Foto na Playboy

Abril se livra de pagar indenização a modelo que saiu na Playboy

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24 de dezembro de 2006, 6h00

Se uma modelo tira foto seminua e assina o termo de autorização para a imagem ser publicada, não tem o direito de receber indenização por danos morais com o argumento de ter sido confundida com garota de programa. O entendimento é da juíza Ana Carolina Vaz Pacheco de Castro, da 5ª Vara Cível de Pinheiros, São Paulo.

A juíza negou o pedido da modelo Adriana Malta Bezerra para receber indenização em ação movida contra a Editora Abril por causa de uma publicação na revista Playboy. A defesa da modelo já recorreu.

Adriana foi convidada para o lançamento da edição de maio de 2003, na casa de eventos Griffe Lounge & Disco, na qual foi capa a apresentadora Sabrina Sato. Por orientação do seu professor do curso de interpretação, a modelo apareceu vestida como estudante.

Ela foi fotografada e a produção informou que as fotos sairiam na edição seguinte, no espaço reservado ao coquetel de lançamento. As fotos só foram publicadas três meses depois, com a seguinte legenda: “No Romanza (SP), Adriana ‘estuda’, segundo informações, biologia. Faz sentido!”.

Na Justiça, Adriana disse que a foto foi tirada quando ainda preenchia a autorização e sem que tivesse se posicionado. Também sustentou que a legenda apresentou “conteúdo falso e lesivo, à sua honra e imagem, vinculando-a com a boate Romanza, que se dedica ao entretenimento sexual de clientes, e alçando-a à categoria de garota de programa”. O principal argumento foi o de violação à imagem.

A Editora Abril, representada pelo advogado Alexandre Fidalgo, do escritório Lourival J. Santos Advogados, alegou que a modelo não só concordou com a foto como posou e assinou a autorização para o uso da imagem. Também argumentou que Adriana agiu por livre e espontânea vontade.

A juíza acolheu o argumento. “A legenda sobreposta à fotografia não desfere qualquer comentário pejorativo à pessoa da autora e não a vincula à categoria de ‘garota de programa’, interpretação esta pessoal e subjetiva, feita pela própria autora, sem qualquer correspondência com a legenda ou com a matéria publicadas. É irrelevante, pois, o fato de estar a autora representando uma personagem, no caso de uma estudante, já que ela assim se apresentou em local público e deixou ser fotografa por sua livre e espontânea vontade”, afirmou.

“A própria autora colocou-se numa situação deveras delicada perante a opinião pública, expondo sua imagem e sua intimidade em local público, em trajes sumários, com os seios praticamente desnudos, e sem o menor pudor. Não está este Juízo, de forma alguma, fazendo julgamento da postura e comportamento da autora, ao se apresentar em público em trajes sumários, servindo este argumento apenas para justificar a inexistência de dano moral passível de reparação por ofensa à honra e imagem”, entendeu a juíza.

Leia a decisão

Processo no. 011.06.106.384-9 (CTR 860/06) VISTOS.

Trata-se de ação de reparação de danos pelo rito ordinário proposta por ADRIANA MALTA BEZERRA contra EDITORA ABRIL S/A., alegando, em apertada síntese, que foi convidada para o lançamento da revista Playboy, capa de Sabrina Sato, que se realizou na casa de eventos Griffe Lounge & Disco no dia 07 de maio de 2003 e, por orientação de seu professor do curso de interpretação para televisão, compareceu ao evento representando uma personagem, no caso uma estudante.

Relata que na ocasião foi fotografada, sendo informada de que as fotos seriam publicadas na revista seguinte, no local reservado ao coquetel de lançamento da revista anterior, e que na edição de agosto de 2003, uma foto sua foi publicada, não no local reservado, com a seguinte legenda “No Romanza (SP), Adriana ‘estuda’, segundo informações, biologia. Faz sentido!”.

Esclarece que a foto foi tirada no momento em que preenchia a autorização do fotógrafo, mas sem que tivesse se posicionado para tanto, que a legenda divulga mensagem de conteúdo falso e lesivo à sua honra e imagem, vinculando-a com a boate Romanza, que se dedica ao entretenimento sexual de clientes, e alçando-a à categoria de “garota de programa”.

Aduz que à ré não é dado o direito de violar sua imagem, privacidade e principalmente sua honra e que o ocorrido acarretou-lhe abalo emocional profundo, desenvolvendo quadro de depressão que a conduziu a tratamento psicoterápico. Ao final, requer seja a ré condenada ao pagamento de indenização por dano moral.

