Abertura do Judiciário

O Supremo não irá se curvar a patrulhamentos, diz Jobim

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1 de fevereiro de 2006, 14h01

A solenidade de abertura do ano Judiciário nesta quarta-feira (1/2) no Supremo Tribunal Federal deu ao presidente da mais alta Corte do país a oportunidade de responder às críticas que sofreu depois de conceder liminar ao presidente do Sebrae, Paulo Okamotto.

O ministro Nelson Jobim impediu o acesso da CPI dos Bingos aos dados de Okamotto protegidos pelos sigilos fiscal, bancário e telefônico. Jobim protegeu a quebra de sigilos de Okamotto por entender que ela foi baseada em notícias de jornais.

A decisão redundou em uma série de ataques ao que se chamou de intromissão do Supremo, em especial de seu presidente, em assuntos do Legislativo. O senador Álvaro Dias (PSDB-PR) cogitou apresentar projeto para que as decisões passíveis de influenciar os trabalhos no Congresso Nacional sejam submetidas ao Pleno do STF, e não apenas a um de seus ministros.

A todos os ataques, Jobim respondeu: “A experiência indica, muitas vezes, que atender às pretensões de postulantes é o caminho fácil para o aplauso e o reconhecimento. Em outros casos, decidir contra a suposta vontade da maioria, da ‘opinião pública’, significa exposição a iras de alguns poderosos. Significa exposição a toda sorte de ilações conspiratórias e, aqui, muito conhecidas e injustas. Esquecem que o Supremo nunca se curvou e não irá se curvar a patrulhamentos de nenhum tipo, públicos ou privados”.

Apesar de diversas críticas se dirigirem especificamente a uma suposta “politização” das decisões de Jobim no Supremo, o presidente do STF, como de outras vezes, preferiu falar das decisões do Tribunal como um todo, e não apenas de suas posições.

“O repúdio rouba o lugar do aplauso. Repudiam-se as decisões do Supremo que garantem as liberdades, tudo em nome da segurança, da repressão ao crime, do combate à corrupção… mas, na verdade, a história mostra que o ato arbitrário é materialmente o mesmo. Os atores é que mudaram. (…) Ontem, era a ‘segurança nacional’. Hoje, dentre outros, pode ser o ‘clamor público’. Em outros países, vemos lamentável quebra de garantias, direitos e liberdades, em nome do combate ao terrorismo. Lá tanto quanto cá, investigações ilimitadas e intermináveis, investigações que acabam se tornando fim em si mesmo, inquisições, exposições públicas, invasões à privacidade e presunções absolutas de culpa constituem retrocesso com o qual a magistratura brasileira não pode compactuar”, afirmou o ministro.

Outro ponto relevante do discurso foi o destaque dado pelo presidente do STF à defesa da estabilidade econômica. “O paradigma da governabilidade democrática econômica impõe uma grande cautela ao Supremo. Trata-se de decisões de alto impacto. Impacto e, observem bem, não no bolso de cada um, mas na estabilidade econômica de todos. Tudo porque somos uma nação que ainda está em busca de um desenvolvimento econômico mais justo, mais equilibrado e mais sustentável.”

A relevância desse destaque está na possibilidade de Jobim vir a ser candidato à Presidência da República pelo PMDB, ou um virtual vice-presidente na chapa de Luiz Inácio Lula da Silva. Isso porque os resultados econômicos deverão ser usados corriqueiramente no palanque pelos candidatos. E, coincidentemente, o presidente do PMDB, Michel Temer, anunciou que tem conversado com Jobim diversas vezes sobre uma filiação ao partido.

Em entrevista à jornalista Lilian Witte Fibe, Temer afirmou categoricamente que Nelson Jobim teria a legenda do partido se assim o desejar. “Já conversei várias vezes com ele. O prazo para as inscrições dilatou-se até 10 de março — estava previsto para 15 de fevereiro — de modo que vamos supor, se ele sai dia 1º de março, inscreve-se diretamente no partido e pode inscrever-se para as prévias, e vai disputar as prévias no dia 19 de março. É perfeitamente legítimo”, avaliou Temer.

Pelo cronograma pemedebista, o presidente do STF anteciparia para março sua saída da corte, que não se daria em abril, como prevêem alguns. No discurso, porém, não houve pistas. Apenas disse que sua atuação no Supremo caminha para o final.

