Sem prejuízo

Preenchimento incorreto de declaração de IR não gera multa

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22 de dezembro de 2006, 10h53

Se o erro no preenchimento da declaração de Imposto de Renda não alterou a base de cálculo do imposto nem deu prejuízo aos cofres públicos, a cobrança de multa de 20% não é razoável. Com base nesse entendimento, a 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça concluiu que Roberto Catalano Botelho Ferraz não terá que pagar multa à Receita Federal.

Segundo os autos, Ferraz recorreu à Justiça contra a União para tentar anular o débito fiscal. A Receita Federal aplicou multa de 20% sobre o valor considerado como não declarado no Imposto de Renda.

O contribuinte afirmou que não faltou informação, pois declarou os pagamentos feitos aos advogados. Além disso, sustentou que a Receita recebeu todo o IR devido tendo em vista que não houve diferença de base de cálculo na sua declaração. Ele alegou, ainda, que pode ter ocorrido vício de forma, uma vez que as informações foram prestadas por ele no campo livro-caixa e a fiscalização entendeu que elas deveriam ter sido dadas no campo relação de doações e pagamentos efetuados.

Para ele, um mero vício de forma não pode ser penalizado com multa de 20% sobre um valor considerado como não declarado quando a declaração foi efetivamente prestada. Por fim, alegou que não se aplica ao caso a Taxa Selic.

O juiz atendeu o pedido de antecipação de tutela para suspender a multa de 20% até a decisão final. No mérito, no entanto, o pedido foi negado. O juiz entendeu que ele descumpriu a previsão do artigo 13 do Decreto-Lei 2.396/87, que determina que os valores referentes aos honorários advocatícios pagos devem constar no campo relações de doações e pagamentos efetuados e não no campo livro-caixa. O Tribunal Regional Federal da 4ª Região manteve a decisão de primeira instância.

Ferraz recorreu ao STJ. Alegou que a própria fiscalização reconheceu que as despesas em questão eram dedutíveis em livro-caixa, tendo em vista que procedeu apenas ao lançamento da multa e não explicou essas deduções. Afirmou, também, que o tipo penal para a imputação da multa é a falta de informação dos rendimentos pagos no ano anterior com indicação do nome e endereço. Por fim, defendeu que não pode se aplicar a Selic, uma vez que não se trata de tributo, mas sim, de multa.

O ministro Luiz Fux, relator, entendeu que a declaração apresentada de forma incorreta não equivale à ausência de informação. Para ele, é indiscutível que o contribuinte se esqueceu de discriminar os pagamentos efetuados às pessoas físicas e às pessoas jurídicas, sem, contudo, deixar de declarar as despesas efetuadas com os esses pagamentos.

Leia a decisão

RECURSO ESPECIAL Nº 728.999 – PR (2005⁄0033114-8)

RELATOR : MINISTRO LUIZ FUX

RECORRENTE : ROBERTO CATALANO BOTELHO FERRAZ

ADVOGADO : ROBERTO CATALANO BOTELHO FERRAZ (EM CAUSA PRÓPRIA) E OUTROS

RECORRIDO : FAZENDA NACIONAL

PROCURADOR : MAGALI THAIS RODRIGUES LEDUR E OUTROS

EMENTA

TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE RENDA DE PESSOA FÍSICA. PREENCHIMENTO INCORRETO DA DECLARAÇÃO. MULTA POR DESCUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÃO ACESSÓRIA. INAPLICABILIDADE. PREJUÍZO DO FISCO. INEXISTÊNCIA. PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE.

1. A sanção tributária, à semelhança das demais sanções impostas pelo Estado, é informada pelos princípios congruentes da legalidade e da razoabilidade.

2. A atuação da Administração Pública deve seguir os parâmetros da razoabilidade e da proporcionalidade, que censuram o ato administrativo que não guarde uma proporção adequada entre os meios que emprega e o fim que a lei almeja alcançar.

3. A razoabilidade encontra ressonância na ajustabilidade da providência administrativa consoante o consenso social acerca do que é usual e sensato. Razoável é conceito que se infere a contrario sensu; vale dizer, escapa à razoabilidade “aquilo que não pode ser”. A proporcionalidade, como uma das facetas da razoabilidade revela que nem todos os meios justificam os fins. Os meios conducentes à consecução das finalidades, quando exorbitantes, superam a proporcionalidade, porquanto medidas imoderadas em confronto com o resultado almejado.

