Justiça em números

Justiça em números: recorribilidade nos estados é baixa

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27 de fevereiro de 2006, 17h20

Para quem defende a tese de que a primeira instância serve apenas de passagem, um dado importante: a média de recursos das decisões monocráticas na Justiça estadual para os tribunais é de apenas 9,29%. As decisões dos juízes vêm sendo mais aceitas até mesmo do que as dos desembargadores. Na segunda instância, essa taxa de recorribilidade sobe para 13,26%.

O mito de que a primeira instância serve apenas de passagem para os Tribunais de Justiça e superiores, no entanto, não é de todo sem fundamento. Quase metade, 46,63%, das decisões dos juízos de primeiro grau que sobem como recurso para a instância superior é reformada nos tribunais. No Amazonas, esse número sobe para alarmantes 61,33%.

Todos esses dados fazem parte do Justiça em Números — Indicadores Estatísticos do Poder Judiciário, levantamento do Conselho Nacional de Justiça sobre o Judiciário brasileiro, divulgado na semana passada, com números referentes a 2004. É a segunda vez que o Justiça em Números é feito. O primeiro, com dados de 2003, foi divulgado no ano passado.

Analisados em conjunto, os números podem explicitar melhor questões que já viraram lugares comuns entre a população. Um exemplo é a crença consolidada sobre a morosidade da Justiça, definida no levantamento do CNJ pela taxa de congestionamento. Na Justiça Estadual de primeira instância, a taxa média de congestionamento é de 80,51%. Em segunda instância, esse número cai para 52,17%.

Em primeira instância, o congestionamento dos estados é praticamente igual. O mais entupido é o Ceará (92,51%) e o mais livre é Sergipe (51,90%). Nos Tribunais de Justiça, as disparidades já são maiores. Ceará continua o campeão, com taxa de congestionamento de 93,56%. O tribunal com melhor desempenho é o de Goiás, com taxa de congestionamento de 9,45%.

Em valores absolutos, a campeã de processos ainda é São Paulo. A cada ano, quase 4 milhões de ações são entregues ao primeiro grau do Judiciário paulista. São, aproximadamente, 2,6 mil novos processos por juiz anualmente.

Embora influencie diretamente na morosidade, o investimento no Judiciário estadual não obedece à lógica da taxa de congestionamento. O estado mais entupido não é o que menos gasta proporcionalmente com a Justiça. Ceará, por exemplo, gasta apenas 3,83% da despesa pública com o Judiciário, número abaixo da média, que é de 5,04%, mas semelhante ao de Goiás, o menos congestionado, que destina 3,87% da sua despesa para o Judiciário. Isso significa que nem sempre a maior disponibilidade de recursos significa maior produtividade do Judiciário.

Esta relação fica mais explicitada quando se leva em conta o gasto em Justiça por habitante. Neste caso, o campeão em produtividade, Goiás, com R$ 51,14 de gastos por habitante está abaixo da média nacional (R$ 68,57), mas é quase o dobro do último colocado, Ceará, com R$ 33,56.

O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, que administra ele próprio os recursos gerados pelo Judiciário Fluminense, gasta R$ 91,32, quase R$ 20 a mais do que o Tribunal de Justiça de São Paulo, com certeza o que se encontra em situação mais complicada pela complexidade e tamanho de seu estoque de ações à espera de julgamento.

O levantamento do CNJ traz, ainda, outras informações relevantes, como os gastos com a informática, um dos grandes desafios para a modernização do Judiciário. Apenas 1,76% do orçamento dos Tribunais de Justiça é gasto com a informatização. Os números servem, antes de tudo, para traçar um panorama geral da situação de cada estado, uma vez que prevalece a máxima de que cada unidade da Justiça funciona como uma unidade autônoma e independente, desligada do restante.

Em entrevista à Consultor Jurídico, a pesquisadora Maria Tereza Sadek revelou a dificuldade de se fazer um estudo sobre o Judiciário brasileiro. Nos números, apresentados pelo CNJ, essa dificuldade ainda é evidente. A precariedade das estatísticas ainda se deve ao déficit de informações fornecidas pelos tribunais. No levantamento do CNJ, esse déficit é marcado apenas pela palavra “indisponível”.