Nesse sentido, tratou de prestar contas sobre sua atuação à frente do STF. Falou sobre o “Pacto pela Justiça”, sua atuação no Congresso pela reforma processual, lei de responsabilidade fiscal, fixação do teto remuneratório nacional e precatórios, cujos débitos, segundo ele, representam uma quantia de R$ 64 bilhões. “Nas relações institucionais, está o diálogo autônomo do supremo com os demais poderes, a construção da governabilidade democrática política”, definiu.

Jobim enalteceu as relações com os outros Poderes, mas esqueceu da própria casa. Hoje, um grupo de operadores do Direito entrou com um processo cautelar no STF no qual pedem a interpelação do presidente da Corte para se manifestar a respeito de uma eventual pretensão político-partidária. Certamente, alguns votos a menos para o virtual candidato.


Leia a íntegra do discurso de Jobim

Temos que ter presente a inserção e a função do Supremo no estado brasileiro. Há que se partir dos fatos e não de idealizações. As demandas que aqui aportam são, em linhas gerais, as de fazenda; as de políticas públicas; e as de liberdades.

Um caso concreto pode integrar os três conjuntos, com eventual prevalência de um deles. O conjunto fazenda compreende as demandas relativas às receitas e às despesas públicas.

Os contribuintes pretendem redução de suas obrigações fiscais.Tem repercussão, para menos, na receita pública. São demandas sobre impostos e contribuições sociais.

Muitas vezes aproveitam-se da morosidade judiciária para adiar a liquidação de obrigação fiscal. Noutras, insurgem-se, com razão, contra a elevada carga tributária brasileira. Outros, por sua vez, querem o aumento das obrigações do estado.

A repercussão, aqui, é no lado da despesa pública. São demandas de servidores, segurados da Previdência e credores do estado. Aqui temos, ainda, demandas em que é o estado que se apropria do espaço judiciário para rolar dívidas.

O conjunto das políticas públicas compreende demandas com viés claramente político. São seus atores principais: os partidos políticos; os sindicatos; e as corporações.

Alguns partidos, derrotados no Congresso Nacional, procuram tribunalizar as políticas públicas aprovadas pela maioria. Algumas corporações e sindicatos, por sua vez, opõem-se a essas mesmas políticas, porque foram atingidos interesses de seus integrantes.

Em ambos os casos, há a tentativa de erigir o Supremo em julgador da conveniência e oportunidade de tais políticas.

Por fim, o conjunto das liberdades. Aqui estão as demandas de proteção às garantias individuais.

São habeas-corpus e mandados de segurança que trazem ao Supremo objeções às condutas e decisões de tribunais; do Ministério Público; das comissões parlamentares de inquérito; enfim, das autoridades públicas. Diante disso tudo aflora questão para urgente debate.

Qual o paradigma que deve orientar a atuação do Supremo na preservação da Constituição? A resposta acadêmica é tautológica: é a preservação da Constituição.

Diante de demandas concretas tal afirmação não tem sentido, nada significa, nada orienta. É insuficiente. Em vez de esclarecer, esconde.

A experiência indica, muitas vezes, que atender às pretensões de postulantes é o caminho fácil para o aplauso e o reconhecimento. Em outros casos, decidir contra a suposta vontade da maioria, da opinião pública, significa exposição a iras de alguns poderosos. Significa exposição à toda sorte de ilações injustas.

Esquecem que o Supremo nunca se curvou e não irá se curvar a patrulhamentos de nenhum tipo, públicos ou privados.

É extraordinária a repercussão e o elogio a decisões que reduzem a receita pública, que aumentem as despesas; que dificultem a implantação de políticas públicas aprovadas pelos parlamentos.

É o aplauso fácil. É o elogio rasgado. Mas, para as decisões de proteção das liberdades e garantias individuais, a situação é distinta. O repúdio rouba o lugar do aplauso. Repudiam-se as decisões do Supremo que garantem as liberdades, tudo em nome da segurança, da repressão ao crime, do combate à corrupção …

Mas, na verdade, o ato arbitrário é materialmente o mesmo. Os atores é que mudaram. O fundamento também mudou. Ontem, era a “segurança nacional”. Hoje, dentre outros, pode ser o “clamor público”.

Em outros países, vemos lamentável quebra de garantias, direitos e liberdades, em nome do combate ao terrorismo.

Lá tanto quanto cá, investigações ilimitadas e intermináveis, inquisições, exposições públicas, invasões à privacidade e presunções absolutas de culpa constituem retrocesso com o qual os juízes não podem compactuar.

