Livre da penhora

Responder a processo trabalhista não impede venda de imóvel

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23 de fevereiro de 2006, 13h53

Se sócio de empresa vende imóvel antes da condenação trabalhista, este fica livre da penhora. O entendimento é da 7ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (São Paulo).

Os juízes liberaram da penhora um imóvel que pertencia a um dos sócios da Indústria e Comércio de Confecções Rocha Lima, vendido antes que a empresa fosse condenada a quitar verbas trabalhistas de uma ex-empregada. Cabe recurso.

Uma trabalhadora ganhou o direito de receber verbas e indenizações devidas pela empresa. Como a confecção não quitou o débito, a 60ª Vara do Trabalho de São Paulo determinou a penhora de bens da empresa e de seus proprietários, entre eles, o imóvel de um dos sócios, já vendido.

Contra a penhora, os atuais proprietários do imóvel apelaram ao TRT paulista, sustentando que o adquiriram “sem vícios ou fraudes e em data anterior à primeira audiência”. Segundo eles, não havia qualquer indício de insolvência da confecção à época da compra.

A trabalhadora contestou a alegação da empresa, defendendo que, na verdade, o sócio não poderia ter vendido o patrimônio depois de ajuizado o processo trabalhista.

A relatora, juíza Catia Lungov, esclareceu que a ação principal foi distribuída em 10 de novembro de 1999, com designação de audiência em 15 de maio de 2000, enquanto a venda do imóvel penhorado ocorreu em 13 de abril de 2000.

Para a relatora, “a situação acima descrita não permite concluir pela tipificação do artigo 593, II, do CPC, como pretende o exeqüente, pois um dos pressupostos para a caracterização da fraude à execução é o estado de insolvência ao qual o devedor é conduzido em virtude da alienação ao terceiro”.

“Os sócios da executada, cujos nomes devem figurar na autuação do processo tão logo lhes seja imputada responsabilidade trabalhista, para que, por meio da publicidade, garanta-se o direito de terceiros de boa-fé, têm endereço certo e é aí que deve ser buscada a satisfação do crédito exeqüendo”, observou a juíza.

“O Direito tem por escopo a estabilidade social e a Justiça, por função, a solução dos conflitos. O primeiro não se cumpre quando ferido o princípio da razoabilidade e a segunda falha quando, para resolver uma causa, deixa de tutelar a boa-fé.”

Leia a íntegra da decisão

PROCESSO TRT SP 01859.2005.060.02.00-1

AGRAVO DE PETIÇÃO EM EMBARGOS DE TERCEIRO

ORIGEM: 60ª VT/SP

AGRAVANTES: GERALDO JUSTINO DA SILVA e EDNA MARIA CAMPOS DA SILVA

AGRAVADO: EDNA DOMINGOS DE ARAUJO

FRAUDE À EXECUÇÃO – Art. 593 do CPC – A autuação deve consignar o nome dos sócios da executada tão-logo lhes seja imputada responsabilidade trabalhista, garantindo-se publicidade e proteção a terceiros de boa-fé. Simples presunção de insolvência do devedor não autoriza apreensão de bem por ele alienado, pois há que se prestigiar a segurança das relações jurídicas. O Direito tem por escopo a estabilidade social e a Justiça, por função, a solução dos conflitos. O primeiro não se cumpre quando ferido o princípio da razoabilidade e a segunda falha quando, para resolver uma execução trabalhista, deixa de tutelar a boa-fé.

Agravo de petição interposto pelos embargantes às fls. 114/124 em face da r. sentença de fls. 110/111, sustentando que deverá ser desconstituída a penhora efetuada nos autos principais, alegando ter sido idônea a compra de bem anteriormente pertencente ao sócio da executada, e indicando bem de propriedade deste e vendido em fraude a execução. Pugna pela expedição de ofício à CEF e ao DETRAN.

Custas recolhidas (fl. 126).

Contraminuta às fls. 129/133, requerendo a exeqüente seja aplicada aos embargantes as penas pela litigância de má-fé.

