Estado de Direito

STF atuou de forma equilibrada ao julgar quebra de sigilos

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2 de janeiro de 2006, 11h30

Em 2005, o Supremo Tribunal Federal foi acusado inúmeras vezes e por inúmeras figuras públicas de interferir nos assuntos dos outros poderes da República. As acusações foram alimentadas, principalmente, por decisões do STF que contrariaram medidas tomadas pelas Comissões Parlamentares de Inquérito, as estrelas políticas do ano.

Por conta de uma atuação que teve repercussão na esfera política, o Supremo esteve mais em evidência e ganhou mais espaço na mídia, que também passou a mostrar com mais transparência as decisões do Tribunal.

Mas, segundo o advogado constitucionalista João Antonio Wiegerinck, essa atuação marcante não deve ser confundida com invasão de competência. Isso porque o Supremo apenas cumpriu o papel de chamar os demais poderes às suas obrigações, exercendo uma das suas principais funções, de guardião da Constituição, como prevê o artigo 102 da Carta.

As acusações de invasão de competência se mostraram injustas e as alegações que as sustentam, falsas. Tome-se como exemplo a questão das quebras de sigilos bancário, fiscal e telefônico decretadas pelas CPIs — muitas delas revogadas pelo STF, atendendo a pedidos de Mandado de Segurança apresentados pelos atingidos com as medidas.

A Consultor Jurídico fez um levantamento que mostra que, até o ultimo dia de 2005, o Supremo recebeu 16 pedidos de Mandado de Segurança para suspender quebras de sigilos decretadas pela CPMI dos Correios. Em oito casos, a Corte decidiu pela manutenção da quebra de sigilo. Em outros oito, mandou os parlamentares suspenderem a quebra de sigilo.

O resultado deixa claro que as decisões do Supremo nem sempre são contra os interesses dos parlamentares. Mostra também que elas obedecem a uma lógica: em oito casos, os juízes julgaram que o processo para a quebra de sigilo foi cumprido corretamente, os motivos apresentados eram consistentes e foram bem fundamentados. Em outras oito oportunidades, consideraram que os parlamentares não fundamentaram seus pedidos e, assim, a quebra não se justificava.

Poder controlado

Segundo o ministro Cezar Peluso, em recente decisão sobre o tema, a jurisprudência do STF reconhece que, segundo a interpretação do artigo 58, parágrafo 3º da Constituição, as CPIs têm o poder de decretar quebra de sigilo fiscal, bancário e telefônico. Mas o acesso aos dados só podem ser feitos “mediante ato devidamente fundamentado, com referência a fatos que justifiquem a existência de causa provável, apta a legitimar a medida excepcional”, sustentou.

A fundamentação deve trazer provas de que o investigado tem associação direta com a investigação e que, por isso, deve ter o sigilo quebrado para auxiliar a esclarecer o que realmente aconteceu.

Entre os exemplos de quebra de sigilo que o Supremo manteve está o caso do empresário Artur Wascheck Neto, responsável pela gravação que desencadeou as denúncias de corrupção nos Correios. No caso, o ministro Joaquim Barbosa entendeu que o requerimento feito pela CPMI estaria bem fundamentado pela relação do empresário com o objeto de investigação da Comissão.

Também cabe citar o caso da Novinvest Corretora de Valores Mobiliários e de seu sócio José Osvaldo Morales, em que o ministro Marco Aurélio entendeu que a CPMI fundamentou seu pedido, informando as investigações de prováveis operações de lavagem de dinheiro e de evasão de divisas, nas quais a empresa estaria envolvida, que teriam resultado em prejuízos para fundos de pensão.

O que prevalece, mais do que o bom senso, é o Estado de Direito, como se vê nos casos em que a necessidade da quebra de sigilos decretada pela Comissão não foi devidamente comprovada e não existiam provas suficientes de envolvimento direto com o alvo das investigações. Todas foram suspensas pelo STF.

Foi o caso da empresa Royster Serviços, em que o ministro Sepúlveda Pertence citou entendimento do colega Eros Grau e suspendeu a quebra de sigilo. De acordo com a decisão, “não são indicados, nesse contexto, fatos concretos e precisos, objetivamente, senão meros indícios que, em princípio, não guardariam relação direta com o objeto da CPMI dos Correios, a ponto de afastar a garantia constitucional do sigilo”.

Pertence também usou da argumentação do ministro Celso de Mello, de que “a quebra de sigilo não se pode converter em instrumento de devassa indiscriminada dos dados bancários, fiscais e/ou telefônicos — postos sob a esfera de proteção da cláusula constitucional que resguarda a intimidade, inclusive aquela de caráter financeiro, que se mostra inerente às pessoas em geral”.

No mesmo sentido, o ministro Marco Aurélio impediu a CPMI dos Correios de quebrar o sigilo bancário da Quantia Distribuidora de Títulos e Valores Mobiliários. No Mandado de Segurança, a empresa argumentou falta de fundamentação que justificasse o acesso aos dados bancários.

Para Marco Aurélio, é “excessiva a dose constante do requerimento deferido pela Comissão Parlamentar Mista de Inquérito”. O ministro esclareceu que, “em vez de se pretender o acesso à movimentações financeiras concernentes aos dois fundos mencionados, o que seria bastante a perquirir-se a problemática dos prejuízos aventados, partiu-se para a quebra linear do sigilo bancário da pessoa jurídica que teria intermediado as negociações”.

O Supremo Tribunal Federal atuou, sobretudo, na cobrança de uma postura coerente do Congresso, para evitar abuso de poder na aplicação de uma medida extrema como a quebra de sigilo. Mesmo nos casos em que os ministros suspenderam as ordens de quebra de sigilos, quando as CPIs apresentaram novas provas ou aprofundaram sua argumentação, as decisões foram reconsideradas.

Isso aconteceu no caso da Prece Previdência Complementar, fundo de pensão dos funcionários da Cedae — Companhia de Águas e Esgotos do Estado do Rio de Janeiro. O ministro Sepúlveda Pertence reconsiderou sua decisão no dia 19 de dezembro e autorizou a quebra dos sigilos do fundo de pensão. No dia 14 de dezembro, Pertence havia concedido liminar para impedir a quebra dos sigilos por entender que o requerimento da CPMI não estava fundamentado.

Ao reconsiderar sua decisão, o ministro Pertence afirmou que o Supremo tem “reconhecido, com apoio na jurisprudência do tribunal, a possibilidade de extensão dos trabalhos da Comissão Parlamentar de Inquérito a fatos outros que se ligam, intimamente, com os fatos principais”.

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