Citada, a ré apresentou contestação, sustentando a improcedência da ação, ao argumento de que a autora não só concordou com a foto, como posou para a mesma e assinou a exigida autorização para uso de imagem; que houve de livre e espontânea vontade cessão de uso gratuito da imagem da autora; que a legenda sobreposta à fotografia não desfere qualquer comentário pejorativo à pessoa da autora; que se com a publicação da foto em revista masculina, nos trajes sumários em que a autora se apresentou, entendeu ela que foi cevada à categoria de garota de programa, isso é sua interpretação pessoal e subjetiva, sem qualquer correspondência com a legenda ou com a matéria publicadas; que o nome exato da casa noturna em que a autora se apresentou daquela forma é indiferente; que não houve violação da intimidade porque a autora posou para a foto e autorizou expressamente sua publicação; que a fotografia foi extraída em local público e que os constrangimentos e abalos morais sofridos pela autora se deram em razão de atos por ela mesma praticados. Ao final, enfatizou a inocorrência de dano moral indenizável.


Registre-se réplica.

Instadas as partes a se manifestar sobre provas, apenas a autora insistiu na produção de prova oral.

É o breve relatório.

FUNDAMENTO E DECIDO.

O feito comporta julgamento antecipado, nos termos do artigo 330, inciso I do Código de Processo Civil, por versar apenas matéria de direito, satisfatoriamente elucidada pela prova literal já constante dos autos. De proêmio, deixo de designar audiência de tentativa de conciliação, conforme permite o artigo 331, parágrafo 3º do Código de Processo Civil, ante o expresso desinteresse manifestado pela ré. Não havendo preliminares a apreciar, passo direto à análise do mérito e, neste particular, penso que a ação é improcedente.

Com efeito, é sabido e ressabido que a responsabilidade civil da empresa jornalística é subjetiva, na medida em que depende da apuração do ato ilícito, do nexo de causalidade entre a conduta e o dano que se busca reparar, tal como se requer nas ações de índoles indenitárias do campo privado. Assim, a responsabilidade derivada da Lei de Imprensa não é objetiva, razão pela qual exige-se para o surgimento do dever de indenizar a prova robusta da conduta ilícita, do dano e do nexo causal, como sendo os três pressupostos essenciais da responsabilidade civil. Nesse sentido, já se decidiu:

“Responsabilidade civil – Exercício da liberdade de manifestação de pensamento e informação – Dano moral resultante de informação veiculada – Falta de prova de dolo ou culpa – Ação de indenização improcedente – Aplicação do art. 49 da lei n.º 5.250, de 1967. O dano moral, reparável pelo exercício da liberdade de informação, tem fundamento na violação de direito ou no prejuízo mediante dolo ou culpa.”

“Indenização – Danos morais – (…) Havendo os pressupostos da responsabilidade civil, ou seja, culpa, o nexo de causalidade e o dano, exsurge clara a obrigação de indenizar que nada mais é do que a conseqüência jurídica do ato ilícito.” “Dano moral – Indenização – Autor da pretensão que não conseguiu demonstrar que aquele que manifestou livremente o pensamento prestou declarações falsas e com a intenção de ofender a sua honra e denegrir a sua imagem – Verba indevida – Inteligência do art. 5, X, da CF.”

Assim, para a caracterização da responsabilidade civil dos meios de comunicação, deve-se ter presente – e esta prova, como visto, incumbe a quem alega (CPC, art. 333, I) – (i) uma ação ou omissão voluntária (dolo), ou decorrente de negligência, imprudência ou imperícia (culpa); (ii) um dano injusto causado a outrem; e (iii) um nexo de causalidade que enlace o resultado danoso à ação deflagrada, constituindo-se, dessa forma, no vínculo que une o resultado à ação. A questão posta em julgamento envolve de forma evidente a colisão de dois direitos consagrados pelo texto constitucional, quais sejam, os direitos de personalidade e a liberdade de imprensa. Sabe-se que “é assegurado a todos o acesso à informação” (art. 5º, XIV, CF) e que “nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social” (art. 220, § 1º, CF).

