Diferenças salariais

Teto de serviço público não pode ser comparado ao salário mínimo

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27 de dezembro de 2006, 6h00

A instituição do teto salarial único para os servidores públicos brasileiros, tendo como limite os subsídios dos ministros do Supremo Tribunal Federal, foi introduzida em nosso sistema a partir da necessidade de implementação de uma política salarial que impedisse, por meio de alguns artifícios jurídicos, o pagamento de vencimentos fora da nossa realidade econômica.

Por sua vez, os subsídios dos ministros do STF foram escolhidos como parâmetro limitador por conta de ser a mais alta corte de Justiça do país e o único poder da República em que os seus membros, conquanto não integrem uma determinada carreira no serviço público, constituem o topo de um poder totalmente organizado em carreiras. Jamais poderia servir de limite para os subsídios dos parlamentares e do chefe do Poder Executivo, posto que estes são integrantes de cargos políticos de natureza totalmente diversa, onde não é possível o pagamento de subsídio em parcela única, pela própria natureza do cargo que exercem.

É justo que se lhes pague algumas verbas extras, como auxílio moradia e despesas outras de deslocamento, tendo em conta que a função legislativa não é exercida apenas em Brasília. No mundo inteiro, o parlamentar se desloca para as suas bases políticas. Nos Estados Unidos, cada parlamentar tem direito a escritório em seu domicílio de origem. O duplo domicílio é da essência do cargo, sendo razoável que o Estado arque com essas despesas. Não reside aí qualquer inspiração ilícita ou amoral, como equivocadamente se insinua.

Por outro lado, o presidente da República também não pode ser remunerado por parcela única. A Presidência é uma instituição, constitui um dos pilares da tripartição dos poderes e o seu ocupante, para a segurança da própria sociedade, tem de estar protegido, ele e sua família, 24 horas por dia. Isso tudo exige do Estado todo um aparato, como a construção de residências adequadas, automóveis blindados, helicóptero, avião, etc.. A proteção é concebida em benefício da sociedade, que necessita da continuidade do exercício do poder por uma determinada pessoa, em um período certo de tempo. É assim que as democracias modernas funcionam. É o custo da estabilidade institucional, mas vale a pena.

Essa questão não pode ser conduzida da forma emocional como vem sendo. O Poder Legislativo não pode sentir-se atingido em seu amor próprio, por uma decisão do Supremo Tribunal Federal que, em nenhum momento, afirmou não poderem os parlamentares fixar os seus próprios vencimentos. Estabeleceu apenas que a forma utilizada não era a correta.

O controle de um poder pelo outro é normal e saudável em uma democracia. No exemplo clássico mais comum, o Legislativo pode rejeitar um projeto de lei de iniciativa de qualquer um dos outros poderes; e o Poder Executivo, por sua vez, pode vetar um projeto aprovado pelo Legislativo, tenha sido ele ou não encaminhado pelo Poder Judiciário ou pelo próprio Legislativo. Esse sistema de controle não existe para que um Poder amesquinhe o outro. Há limites para cada um deles, como há limites para tudo em uma sociedade livre e pluralista.

Na democracia, os controles são os mais diversos. Qualquer pessoa, quando sai de sua casa para o trabalho, seja ele um simples cidadão, um parlamentar ou um magistrado, ou um grande empresário, começa por ser controlado a partir do guarda de trânsito, que não lhe permite invadir o sinal, ultrapassar os limites de velocidade, etc.. Nada disso constitui afronta ou desrespeito.

Um tema tão relevante como esse não pode ser conduzido com base em uma indignação justa de alguns deputados e senadores, face a um achincalhe inconseqüente, que vem sendo estimulado constantemente por pessoas irresponsáveis contra a instituição Poder Legislativo, bem como pela instigação de um atrito artificial entre o Poder Judiciário e o Poder Legislativo, o primeiro também vítima constante de achincalhe.

As propostas do senador Antônio Carlos Magalhães e do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, conquanto bem intencionadas, para que os parâmetros dos subsídios do servidor público sejam os dos poderes que integram terá resultados nefastos, se alguma delas vier a ser adotada. Num caso ou no outro, restará desmantelada toda a estrutura do serviço público, uma vez impraticável pagar aos parlamentares e ao chefe do Poder Executivo subsídio em parcela única. De duas uma, ou os parlamentares terão de arcar com as despesas próprias do exercício do seu cargo, o que aniquilará os seus vencimentos, ou os magistrados terão os seus subsídios achatados de forma iníqua, tornando impossível a arregimentação dos profissionais mais preparados intelectualmente.

Será que é isso que a sociedade deseja? Qualquer que seja a situação, quem vai sair perdendo é o Estado brasileiro é a democracia. Se os magistrados podem viver apenas com subsídio em parcela única, isso não é possível aos parlamentares e ao chefe do Poder Executivo pela natureza das funções que exercem.

É preciso que os membros integrantes dos três poderes, o Judiciário, por meio do presidente do Supremo, o Legislativo, pelos presidentes da Câmara e do Senado, e o presidente da República venham a público dizer, sem medo de enfrentamento da opinião publica, que os salários dos integrantes dos poderes que chefiam não podem ser comparados ao salário mínimo, como muita gente equivocadamente afirma. Nossa economia é capitalista e a sua lógica não é essa que vem sendo difundida, mas isso é assunto para um outro debate que se haverá de enfrentar.

Os excessos salariais, com as correções adequadas do STF, já vêm sendo corrigidos pelo CNJ e pelo CNMP.

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