito embora, mesmo depois dos diretores presentes terem avalizado a minha Ordem de Serviço por mais três vezes seguintes a mesma Ordem fora retirada pela senhora Presidente(sem destaque no original) (fls. 512/513, 515/517).


26. O acervo histórico do IHGSP sofreu uma perda inestimável com a venda do quadro “Fortaleza de Cabedello” de Benedito Calixto, obra doada pelo próprio artista ao Instituto e tombada pelo CONDEPHAAT (fls. 1.164). Perda essa justificada pela presidente do Instituto como uma necessidade para reverter as dívidas do IHGSP.

A justificativa para tal venda seria o débito de R$ 311.000,00 (trezentos e onze mil reais), apontado pela Sra. Nelly, e que seria amenizado pela venda do quadro no valor de R$ 135.000,00 (cento e trinta e cinco mil reais).

No entanto, como demonstram os balanços financeiros (fls. 526/536), as dívidas do IHGSP somavam em 2003 o valor de R$ 141.513,51 (cento e quarenta e um mil, quinhentos e treze reais e cinqüenta e um centavos) de uma dívida fiscal, dívida esta que já estava sendo paga em prestações mensais. Junte-se a esse fato doação feita pela empresa Siemens no valor de R$ 8.000,00 (oito mil reais). Assim, fica claro que a situação alegada pela senhora Presidente não justificava a venda do quadro.

27. Mesmo diante dessa situação, a Presidente do IHGSP fez a proposta de venda dessa importante obra, na sessão administrativa de 7 de maio de 2003, sem obter autorização da diretoria (fls.595/596); outras tentativas foram feitas nas sessões dos dias 2 de julho, 6 de agosto e 15 de outubro de 2003, sem qualquer sucesso (fls. 578/581, 590/592).

No entanto, a Presidente entendeu que houvera autorização tácita dos diretores e empreendeu uma consulta dos sócios pelo correio, sem qualquer discussão em assembléia. Através dessa consulta entendeu que a venda poderia ser realizada, cabendo ressaltar a inexistência desse mecanismo de consulta no estatuto.

A venda do quadro em leilão foi realizada no dia 4 de dezembro de 2003 (fls.601), sendo que o quadro foi arrematado pelo valor de R$ 50.000,00 (cinqüenta mil reais), e o valor recebido pelo IHGSP foi de R$ 42.500,00 (quarenta e dois mil e quinhentos reais), pois foi descontada a percentagem de 15% pela comissão do leiloeiro.

Entretanto, o valor estimado do quadro era de R$ 60.000,00 (sessenta mil reais) conforme o laudo de avaliação de fls. 598. Ademais, a organização do leilão já estava ocorrendo mesmo antes da proposta ser feita à diretoria e ser aceita, como demonstram os documentos de avaliação do quadro que datam de antes de maio de 2003 (fls. 598).

Mesmo a venda tendo sido justificada pelas dívidas do IHGSP e embora tenha sido realizada por valor abaixo daquele avaliado, o dinheiro recebido não foi utilizado para saldar débitos em aberto, mas depositado na conta do Instituto como investimento (fls.529).

II.D. As providências adotadas no âmbito do Inquérito Civil

28. O Inquérito Civil que instrui esta inicial foi instaurado a partir da representação formulada pelo Sr. Roberto Machado de Carvalho, sócio e ex-presidente do IHGSP.

29.O IHGSP apresentou sua manifestação nos autos do Inquérito Civil, reiterando em sua defesa, os termos de suas peças da referida ação cautelar inominada, proposta pelo representante contra o Instituto (fls. 245/252, 253/264, 281/299 e 381/399).

Posteriormente, o Secretário Geral do IHGSP, o Desembargador Augusto Francisco Mota Ferraz de Arruda, enviou relatório sucinto que demonstra a importância histórica e cultural do acervo (fls.409/412), bem como documentos que relatam sua renúncia ao cargo e sua motivação (fls.413/417).

30.O Departamento do Patrimônio Histórico da Prefeitura de São Paulo – DPH, informou que estava aguardando o envio de lista de bens móveis e imóveis pelo IHGSP para poder verificar seu tombamento. No entanto, o IHGSP não atendeu a solicitação do DPH (fls. 421/422 e 924).