4. À luz dessa premissa, é lícito afirmar-se que a declaração efetuada de forma incorreta não equivale à ausência de informação, restando incontroverso, na instância ordinária, que o contribuinte olvidou-se em discriminar os pagamentos efetuados às pessoas físicas e às pessoas jurídicas, sem, contudo, deixar de declarar as despesas efetuadas com os aludidos pagamentos.

5. Deveras, não obstante a irritualidade, não sobejou qualquer prejuízo para o Fisco, consoante reconhecido pelo mesmo, porquanto implementada a exação devida no seu quantum adequado.

6. In casu, “a conduta do autor que motivou a autuação do Fisco foi o lançamento, em sua declaração do imposto de renda, dos valores referentes aos honorários advocatícios pagos, no campo Livro-Caixa, quando o correto seria especificá-los, um a um, no campo Relação de Doações e Pagamentos Efetuados, de acordo com o previsto no artigo 13 e parágrafos 1º, a e b, e 2º, do Decreto-Lei nº 2.396⁄87. Da análise dos autos, verifica-se que o autor realmente lançou as despesas do ano-base de 1995, exercício 1996, no campo Livro-Caixa de sua Declaração de Imposto de Renda Pessoa Física. Porém, deixou de discriminar os pagamentos efetuados a essas pessoas no campo próprio de sua Declaração de Ajuste do IRPF (fl. 101)” (fls. 122⁄123).

7. Desta sorte, assente na instância ordinária que o erro no preenchimento da declaração não implicou na alteração da base de cálculo do imposto de renda devido pelo contribuinte, nem resultou em prejuízos aos cofres públicos, depreende-se a ausência de razoabilidade na cobrança da multa de 20%, prevista no § 2º, do Decreto-Lei 2.396⁄87.

8. Aplicação analógica do entendimento perfilhado no seguinte precedente desta Corte:

“TRIBUTÁRIO – IMPORTAÇÃO – GUIA DE IMPORTAÇÃO – ERRO DE PREENCHIMENTO E POSTERIOR CORREÇÃO – MULTA INDEVIDA.

1. A legislação tributária é rigorosa quanto à observância das obrigações acessórias, impondo multa quando o importador classifica erroneamente a mercadoria na guia própria.

2. A par da legislação sancionadora (art. 44, I, da Lei 9.430⁄96 e art. 526, II, do Decreto 91.030⁄85), a própria receita preconiza a dispensa da multa, quando não tenha havido intenção de lesar o Fisco, estando a mercadoria corretamente descrita, com o só equívoco de sua classificação (Atos Declaratórios Normativos Cosit nºs 10 e 12 de 1997).

3. Recurso especial improvido.” (REsp 660682⁄PE, Relatora Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, DJ de 10.05.2006)

9. Recurso especial provido, invertendo-se os ônus sucumbenciais.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça decide, por unanimidade, dar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Teori Albino Zavascki, Denise Arruda, José Delgado e Francisco Falcão votaram com o Sr. Ministro Relator.

Assistiu ao julgamento o Dr. IVAN ALLEGRETTI pela parte recorrente: ROBERTO CATALANO BOTELHO FERRAZ.

Brasília, 12 de setembro de 2006

MINISTRO LUIZ FUX

Relator

RECURSO ESPECIAL Nº 728.999 – PR (2005⁄0033114-8)

RELATÓRIO

O EXMO. SR. MINISTRO LUIZ FUX (Relator): Trata-se de recurso especial interposto por Roberto Catalano Botelho Ferraz, com fulcro nas alíneas “a” e “c”, do permissivo constitucional, no intuito de ver reformado acórdão proferido pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região, que negou provimento à apelação do ora recorrente, nos termos da ementa a seguir transcrita:

“AÇÃO ANULATÓRIA DE DÉBITO FISCAL. IRPF. DECLARAÇÃO. VALORES EM CAMPO INCORRETO. MULTA. SELIC.

1. Existindo legislação expressa relativa ao Imposto de Renda das Pessoas Físicas – artigo 13, parágrafo 1º, ‘a’ e ‘b’ e 2º, do Decreto-Lei n. 2.396⁄87 – que obrigava as pessoas físicas a informarem à Receita Federal os rendimentos pagos às pessoas jurídicas e físicas, com indicação do nome, endereço e número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas ou no Cadastro Geral de Contribuintes das pessoas que receberam, deveria o Autor ter informado tais pagamentos no campo próprio de sua declaração, criado justamente para facilitar o cruzamento desses dados com os constantes das declarações de imposto de renda das pessoas citadas em sua declaração e, assim, possibilitar o controle na arrecadação e fiscalização do imposto.