Do texto constitucional vigente extrai-se também “ser livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura” (art. 5º, IX). Como conciliar, então, essa amplitude ao direito à informação, com a restrição imposta no inciso X do mesmo artigo 5º da Constituição Federal, onde ficou garantido serem “invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito de indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”? Seria o caso, assim, de existir uma inescapável antinomia entre estes textos constitucionais, ou, mais precisamente, haveria inevitável tensão pela colidência entre estes dois princípios ELÁDIO TORRET ROCHA, citando TEORI ZAVASCHI, calcados nas lições de DWORKIN e ROBERT ALEXY, oferece a solução para a hipótese de ser impossível a coexistência, em dada hipótese, de dois princípios constitucionais, dizendo que cumpre ao aplicador do direito percorrer este caminho: “1. Identificam-se, em razão de um determinado fato da vida, os princípios, não no plano abstrato, mas no caso concreto (o aludido magistrado sugere, inclusive, como exemplo para a hipótese, por coincidência, o princípio da liberdade de imprensa versus o do direito à privacidade); 2. mediante o que se chama de ‘regra de conformação ou de concordância entre princípios colidentes’, manda solucionar a questão, ponderando-se os valores em conflito a fim de identificar o que deve prevalecer no caso examinado; e 3. como conseqüência, salienta a restrição ou limitação de um ou de ambos os princípios, mas não elimina nem exclui qualquer deles do sistema jurídico enfocado.”


Com esteio nas lições de ROBERT ALEXY, o ilustre autor catarinense prossegue: “Ocorrendo a colisão entre dois princípios, dá-se valor decisório ao princípio que, no caso, tenha um peso relativamente maior, sem que por isso fique invalidado o princípio com peso relativamente menor.” ANTÔNIO CHAVES afirma que: “Nem sempre é fácil determinar se o direito da coletividade à informação deve prevalecer ou se o indivíduo tem também uma esfera que o público, consequentemente a imprensa, deve respeitar.”

E arremata: “Assim, o direito de informação deve ser o mais amplo possível enquanto não conflitar com interesses considerados maiores. O interesse da coletividade em ser informada impõe a si mesma um limite, quando a divulgação de fatos venham a destruir a pessoa humana em sua dignidade e grandeza. O direito à informação existe em função do desenvolvimento da personalidade e não para a sua destruição.”

Dito isto, força é convir que, embora a liberdade de imprensa esteja elevada à princípio constitucional, não se pode esquecer que, pari passu a esta garantia, por igual vigora outro princípio, da mesma hierarquia, que garante a inviolabilidade da intimidade, vida privada, honra, imagem do indivíduo. Desta forma, apresentam-se como limites da liberdade de imprensa os direitos da personalidade, apenas como forma de salvaguardar outros interesses do Estado Democrático de Direito.

Isso não significa censura em desfavor da imprensa livre, mas prova que a liberdade de imprensa é ampla, porém, não absoluta, ilimitada. Nesse sentido, é preciso o ensinamento do saudoso FREITAS NOBRE: “A liberdade ilimitada, distanciada do interesse social e do bem comum não é conciliável no mundo contemporâneo, porque se o pensamento é inviolável e livre, a sua exteriorização deve ser limitada pelo interesse coletivo, condicionado seu exercício ao destino do patrimônio moral da sociedade, do Estado e dos próprios indivíduos.” E recordando os ensinamentos de CHASSAN, há que se registrar que a liberdade ilimitada da palavra e da imprensa é uma absurdidade que não pode existir na legislação de nenhum povo civilizado.

Isto posto, a liberdade de imprensa deve ser exercida de forma livre, mas com responsabilidade e ética, respeitando uma linha limítrofe entre os dois valores jurídicos, o de informar e criticar de um lado e, de outro, o de resguardar a intimidade, a honra, vida privada e imagem. CLÁUDIO LUIZ BUENO DE GODOY bem observa que “Se são direitos de igual dignidade e se para solução de seu conflito não há recurso possível” aos critérios “que tomam por base a hierarquia, cronologia ou especialidade dos dispositivos que o contemplam”, impõe recorrer ao critério eqüitativo, “juízo de ponderação que se faz entre a honra, privacidade, imagem da pessoa, de um lado, e a liberdade de expressão e comunicação, de outro.”

Quer dizer: em se tratando de conflito real entre normas constitucionais, de igual hierarquia, a relação de precedência na hipótese concreta será estabelecida a partir de um juízo de ponderação, sopesando os princípios, valores e interesses envolvidos. Isto posto, vejamos. A questão posta em julgamento põe-se em termos de saber se a ré cometeu alguma conduta ilícita à luz do direito vigente capaz de gerar dano de ordem moral (ou à imagem) da autora.