31. O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN, informou que não existe qualquer imóvel ou móvel tombado ou em processo de tombamento pertencente ao IHGSP (fls. 423).

Quanto ao CONDEPHAAT, este ainda não prestou as informações solicitadas por esta Promotoria de Justiça (fls. 1.134).

32. Foi realizada por esta Promotoria de Justiça, vistoria no IHGSP em 18 de abril de 2005. A vistoria foi acompanhada pela Presidente do IHGSP, Sra. Nelly Candeias, pelo ex-membro da diretoria, Sr. Geraldo de Andrade Ribeiro Júnior, pelo autor da representação inicial, Sr. Roberto Machado de Carvalho, e pelo historiador designado como Assistente Técnico, Sr. Lincoln Etchebéhère Júnior (fls.1126/1128).


Posteriormente, o Assistente Técnico designado apresentou laudo técnico de avaliação que fora solicitado por esta Promotoria de Justiça. Este laudo descreve a situação do IHGSP, no tocante a importância histórica e cultural de seu acervo, bem como suas condições de preservação (fls.1.135/1.149).

II. OS BENS JURÍDICOS AMEAÇADOS

33. A presente ação, como dito de início,[3] tem por objeto obter medidas judiciais em proteção do acervo do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo – IHGSP e a integridade e regularidade da própria entidade detentora desses bens de valor cultural inegável.

Assim, convém indicar os bens aos quais se pretende proteger por meio da presente ação em nome dos interesses difusos relacionados à preservação do patrimônio histórico e artístico brasileiro, bem como da regularidade das relações associativas.

A esse propósito, pretende-se, em primeiro lugar, a tutela jurisdicional para proteção do acervo da entidade demandada em razão de bens individualmente considerados, mas, sobretudo, em virtude de seu conjunto. Em segundo, mas não com menor importância, pretende-se proteger a própria entidade, como organização social de máxima relevância aos fins para os quais se presta.

34. Em última análise, o bem cultural que se pretende preservar é a própria memória do povo paulista e brasileiro.

Os registros de história e geografia angariados pelo Instituto ao longo de sua existência centenária possuem uma importância imaterial, constituindo elemento essencial de referência para todos aqueles que pretendam estudar ou simplesmente conhecer a história de nosso povo.

Esse elemento imaterial é fundamental, pois a formação da identidade dos vários grupos que compõem a sociedade de nosso país, que a Constituição Federal quer preservar (artigo 216, caput), se faz exatamente através do conhecimento do passado comum, do saber como viveram aqueles que nos antecederam.

Nesse sentido, o acervo do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo – IHGSP constitui um importante patrimônio cultural brasileiro, transcendente a seus titulares diretos, posto serem referência essencial à memória e identidade do povo paulista e brasileiro.

35. Patrimônio, assim, tem um significado em muito diferente as noções usuais do Direito Real. A noção de patrimônio cultural, abrangendo o histórico e artístico, deve ser entendida a partir do reconhecimento da afetação coletiva de bens, que, por sua natureza, passam a ter um relação de pertinência com toda uma coletividade de interessados.

Com bem destacou a esse propósito Maria Cecília Londres Fonseca, “no caso dos patrimônios históricos e artísticos nacionais, o valor que permeia o conjunto de bens, independentemente de seu valor histórico, artístico, etnográfico etc., é o valor nacional, ou seja, aquele fundado em um sentimento de pertencimento a uma comunidade, no caso a nação”.[4]

Importa também sobre esse assunto a conclusão da autora citada:

“fica claro que o âmbito de uma política de preservação do patrimônio vai muito além da mera proteção de bens móveis e imóveis em sua feição material, pois, se as coisas funcionam como mediação imprescindível dessa atividade, não constituem, em princípio, a sua justificativa, que é o interesse público, nem seu objeto último, que são os valores culturais”.[5]

36. O acervo do Instituto possui bens notáveis, cuja valia e necessidade de proteção vêm de sua consideração individual, como é o caso de livros raros, mapas únicos e quadros, como os que foram objeto de tombamento pelo CONDEPHAAT (fls. 1.164).

No entanto, a grande importância desses bens vem de seu conjunto, do acervo considerado como uma totalidade. Não por outra razão que a Constituição Federal estabelece em termos precisos a proteção do patrimônio cultural brasileiro para “os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto (art. 216, caput, sem destaque no original).