2. A SELIC tem natureza de taxa remuneratória de capital, englobando juros reais e correção monetária. Cabível a sua aplicação sobre tributos pagos em atraso, por força do disposto no art. 13 da Lei 9.065⁄95. O art. 161, §1º, do CTN autoriza que os juros moratórios sejam fixados em percentuais maiores do que 1% ao mês “se a lei não dispuser de modo diverso”. Não vejo óbice à aplicação da SELIC sobre tributos ou indébitos tributários. Ainda que a SELIC não tenha sido “instituída” pela legislação tributária, a determinação legal do art. 13 da Lei 9.065⁄95 é suficiente para dar suporte jurídico a sua incidência.”

Opostos embargos de declaração pelo ora recorrente, restaram os mesmos rejeitados, por não terem sido vislumbrados os vícios apontados.

Noticiam os autos que o ora recorrente ajuizou ação anulatória de débito fiscal, com pedido de tutela antecipada, em face da União, insurgindo-se contra a lavratura do auto de infração nº 10980.002345⁄99-32, no qual a Receita Federal imputa-lhe multa de 20% sobre o valor “considerado como não declarado⁄informado” na declaração de rendimentos do ano-base de 1995 (exercício de 1996). Na inicial, alegou que “falta de declaração⁄informação não houve, porque, na sua declaração de rendimentos 1995⁄1996, o autor efetivamente informou os pagamentos efetuados aos advogados Gláucia Beatriz K. D. V. Marins de Souza, Antônio Carlos Efing, James José Marins de Souza e à Sociedade de Advocacia Marins, Bertoldi & Efing S⁄C Ltda.”. Aduziu ainda que “a Receita Federal recebeu do autor todo o IR devido visto que na sua declaração não houve diferença de base de cálculo; exigiu, com base nas informações prestadas pelo autor, os tributos devidos pelos advogados que receberam honorários, e ainda aplicou multa de 20% a este peticionário como penalidade por deixar de prestar informações, o que de maneira nenhuma ocorreu, …”. Sustenta que pode ter ocorrido vício de forma, “visto que as informações foram prestadas pelo autor no campo ‘livro-caixa’ e a fiscalização entendeu que as mesmas deveriam ter sido prestadas no campo ‘relação de doações e pagamentos efetuados'”. Consoante o autor, “um mero vício de forma não pode ser penalizado com multa de 20% sobre um valor ‘considerado como não declarado’ quando a declaração foi efetivamente prestada”. Ao final, alegou a inaplicabilidade da Taxa Selic.

O pedido de antecipação de tutela restou deferido, a fim de suspender a exigibilidade da multa de 20% (vinte por cento), constante do auto de infração, até decisão final nos autos.

Sobreveio sentença que julgou improcedente o pedido, sob o fundamento de que:

“A conduta do autor que motivou a autuação do Fisco foi o lançamento, em sua declaração do imposto de renda, dos valores referentes aos honorários advocatícios pagos, no campo Livro-Caixa, quando o correto seria especificá-los, um a um, no campo Relação de Doações e Pagamentos Efetuados, de acordo com o previsto no artigo 13 e parágrafos 1º, a e b, e 2º, do Decreto-Lei nº 2.396⁄87.

Da análise dos autos, verifica-se que o autor realmente lançou as despesas do ano-base de 1995, exercício 1996, no campo Livro-Caixa de sua Declaração de Imposto de Renda Pessoa Física. Porém, deixou de discriminar os pagamentos efetuados a essas pessoas no campo próprio de sua Declaração de Ajuste do IRPF (fl. 101).

(…)

Não havendo o autor procedido de tal forma, nada obstante tenha prestado ao Fisco, quando intimado, as mencionadas informações, conforme se infere da documentação acostada aos autos (fls. 25⁄26 e 98), deve suportar a multa de 20% (vinte por cento) a que alude o parágrafo 2º, do artigo 13, do Decreto-Lei nº 2.396⁄97.

Isso porque quando declarou no campo impróprio, impossibilitou o desenvolvimento adequado da atividade fiscalizatória do Fisco. A identificação dos beneficiados pelos valores pagos a título de honorários somente foi possível com a análise do livro caixa do autor, cuja apresentação ocorreu mediante intimação do Fisco (fl. 25).

