Diversão é coisa séria

Expansão da indústria do entretenimento cria nova área jurídica

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1 de janeiro de 2006, 11h48

Imune a crises, a indústria do entretenimento cresce vertiginosamente no mundo todo. Segundo previsão feita pela consultoria PricewaterhouseCoopers, em 2008 o faturamento mundial dos negócios voltados para o mercado da diversão deve atingir US$ 1,8 trilhão — US$ 500 bilhões a mais do que em 2004.

O empuxo desse mercado abriu avenidas para a área jurídica, em que profissionais já especializados garantem os negócios e evitam as trombadas. E nasce assim mais um campo de atuação no universo da advocacia brasileira. O Direito do Entretenimento — nome de batismo da área — mistura propriedade intelectual com ingredientes trabalhistas, tributários, empresariais e até penais. Ou seja: assim como nas artes, há que ser eclético para enfrentar as questões que cercam esse caleidoscópio.

O mercado do entretenimento, no Brasil, vai muito bem. “O entretenimento cresce célere, à razão mínima de 20% ao ano no país”, afirma o advogado Nehemias Gueiros Jr., que trabalha com o chamado show business há mais de 20 anos. Desse percentual, o especialista já deduziu a pirataria fonográfica e as flutuações dos diversos segmentos profissionais do mercado.

Um bom exemplo para ilustrar o Direito do Entretenimento é o cinema. Além das câmeras e dos sets de filmagem, atrás de uma obra cinematográfica há contratos de atores, diretores e produtores, licenças de veiculação, direitos autorais da trilha sonora, benefícios fiscais e contratos de patrocínio. Soma-se a isso a atual convergência de mídias, em que os títulos – algumas vezes antes de lançados em DVDs – têm a trilha sonora tocada em celulares e sua história jogada em vídeo-games e computadores.

Nesse contexto, a figura do advogado torna-se indispensável para administrar as relações jurídicas envolvidas desde a criação do roteiro até o que vem depois da exibição na telona.

Segundo outro especialista no tema, o advogado Attilio Gorini, “o profissional dessa área atua em toda a construção e o licenciamento de uma determinada obra. No caso do cinema, o advogado negocia desde o contrato para adquirir o roteiro até a venda de produtos relacionados ao filme ou o licenciamento da obra para promoções”.

Falta de especialização

Assim como nas demais áreas jurídicas, trabalhar com Direito do Entretenimento requer especialização. “Ainda que boa parte do trabalho esteja vinculada a ramos tradicionais do Direito, o advogado precisa conhecer os mecanismos, as características específicas desse mercado”, diz Gorini.

O Brasil, contudo, pouco oferece para advogados ou estudantes de Direito que pretendam atuar na área. Nehemias Gueiros afirma que nos Estados Unidos existe a disciplina Entertainment Law, em que o interessado pode estudar em nível superior ou em pós-graduação. Mas, segundo o advogado, “a situação no Brasil é tristemente diversa da realidade americana”.

“Sem ostentar uma cadeira obrigatória de propriedade intelectual e com raríssimas oportunidades de estudo da matéria, a não ser para quem já está no mercado, o estudo sistemático do Direito Autoral e, conseqüentemente, sua correta assimilação pelo mercado, pelos agentes e sujeitos de Direito e pelo Poder Judiciário ainda estão a anos-luz do patamar minimamente necessário para uma evolução sólida e transparente dos negócios da diversão e do entretenimento”, afirma Gueiros.

Professor da disciplina Direito do Entretenimento num curso de pós-graduação da PUC do Rio de Janeiro, Attilio Gorini faz coro: “Há pouquíssimos cursos e, ainda assim, a maior parte deles é muito básica e aborda mais questões de direitos autorais”. Mesmo na área de fomento ou financiamento das obras o Brasil ainda engatinha se comparado a outros países. Enquanto por aqui a maior parte do circuito cultural é bancada por patrocínios que se transformam em benefícios fiscais, nos Estados Unidos os negócios nesse setor são tão sólidos que existem bancos especializados em empréstimo de dinheiro para a realização de obras e eventos.

Apesar disso, os dois especialistas atestam: trata-se de uma área promissora para os profissionais do Direito.

Convergência de mídias

As novas tecnologias são responsáveis por boa parte da expansão da indústria do entretenimento e do mercado jurídico nesse setor. As empresas de telefonia investem cada vez mais na produção de aparelhos celulares capazes de reproduzir fielmente sofisticadas melodias e exibir filmes em seu visor.

O mercado dos ringtones — os toques dos celulares — é incrementado a cada dia e gera sólida receita de direitos autorais na Europa e nos Estados Unidos. Por trás dos sucessos pop tocados no celular há negócios minuciosamente fechados. É preciso negociar a licença do titular do ritmo (e da letra, se houver voz), observar se há restrições territoriais ou não, definir se a melodia será completa ou terá apenas algumas notas. “É um mercado fantástico”, afirma Gorini.

Mesmo a internet, que até há pouco tempo era considerada a vilã dos direitos autorais, agora já é vista como forte aliada. Segundo Nehemias Gueiros, “na Inglaterra e nos Estados Unidos o download oficial e autorizado de músicas ultrapassou a marca dos 30 milhões de fonogramas comprados on-line em 2004 e já gerou mais de US$ 500 milhões de royalties para os sujeitos e agentes de direitos autorais”.

O advogado afirma que o crescimento de músicas baixadas legalmente é de quase 300% em comparação com o ano 2000, quando a indústria fonográfica foi tomada de assalto com o Napster. Para Gorini, “a convergência de diferentes mídias torna as possibilidades de novos negócios imensas”. Gueiros aponta o prenúncio dessa convergência: “Logo cada pessoa poderá escolher o suporte que mais lhe agradar, podendo ‘queimar’ CDs, utilizar MP3 e pen-drives ou simplesmente consumir suas músicas e obras intelectuais nas telas de seus computadores”.

O professor Gorini dá outro exemplo de como o campo de atuação dos advogados nesse setor é vasto. “O autor de um livro infantil que cede os direitos para que sua obra se transforme em filme, por exemplo, precisa de um especialista para negociar sua participação nos produtos derivados desse desenho animado, como jogos de videogame, CDs, músicas para celulares, mochilas, brinquedos”, explica. E cada novo produto explorado requer uma licença, que cabe ao especialista do Direito elaborar.

Reportagem originalmente publicada na revista Update, da Câmara Americana de Comércio.

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