Não interessa, em absoluto, permitir a dispersão de fontes de referências históricas, indispensáveis para a formação da memória e da identidade cultural de uma dada comunidade. Imagine-se, por hipótese, que os bens integrantes do patrimônio histórico e artístico do Instituto fossem dispersos, ainda que com garantia de sua preservação física, por algumas centenas ou milhares de detentores. Teria algum valor social a preservação desses bens nessas condições? Seguramente não.


O interesse público está na preservação do conjunto, da totalidade dos bens, a permitir um adequado acesso aos fatos, idéias, tradições, costumes e maneiras ocorridos ou existentes em momentos passados. Apenas com a manutenção conjunto de bens componentes do acervo e de sua integridade é possível conservar o interesse da coletividade nesses bens.

37. Aliás, esses objetivos de preservação são parte do objeto social do próprio Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo – IHGSP, que tem entre suas finalidades a de “defender e preservar a memória e as tradições paulistas” (artigo 2º, inciso II, do estatuto social, fls. 1.190).

Assim, quando se constata que essa instituição está envolvida em leilão de bens históricos de duvidosa idoneidade e se acumulam as denúncias de desvios, descontrole e venda irregular de bens do Instituto, como descrito acima,[6] verifica-se a necessidade e a conveniência de se reconduzir essa associação civil aos trilhos de seus objetivos sociais, que a levaram, de há muito, ao reconhecimento como entidade de utilidade pública estadual e federal.[7]

Um dos objetivos da presente ação é, portanto, recuperar as condições para que a gestão associativa volte a corresponder aos objetivos estatutários do Instituto, de forma a recuperar suas relevantes funções públicas e sociais.

38. Pelo que ser verifica acima,[8] a situação associativa da instituição é a mais precária possível. Após seguidas denúncias graves, primeiro por parte de um ex-presidente, depois partindo do Secretário Geral da própria entidade, a gestão administrativa da associação se desmantelou por completo, remanescendo em mãos de quem era exatamente o alvo de todas as críticas.

O desastrado ato de renúncia e destituição, tomado pela maioria do Conselho de Administração da entidade (fls. 853/854), sem respaldo legal ou estatutário, retirou definitivamente da entidade qualquer administração regular.

Para complicar, a acusada de ser responsável por todas as irregularidades, foi levada à condição de plenipotenciária e, nessa condição, convocou eleição de forma também inteiramente indevida. Apesar da destituição coletiva, abrangente também do cargo de Presidente, sua detentora conservou tal cargo e convocou eleição para as demais posições do Conselho de Administração. Ainda mais, contrariamente à própria decisão que ensejara a necessidade de uma eleição, convocou-a apenas para mandato correspondente ao término do mandato anteriormente iniciado.

39. Em razão dessas reiteradas irregularidades na constituição do quadro dirigente da entidade, verifica-se faltar-lhe administração regular. Sendo pessoa jurídica formalmente constituída, tal situação justifica a intervenção judicial com a finalidade nomear-lhe administrador com a finalidade de sanar as mazelas associativas da entidade.

É o que expressamente estabelece o artigo 49 do Código Civil

“Se a administração da pessoa jurídica vier a faltar, o juiz, a requerimento de qualquer interessado, nomear-lhe-á administrador provisório”

Se a qualquer interessado cabe requerer tal medida, o que certamente se faz no interesse da preservação da pessoa jurídica e de suas funções sociais – especialmente relevantes no caso presente –, com mais razão tal mister compete também ao Ministério Público, que ocupa relevante função na preservação das regularidade das associações e sociedades.[9]

40. Com efeito, há um interesse geral na preservação das pessoas jurídicas. Afinal, estas são um modo de organização fundamental da sociedade contemporânea.

Da mesma maneira que se reconhece à empresa o princípio da preservação,[10] segundo o qual se deve buscar preservar essa estrutura societária em razão de suas importantes funções sociais, com mais razão deve-se permitir medidas destinadas à preservação de associações como a demandada, de reconhecida utilidade pública.

Assim, lícito e razoável aceitar a intervenção judicial para se evitar o colapso associativo desse tipo de entidade, nos termos do que se pretende, entre outras medidas, por meio da presente ação.