O fato de a irregularidade não alterar a base de cálculo do imposto como também não ensejar qualquer prejuízo aos cofres públicos não é suficiente para afastar a aplicação da penalidade pecuniária, até porque inexiste dúvida capaz de beneficiar o autor, nos termos propostos pelo legislador complementar nos incisos I a IV do artigo 112 do Código Tributário Nacional.

(…)”

Em sede de apelação, o Tribunal de origem negou provimento ao recurso, nos termos da ementa anteriormente reproduzida.

Nas razões do especial, sustenta o recorrente que o acórdão hostilizado contrariou o disposto: (a) no artigo 81, III, do RIR⁄94, que serviu de base para a declaração efetuada pelo contribuinte que deduziu de sua receita “as despesas de custeio necessárias à percepção da receita e à manutenção da fonte, as quais note-se, não foram glosadas pelo Fisco”; (b) no artigo 13, §§ 1º e 2º, do Decreto-Lei 2.396⁄87, uma vez que o contribuinte”efetivamente declarou os rendimentos pagos e a prova desta declaração é incontroversa nos autos, sendo incabível assim a multa do § 2º, que fala em falta de informação”. Aponta a ilegalidade do decisum que legitimou a incidência da multa de 20% sobre todos os rendimentos pagos pelo recorrente, pagos às pessoas físicas ou às pessoas jurídicas, independentemente de constituírem ou não abatimento ou dedução; (c) no artigo 1º, da Lei 8.383⁄91, ao aplicar a Taxa Selic, “pois esta tem natureza de taxa remuneratória de capital, englobando juros reais e correção monetária”, somente sendo “cabível sua aplicação sobre tributos pagos em atraso, por força do disposto no art. 13, da Lei 9.065⁄95”.

No que pertine à alegada inaplicabilidade da Taxa Selic, sustenta a existência de dissídio jurisprudencial. Para tanto, traz para confronto arestos do STJ que esposam a tese da inconstitucionalidade⁄ilegalidade da Taxa Selic para fins tributários.

Aduziu ainda, como razões de reforma, que: (a) “a própria fiscalização reconheceu que as despesas em questão eram dedutíveis em livro-caixa, tendo em vista que procedeu apenas ao lançamento da multa e não glosou essas deduções, dando-as por boas”; (b) “o tipo penal exigido para a imputação da multa é a falta de informação dos rendimentos pagos no ano anterior com indicação do nome, endereço, etc”, sendo incontroverso nos autos que a recorrente prestou as informações, a despeito de inseri-las em campo supostamente incorreto; (c) “foi com base na declaração do recorrente que o Fisco efetuou o cruzamento das informações e atuou os profissionais beneficiários dos rendimentos”; (d) inaplicabilidade da Selic, uma vez que não se trata de tributo, mas, sim, de multa.

Às fls. 218⁄221, foram apresentadas contra-razões pela União, nas quais se alega que “a simples falta de informação do pagamento efetuado implica na imposição de multa, nos termos do artigo 13, p. 2º, do DL 2.396⁄87, pois, se não prestada no campo próprio da declaração, dificulta o trabalho da fiscalização”. Sustenta a Fazenda que “mesmo que a informação conste na documentação fiscal do contribuinte, e não tenha havido diferença de tributo a pagar, a simples dificuldade gerada à fiscalização, e o risco em potencial de tal omissão torna-se uma forma sutil de colaborar com a evasão fiscal justificam a imposição de multa que, neste caso, tem caráter educativo e preventivo aos interesses da sociedade”. Aduziu ainda a legalidade⁄constitucionalidade da Taxa Selic.

O recurso recebeu crivo positivo de admissibilidade pela instância de origem.

É o relatório.

RECURSO ESPECIAL Nº 728.999 – PR (2005⁄0033114-8)

EMENTA

TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE RENDA DE PESSOA FÍSICA. PREENCHIMENTO INCORRETO DA DECLARAÇÃO. MULTA POR DESCUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÃO ACESSÓRIA. INAPLICABILIDADE. PREJUÍZO DO FISCO. INEXISTÊNCIA. PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE.

1. A sanção tributária, à semelhança das demais sanções impostas pelo Estado, é informada pelos princípios congruentes da legalidade e da razoabilidade.

2. A atuação da Administração Pública deve seguir os parâmetros da razoabilidade e da proporcionalidade, que censuram o ato administrativo que não guarde uma proporção adequada entre os meios que emprega e o fim que a lei almeja alcançar.