Sem manifestação do Ministério Público do Trabalho (Portaria nº 03, de 27 de janeiro de 2005, da Procuradoria Regional do Trabalho da 2ª Região).

É o relatório.

V O T O

Satisfeitos os pressupostos de admissibilidade, conheço.

Sustentam os agravantes que o imóvel penhorado foi adquirido sem vícios ou fraudes e em data anterior à primeira audiência, alegando a inexistência de qualquer indício de insolvência da reclamada à época da referida venda, bem como que a desconsideração da personalidade jurídica deu-se apenas três anos após a aquisição do imóvel constrito pelos agravantes.

Razão lhes assiste.

A ação principal foi distribuída em 10.11.1999, com designação de audiência em 15.05.2000 (fl. 64), enquanto a venda do imóvel penhorado ocorreu em 13.04.2000 (fls. 21/24).

Porém, àquela época, apenas a empresa reclamada constava da autuação dos principais, de tal maneira que nem mesmo negligência pode ser imputada aos adquirentes, pois na ocasião a reclamação trabalhista se encontrava em trâmite inicial.

A situação acima descrita não permite concluir pela tipificação do art. 593, II, do CPC, como pretende o exeqüente, pois um dos pressupostos para a caracterização da fraude à execução é o estado de insolvência ao qual o devedor é conduzido em virtude da alienação ao terceiro.

Os sócios da executada, cujos nomes devem figurar na autuação do processo tão-logo lhes seja imputada responsabilidade trabalhista, para que através da publicidade se garanta o direito de terceiros de boa-fé, têm endereço certo e é aí que deve ser buscada a satisfação do crédito exeqüendo.

Imperiosa a comprovação da situação de insolvência do devedor no momento da venda, ou que a insolvência dela decorra, não bastando simples presunção, pois há de prevalecer um interesse maior, que é a segurança das relações jurídicas, conforme inteligência adequada do art. 593 do CPC, evitando-se assim a intranqüilidade social e o próprio desprestígio da função jurisdicional.

Nesse sentido já desponta jurisprudência deste Egrégio TRT:

FRAUDE À EXECUÇÃO. TERCEIRO DE BOA-FÉ. Não caracterização. Não se pode atribuir responsabilidade total, ampla geral e irrestrita ao terceiro adquirente de boa-fé e absolutamente diligente, sob pena de se decretar a total insegurança das relações jurídicas e a evidente violação ao princípio da razoabilidade, norteador do Estado Democrático de Direito. PROCESSO TRT/SP Nº: 19152200390202002 AGRAVO DE PETICAO EM EMBARGOS DE TERCEIRO – 9a. Turma – Relatora Juíza Jane Granzoto Torres da Silva – Julgado 16.6.2003.

O Direito tem por escopo a estabilidade social e a Justiça, por função, a solução dos conflitos. O primeiro não se cumpre quando ferido o princípio da razoabilidade e a segunda falha quando, para resolver uma causa, deixa de tutelar a boa-fé.

Diga-se, ainda, que a venda do imóvel constrito teve como interveniente a Caixa Econômica Federal, já que os agravantes se utilizaram de montante depositado em conta vinculada do FGTS para o pagamento de grande parte do valor do imóvel, fato que imprime segurança ao contrato de fls. 21/23 quanto à regularidade dos documentos referentes à transação efetuada, bem assim indicam que se trata de imóvel destinado a domicílio, sendo incurial que para pagamento de um trabalhador, outro seja despojado de bem arduamente adquirido.

Não prevalece a penhora de fls. 29/30, pois não houve fraude à execução.

LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ

Não caracterizada nenhuma das hipóteses do art. 17 do CPC, não há que se declarar má-fé, nem impor qualquer penalidade pelo exercício do direito constitucional de ampla defesa.

ISTO POSTO, DOU PROVIMENTO ao recurso, nos termos da fundamentação, para liberar a penhora de fls. 29/30. Custas pela executada no importe de R$44,26 a serem pagas ao final a teor do que dispõe o artigo 789-A, da CLT.

CATIA LUNGOV

Juíza Relatora

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