IV. A PROTEÇÃO JURÍDICA AOS BENS AMEAÇADOS

41. Os bens de valor histórico e artístico são objeto de proteção constitucional. Sua proteção independe de qualquer outra medida legal ou administrativa.

O texto constitucional expressamente estabelece que

constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira” (artigo 216, caput, da Constituição Federal).

Complementa a Constituição Federal, no mesmo dispositivo, que se incluem entre esses bens “as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais” (sem destaques no texto normativo).

42. Note-se que se extrai do próprio texto da Constituição a especial qualificação jurídica, emprestada aos bens portadores de referência à identidade e memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira. Sua proteção não está condicionada a qualquer ato formal ou administrativo. São as características do bem, em seus liames com a cultura e história da coletividade, que determinam a aplicação da proteção constitucional.

Vale dizer, a teor do texto constitucional, que o bem que por sua natureza e características possua valor histórico ou cultural, integra, conforme o mandamento constitucional, o “patrimônio cultural brasileiro”, submetendo-se a um regime de proteção especial, destinado à sua preservação.

43. A Constituição Federal prevê ainda que o “Poder Público, com a colaboração da comunidade, protegerá o patrimônio cultural brasileiro”, enumerando várias formas pelas quais sua proteção pode ser realizada – entre elas o tombamento -, sem prejuízo de “outras formas de acautelamento e preservação” (216, §1º).

Tal dispositivo deixa patente a possibilidade de preservação por outras formas que não aquelas expressamente indicadas, entre as quais há de se incluir a proteção judicial, como garantia de participação comunitária e do devido “acautelamento” necessário à proteção dos valores coletivos consubstanciados nos bens protegidos a partir de suas características intrínsecas.

O tombamento administrativo é um dos instrumentos de proteção dos bens de valor cultural do povo brasileiro, mas não é o único. Sendo a proteção de bens dessa natureza decorrente da própria Constituição Federal, nada impede o reconhecimento e declaração judicial do valor dos bens constitucionamente protegidos, inclusive com a determinação das providências necessárias à preservação desses bens, como a sua inscrição no livro de tombo respectivo.

44. Os bens qualificados como integrantes do patrimônio cultural brasileiro, por força do mandamento constitucional, possuem uma função social taxativamente colocada, com direta repercussão sobre o regime de propriedade, reduzindo as prerrogativas de uso, gozo e disposição de seu proprietário. Esse fica vinculado à obrigatoriedade de preservação dos valores de natureza coletiva presente naquele patrimônio de titularidade privada.

Com maior razão, essas restrições ao direito de propriedade se aplicam àquelas entidades que têm como objeto social a preservação de bens dessa natureza. Essas limitações à propriedade são perfeitamente congruentes com o regramento constitucional da propriedade que deflui do artigo 5º, inciso XXIII, da Carta Magna, segundo o qual “a propriedade atenderá a sua função social”.

Tal função social que em outros bens é genérica, dizendo respeito à inserção da propriedade nos processos de produção e reprodução social, em relação aos bens de valor histórico e cultural é específica, dizendo respeito à obrigação de sua preservação como referência da identidade histórico-cultural da sociedade brasileira.

Reconhecidas as características pelas quais se determina o valor coletivo do bem, impõe-se ao proprietário uma espécie de gravame, de ordem pública, limitador do gozo e fruição da propriedade, os quais passam a estar condicionados à obrigatória preservação do interesse social contido naquele bem.

45. O variado acervo que é objeto da presente ação insere-se perfeitamente na categoria prevista constitucionalmente, como patrimônio cultural de nosso povo.

Como visto acima e expressamente indicado no parecer técnico de fls. 1.135/1.149, os bens constantes do acervo que se pretende preservar por meio da presente ação, e sua própria integralidade, constituem registro indispensável da memória e identidade do povo paulista e brasileiro.


Os bens em questão, portanto, enquadram-se na cláusula protetiva constitucional, sendo de rigor sua preservação para a memória e identidade da presente e das futuras gerações.

V. PEDIDOS LIMINARES

V.A. Das situações ensejadoras do deferimento liminar

46. Tratando-se de pedido de tutela específica, consistente na imposição aos demandados de obrigações de fazer (realizar registro no livro de tombo e realizar nova eleição) e não fazer (não vender, emprestar para uso externo, locar, doar ou retirar de sua sede), é aplicável o disposto no parágrafo 3º, do artigo 461, do Código de Processo Civil.