Pois bem, é princípio básico a necessidade de autorização do uso da imagem do titular. Sem esta autorização o uso é considerado ilícito, gerando, pois, o dever de indenizar. No caso em tela, porém, esta situação de ilicitude não se verifica. Isso porque, a própria autora confessa em sua inicial que permitiu ser fotografada e autorizou o uso de sua imagem. Da fotografia publicada pela ré, dessume-se que a autora não só concordou com a foto, como posou explicitamente para a mesma.

Além disso, é dos autos, a fls.164, a autorização devidamente assinada pela autora, de livre e espontânea vontade – tanto é que não alegada qualquer forma de vício de consentimento – para uso de sua imagem. Através de tal documento, cuja existência e veracidade não são negadas, a autora autorizou, a título gratuito, a reprodução de sua imagem em reportagem da revista Playboy.

Portanto, é o quanto basta para se concluir que não houve violação de sua intimidade e privacidade, haja vista que a autora posou para a foto e autorizou expressamente sua publicação em reportagem da revista Playboy.

A propósito, observo que não constou de tal autorização a restrição de que sua imagem somente poderia ser publicada na revista subseqüente à da capa de Sabrina Sato, no local reservado ao coquetel de lançamento daquela revista.

Logo, ainda que se admita por hipótese que esta promessa tenha sido feita à autora, deveria ela ter constado expressamente do aludido documento para obrigar a ré a cumpri-la, de forma que dele não constando, e por isso irrelevante a prova de que esta situação tenha realmente ocorrido, não há que se alegar uso indevido e desvirtuado de imagem.


Frise-se que se a autorização foi dada por escrito, dela deveria ter constado qualquer restrição ao uso da imagem que estava sendo cedida, sob pena de prevalecer o direito ao uso desvinculado do evento em que a fotografia foi extraída, garantindo-se a sua reprodução em qualquer outra reportagem da revista Playboy. Mas não é só.

Na reprodução da fotografia da autora, que ora é objeto de contestação, não se constatam contornos sensacionalistas, tendenciosos, deturpados ou ofensivos, ou ainda qualquer juízo de valor negativo ou depreciativo a ponto de abalar a honra e a moral da autora.

Aliás, pelo o que se depreende da fotografia, a própria autora colocou-se numa situação deveras delicada perante a opinião pública, expondo sua imagem e sua intimidade em local público, em trajes sumários, com os seios praticamente desnudos, e sem o menor pudor. Não está este Juízo, de forma alguma, fazendo julgamento da postura e comportamento da autora, ao se apresentar em público em trajes sumários, servindo este argumento apenas para justificar a inexistência de dano moral passível de reparação por ofensa à honra e imagem.

Aliás, a legenda sobreposta à fotografia não desfere qualquer comentário pejorativo à pessoa da autora e não a vincula à categoria de “garota de programa”, interpretação esta pessoal e subjetiva, feita pela própria autora, sem qualquer correspondência com a legenda ou com a matéria publicadas. É irrelevante, pois, o fato de estar a autora representando uma personagem, no caso de uma estudante, já que ela assim se apresentou em local público e deixou ser fotografa por sua livre e espontânea vontade.

Outrossim, é indiferente o nome exato da casa noturna em que a autora se apresentou nos trajes em que foi fotografada, na medida em que não é possível generalizar que toda mulher que freqüente o Romanza seja garota de programa, sendo certo que nenhuma associação entre o local e sua imagem foi feita nesse sentido. Se alguma associação foi feita, segundo a autora de forma pejorativa, deveu-se mais à postura e aos trajes com que ela se apresentou, do que com o local indicado na legenda. Enfim, não me parece ter havido propósito ofensivo.

Por isso, se a autora realmente suportou constrangimentos e abalos morais, força é convir que estes se originaram de sua própria exposição, em razão de atos por ela mesma praticados. Não houve, pois, uso de imagem de forma sensacionalista ou deturpada com o propósito doloso ou culposo de ferir os direitos personalíssimos da autora, de modo que, nessa hipótese, não há que se cogitar do dever de indenizar no caso posto em julgamento.

Isto posto, JULGO IMPROCEDENTE o pedido formulado por ADRIANA MALTA BEZERRA contra EDITORA ABRIL S/A.. Em razão da sucumbência, arcará a autora com o pagamento das custas, despesas processuais e honorários advocatícios da parte contrária, que ora fixo em R$ 1.500,00, sobrestada porém a execução destas verbas, na forma do artigo 12 da Lei no. 1060/50, por ser a autora beneficiária da justiça gratuita. P.R.I.C. São Paulo, 31 de agosto de 2.006.

ANA CAROLINA VAZ PACHECO DE CASTRO

JUÍZA DE DIREITO

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