Não queremos a barbárie em nome dos “superiores interesses do estado”.

O supremo, na sua história, sobretudo depois de 1988, tem claro o paradigma capaz de ajudar a resolver esta tensão. É a “governabilidade democrática”. Não se confunda a construção e defesa da governabilidade democrática com a defesa dos governos.

A governabilidade refere-se a qualquer governo. Seja de que partido for. Seja qual matiz ideológico professe. O estado democrático de direito, do artgio 1º da Constituição, é mais do que um dogma.

É mais do que um dever ser. É um fazer. É uma tarefa cotidiana. A democracia não é um datum. É um constructo diário de todos nós, presente em toda linha de sentenças e acórdãos.

A democracia precisa de efetividade. A efetividade da democracia se assegura preservando-se a governabilidade democrática. Preservando nossas instituições. Preservar não como passado, mas como presente do futuro.


Senhoras e senhores.

Falamos em dois âmbitos dessa governabilidade democrática: a política e a econômica.

O Supremo desenvolve seu paradigma em duas frentes: das relações institucionais e da jurisprudência. Quanto à jurisprudência, o paradigma da governabilidade democrática política aparece no julgamento de congressistas; nas demandas relativas às comissões parlamentares de inquérito; nas demandas sobre políticas públicas; sobre direitos eleitorais…

Nas relações institucionais, está o diálogo autônomo com os demais poderes: firmamos o “pacto pela Justiça”; negociamos com o Congresso Nacional a formulação de uma nova legislação processual.

Lá estão 26 projetos, dos quais 3 já são leis; discutimos orçamento; obtivemos a fixação de teto remuneratório nacional; buscamos uma solução para o problema dos precatórios, que aflige milhares de brasileiros e os governantes.

No Poder Judiciário, intensificamos o diálogo. Demos ênfase à reforma interna do sistema: à sua gerência eficaz. Sem Judiciário acessível, previsível e ágil inexiste governabilidade democrática.

Quando falamos de previsibilidade não nos referimos aos resultados dos julgamentos, sempre relativamente incertos a vista de peculiaridades concretas.

Falamos, isto sim, de casos idênticos, que não podem receber soluções diferentes, antagônicas. Falamos das regras do jogo — da lei. Falamos de critérios de julgamento, que não podem ser imprevisíveis ou voluntaristas.

Já o paradigma da governabilidade democrática econômica impõe uma grande cautela ao Supremo.

Trata-se de decisões de alto impacto. Impacto não no bolso de cada um, mas na estabilidade econômica de todos. Tudo porque somos uma nação ainda em busca de um desenvolvimento econômico mais justo, mais equilibrado e mais sustentável.

O Supremo, com esse paradigma, enfrentou as demandas referentes aos planos econômicos, à crise energética, às privatizações…

A defesa da legalidade constitucional tem exigido do Supremo um intenso trabalho de ponderação de interesses econômicos conflitantes. Interesses, no mais das vezes, agressivamente conflitantes.

A legalidade constitucional estará sólida e sustentável quando sustentável estiver a economia. Não qualquer economia. Mas economia pautada pela distribuição eqüitativa dos frutos de um crescente desenvolvimento econômico.

Não conquistaremos tal desenvolvimento sem que consolidemos uma governabilidade econômica. Não simplesmente ou apenas uma governabilidade econômica.

Mas uma governabilidade econômica com adjetivos. Uma governabilidade democrática para uma economia democrática, na qual todos tenham acesso aos ganhos de nossa produção.

Esse é o desafio do presente para jorrar no futuro. Que as mazelas, que os ódios, que as retaliações, que as incompreensões do presente não frustrem as obrigações de nossa geração com o futuro do Brasil.

Caros amigos.

Ao abrir o ano judiciário, formulo uma proposta simples. É, ao mesmo tempo, permitam-me, um testemunho de minha atuação no Supremo, que já caminha para o final.

O critério maior para que o estado democrático de direito saia do texto;

para que o estado democrático de direito ganhe as ruas, as escolas, as empresas, o meio rural, os sindicatos; para que o estado democrático de direito envolva à todos — os “joão com nome” e os “joão sem nome”; o critério maior é a preservação da governabilidade democrática, política e econômica.

É o que determina o amor que sentimos ao nosso país e à brava gente brasileira. Gente que trabalha, chora, ri, dança, ama, educa seus filhos e que sempre precisa do Direito, da Justiça, dos juízes.

Obrigado.

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