Presente, na espécie, a relevância do fundamento da demanda e o justificado receio de ineficácia do provimento final.

47. Os danos combatidos pela presente ação são irreparáveis ou de dificílima reparação.

A venda, desvio ou simples perda de bens de valor cultural levará a situação de absoluta irreparabilidade.

Não existindo cadastro completo e atualizado do acervo e não havendo um sistema de controle minimamente organizado e eficaz, a subtração de peças ou obras artísticas e históricas do Instituto, por qualquer forma, torna impossível sua recomposição ao estado anterior. Seja pela raridade dos bens, seja pela falta de registros completos e confiáveis, seria inteiramente inviável recompor a integridade do acervo adquirido em um trajetória centenária.

Dessa forma, é fácil a percepção de que o deferimento de medida liminar, determinando medidas fundamentais para a preservação dos bens culturais ameaçados, é essencial para garantir a eficácia do provimento jurisdicional buscado pela presente ação.

Destaque-se que as medidas interventivas na administração da entidade são essenciais para eficácia e efetividade das medidas de preservação do patrimônio, pois exatamente na precariedade daquela está nas raízes dos problemas causadores dos riscos aos bens cuja defesa se pretende.

48. A demanda apresenta, também, fundamento de máxima relevância pública e social.

Com efeito, cuida-se de garantir a preservação de acervo, como demonstrado acima, de grande importância para memória e identidade do povo paulista e brasileiro, representando referência única a esse propósito.

A recondução do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo – IHGSP a uma situação de regularidade administrativa é também valor fundamental, pelo que representa para São Paulo e para o Brasil essa tradicional instituição.

V.B. Os pedidos liminares formulados

49. Ante o exposto nos Subtítulos anteriores, demonstram-se presentes os requisitos necessários ao deferimento das medidas antecipatórias para garantir o resultado concreto da presente ação.

Aguarda-se, dessa forma, o deferimento de medida liminar, inaudita autera pars, para:

a. nomear administrador provisório para a entidade demandada, sugerindo-se que para essa função seja designada a Secretaria de Estado da Cultura, que deverá indicar ao juízo funcionário específico de seu corpo técnico, sob sua responsabilidade, para assumir a administração provisória da entidade, promovendo de imediato as medidas emergenciais necessárias à preservação e controle do acervo da entidade, proceder à atualização do cadastros de bens históricos e artísticos, indicando aqueles eventualmente não localizados, e, posteriormente, convocar novas eleições nos termos do previsto nos estatutos sociais;

b. proibir a venda, empréstimo para uso externo, locação, doação ou retirada de sua sede qualquer bem do acervo histórico e artístico da entidade, sob pena de multa aplicável aos responsáveis diretos, nos termos do artigo 14, inciso V e parágrafo único, do Código de Processo Civil, sem prejuízo de outras medidas necessárias para a efetivação da tutela específica, previstas no artigo 461 do mesmo diploma legal.

Ressalta-se que as liminares pleiteadas não são contra a Fazenda Pública, não sofrendo, por esta razão, qualquer restrição, ou devendo obedecer a qualquer requisito específico.


VI. PEDIDO PRINCIPAL

50. Ante todo o exposto, requer-se a citação dos demandados, na pessoa de seus representantes legais, conforme indicado no parágrafo inicial, para, sob pena de revelia, contestarem a presente ação, que ao final deverá, sem prejuízo da condenação em custas e demais despesas processuais, inclusive honorários do Assistente Técnico do Ministério Público, ser julgada procedente para:

50.a) declarar:

50.a.1.) o valor cultural para o povo brasileiro do acervo histórico e artístico do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo – IHGSP, composto de documentos, biblioteca, mapas e plantas, museus, hemeroteca e peças de variada natureza e materiais, reconhecendo-os como patrimônio cultural brasileiro, nos termos do artigo 216, caput, da Constituição Federal;

50.a.2.) a nulidade, por ilegalidade e falta de respaldo estatutário, da eleição marcada para o dia 22 de junho de 2005 (fls. 1.186) ou outra que tenha vindo a se realizar com o propósito de eleger novos membros do Conselho Administrativo, para conclusão do triênio 2005-2008;