Veja os números:

Taxa de congestionamento da Justiça Estadual — 2º grau

UF

Sentenças Casos novos Casos pendentes Taxa
AC ———- 1.291 ———- ——–
AL 3.023 4.312 15.052 84,39%
AP ———- ——- ———- ——-
AM 7.315 9.340 2.833 39,91%
BA 12.639 21.042 98.368 89,42%
CE 6.508 17.159 83.842 93,56%
DF 28.332 36.774 51.235 67,81%
ES 10.952 14.990 15.617 64,22%
GO 31.728 26.509 8.529 9,45%
MA 4.546 10.209 2.254 63,52%
MT 12.562 12.753 5.800 32,29%
MS 22.190 18.151 7.868 14,72%
MG 43.730 46.267 94.822 69,01%
PA 4.318 9.050 5.249 69,80%
PB 11.883 11.766 7.332 37,78%
PR 63.072 63.889 25.001 29,04%
PE 10.186 21.196 34.825 81,82%
PI 2.677 2.883 1.289 35,83%
RJ 86.842 91.356 24.424 24,99%
RN 3.897 4.225 5.757 60,96%
RS 235.676 224.024 66.160 18,78%
RO 6.739 8.196 3.210 40,92%
RR ———- ——- ———- ——–
SC 35.572 41.293 32.417 51,74%
SP 93.620 119.568 267.701 75,83%
SE 7.010 8.345 4.194 44,09%
TO 1.344 2.536 ———- ——–
Média 22.204 25.129 37.556 52,17%

Taxa de congestionamento da Justiça Estadual — 1º grau

UF Sentenças Casos novos Casos pendentes Taxa
AC ———- 18.397 ———- ——-
AL ———- ——- ———- ——-
AP ———- ——- ———- ——-
AM 40.990 89.124 194.966 85,57%
BA 206.605 297.736 1.313.571 87,18%
CE 57.748 184.295 586.715 92,51%
DF 199.433 187.864 379.425 64,84%
ES 142.813 137.051 ———- ——-
GO 160.408 261.529 708.567 83,46%
MA 54.770 84.465 221.851 82,12%
MT 87.841 134.068 397.361 83,47%
MS 98.972 156.561 390.455 81,91%
MG 612.039 1.014.026 1.385.736 74,50%
PA 38.014 137.354 348.869 92,18%
PB 87.078 129.088 198.165 73,39%
PR 293.513 530.622 1.512.120 85,63%
PE 849.077 265.656 40.109 ——-
PI 57.488 48.029 149.075 70,83%
RJ 343.758 467.790 3.129.197 90,44%
RN 30.338 84.664 138.741 86,42%
RS 667.354 869.532 1.782.195 74,83%
RO 55.370 67.926 166.412 76,37%
RR ———- ——- ———- ——-
SC 238.494 496.449 1.320.149 86,87%
SP 2.026.087 3.986.675 10.242.524 85,76%
SE 70.482 81.278 65.246 51,90%
TO 32.519 39.943 ———- ——-
Média 259.967 407.088 1.174.831 80,51%

Taxa de recorribilidade da Justiça Estadual — 2º grau

UF Recursos Processos julgados Taxa
AC ———- ———- ———-
AL ———- 3.023 ———-
AP 21 ———- ———-
AM 917 7.315 12,54%
BA 470 12.639 3,72%
CE 1.548 6.508 23,79%
DF 3.405 28.332 12,02%
ES ———- 10.952 ———-
GO 6.482 31.728 20,43%
MA 552 4.546 12,14%
MT ———- 12.562 ———-
MS 3.646 22.190 16,43%
MG 6.696 43.730 15,31%
PA 588 4.318 13,62%
PB 1.207 11.883 10,16%
PR ———- 63.072 ———-
PE 970 10.186 9,52%
PI 406 2.677 15,17%
RJ 42.410 86.842 48,84%
RN 340 3.897 8,72%
RS 27.008 235.676 11,46%
RO 811 6.739 12,03%
RR ———- ———- ———-
SC 2.562 35.572 7,20%
SP 11.541 93.620 12,33%
SE 1.547 7.010 22,07%
TO ———- 1.344 ———-
Média 5.656 19.266 13,26%

Taxa de recorribilidade da Justiça Estadual — 1º grau

UF Recursos Processos julgados Taxa
AC ————- ————- ————-
AL ————- ————- ————-
AP ————- ————- ————-
AM 2.717 40.990 6,63%
BA 10.888 206.605 5,27%
CE 12.609 57.748 21,83%
DF 2.380 199.433 1,19%
ES ————- 142.813 ————-
GO 19.477 160.408 12,14%
MA 4.051 54.770 7,40%
MT ————- 87.841 ————-
MS 8.528 98.972 8,62%
MG ————- 612.039 ————-
PA 3.022 38.014 7,95%
PB 7.188 87.078 8,25%
PR 47.764 293.513 16,27%
PE 2.423 849.077 0,29%
PI 1.908 57.488 3,32%
RJ ————- 343.758 ————-
RN 3.628 30.338 11,96%
RS 165.238 667.354 24,76%
RO 5.677 55.370 10,25%
RR ————- ————- ————-
SC 32.796 238.494 13,75%
SP 90.394 2.026.087 4,46%
SE 5.325 70.482 7,56%
TO 1.485 32.519 4,57%
Média 22.500 286.744 9,29%

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