50.a.3.) a nulidade, por ilegalidade e falta de respaldo estatutário, do ato de destituição de todos os integrantes do Conselho Administrativo, promovida pela maioria desse órgão (fls. 853/854);

50.a.4.) a situação de falta de administração regular da associação, com conseqüente afastamento de sua presidente Presidente;

50.b.) condenar a associação ré nas obrigações de fazer e não fazer consistentes em:

50.b.1.) não vender, emprestar para uso externo, locar, doar ou retirar de sua sede qualquer bem do acervo histórico e artístico da entidade, sem prévia realização de cadastro e definição de critérios para descarte de peças do acervo, sob pena de multa aplicável aos responsáveis diretos, nos termos do artigo 14, inciso V e parágrafo único, do Código de Processo Civil, sem prejuízo de outras medidas necessárias para a efetivação da tutela específica, previstas no artigo 461 do mesmo diploma legal;

50.b.2.) realizar eleição para nova composição do quadro dirigente da entidade, nos estritos termos de seu Estatuto Social;

50.c.) condenar o Estado de São Paulo a:

50.c.1.) promover o registro no Livro de Tombo do Estado do acervo do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo – IHGSP, conforme cadastro a ser realizado, por seu valor histórico, artístico e paisagístico;

50.c.2.) adotar as providências necessárias e emergenciais para o resguardo do acervo objeto da presente ação.

51. Requer-se, outrossim, a concessão da tutela específica nos termos do artigo 461, caput e parágrafos, do Código de Processo Civil, para determinar aos demandados as prestações em espécie acima arroladas, consistentes em obrigações de fazer e de não fazer, com a fixação das medidas judiciais necessárias (parágrafo 5º, do dispositivo mencionado), inclusive com a imposição de multa aos responsáveis pelo descumprimento da ordem judicial de que trata o artigo 14, inciso V e parágrafo único, do Código de Processo Civil.

52. Protesta provar o alegado por todos os meios de prova em direito admitidos, notadamente juntada de documentos, depoimento pessoal dos representantes legais da demandada, de testemunhas a serem oportunamente arroladas, laudos periciais e outros elementos que se fizerem necessários.

53.Dá-se à causa o valor estimado de R$ 250.000,00 (duzentos e cinqüenta mil reais), com base estimativa da expressão econômica da demanda.

P. deferimento.

São Paulo, 1º de julho de 2005.

CARLOS ALBERTO DE SALLES

Promotor de Justiça

SUMÁRIO


I. O OBJETO DA PRESENTE AÇÃO2

II. OS FATOS3

II.A. O IHGSP, seu acervo e sua importância3

II.B. A situação associativa do IHGSP5

II.C. Os riscos ao acervo do IHGSP11

II.D. As providências adotadas no âmbito do Inquérito Civil22

II. OS BENS JURÍDICOS AMEAÇADOS23

IV. A PROTEÇÃO JURÍDICA AOS BENS AMEAÇADOS29

V. PEDIDOS LIMINARES32

V.A. Das situações ensejadoras do deferimento liminar32

V.B. Os pedidos liminares formulados33

VI. PEDIDO PRINCIPAL34

SUMÁRIO38


[1] Vide art. 216 da Constituição Federal e desenvolvimento abaixo (Título II).

[2] Todas as informações históricas têm por lastro o laudo técnico produzido a fls. 1.135/1.149 dos autos do Inquérito Civil.

[3] Título I, item 1.

[4] O Patrimônio em Processo: trajetória da política federal de preservação no Brasil. Rio de Janeiro: UFRJ/Minc/Iphan, 2005, p. 36.

[5] Idem, ibidem, p. 40.

[6] Subtítulo II.D., acima.

[7] Pela Lei Estadual 508, de 17.11.1949, e pelo Decreto Federal n. 59.151, de 26.08.1966.

[8] Subtítulos II.C. e II.D.

[9] Vide a propósito o que dispõe o artigo 1.037, do Código Civil, no que se refere à sociedade simples, aplicável por analogia às associações.

[10] Sobre esse princípio, v. COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial. 8.ed. São Paulo: Saraiva, 2005, v. 2, p. 460-461.

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