3. A razoabilidade encontra ressonância na ajustabilidade da providência administrativa consoante o consenso social acerca do que é usual e sensato. Razoável é conceito que se infere a contrario sensu; vale dizer, escapa à razoabilidade “aquilo que não pode ser”. A proporcionalidade, como uma das facetas da razoabilidade revela que nem todos os meios justificam os fins. Os meios conducentes à consecução das finalidades, quando exorbitantes, superam a proporcionalidade, porquanto medidas imoderadas em confronto com o resultado almejado.

4. À luz dessa premissa, é lícito afirmar-se que a declaração efetuada de forma incorreta não equivale à ausência de informação, restando incontroverso, na instância ordinária, que o contribuinte olvidou-se em discriminar os pagamentos efetuados às pessoas físicas e às pessoas jurídicas, sem, contudo, deixar de declarar as despesas efetuadas com os aludidos pagamentos.

5. Deveras, não obstante a irritualidade, não sobejou qualquer prejuízo para o Fisco, consoante reconhecido pelo mesmo, porquanto implementada a exação devida no seu quantum adequado.

6. In casu, “a conduta do autor que motivou a autuação do Fisco foi o lançamento, em sua declaração do imposto de renda, dos valores referentes aos honorários advocatícios pagos, no campo Livro-Caixa, quando o correto seria especificá-los, um a um, no campo Relação de Doações e Pagamentos Efetuados, de acordo com o previsto no artigo 13 e parágrafos 1º, a e b, e 2º, do Decreto-Lei nº 2.396⁄87. Da análise dos autos, verifica-se que o autor realmente lançou as despesas do ano-base de 1995, exercício 1996, no campo Livro-Caixa de sua Declaração de Imposto de Renda Pessoa Física. Porém, deixou de discriminar os pagamentos efetuados a essas pessoas no campo próprio de sua Declaração de Ajuste do IRPF (fl. 101)” (fls. 122⁄123).

7. Desta sorte, assente na instância ordinária que o erro no preenchimento da declaração não implicou na alteração da base de cálculo do imposto de renda devido pelo contribuinte, nem resultou em prejuízos aos cofres públicos, depreende-se a ausência de razoabilidade na cobrança da multa de 20%, prevista no § 2º, do Decreto-Lei 2.396⁄87.

8. Aplicação analógica do entendimento perfilhado no seguinte precedente desta Corte:

“TRIBUTÁRIO – IMPORTAÇÃO – GUIA DE IMPORTAÇÃO – ERRO DE PREENCHIMENTO E POSTERIOR CORREÇÃO – MULTA INDEVIDA.

1. A legislação tributária é rigorosa quanto à observância das obrigações acessórias, impondo multa quando o importador classifica erroneamente a mercadoria na guia própria.

2. A par da legislação sancionadora (art. 44, I, da Lei 9.430⁄96 e art. 526, II, do Decreto 91.030⁄85), a própria receita preconiza a dispensa da multa, quando não tenha havido intenção de lesar o Fisco, estando a mercadoria corretamente descrita, com o só equívoco de sua classificação (Atos Declaratórios Normativos Cosit nºs 10 e 12 de 1997).

3. Recurso especial improvido.” (REsp 660682⁄PE, Relatora Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, DJ de 10.05.2006)

9. Recurso especial provido, invertendo-se os ônus sucumbenciais.

VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO LUIZ FUX (Relator): Preliminarmente, o recurso merece conhecimento pela alínea “a”, uma vez que prequestionadas as matérias federais ventiladas. No que pertine à alínea “c”, o dissídio jurisprudencial alegado não restou devidamente demonstrado, tendo em vista que os arestos paradigmas esposam entendimento superado nesta Corte.

Prima facie, no que concerne à aplicação de multa por descumprimento de obrigação acessória elencada, impende a transcrição do pertinente artigo 13, do Decreto-Lei n.º 2.396⁄87, que alterou a legislação do Imposto de Renda das Pessoas Físicas:

“Art. 13. As pessoas físicas deverão informar à Secretaria da Receita Federal, juntamente com a declaração, os rendimentos que pagaram no ano anterior, por si ou como representantes de terceiros, com indicação do nome, endereço e número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas ou no Cadastro Geral de Contribuintes, das pessoas que os receberam.

§ 1° Deverão ser informados, na forma deste artigo:

a) os rendimentos pagos a pessoas jurídicas, quando constituam abatimento ou dedução na declaração do contribuinte;

b) os rendimentos pagos a pessoas físicas, constituam ou não abatimento ou dedução na declaração do contribuinte, compreendendo pagamentos efetuados a profissionais liberais, tais como médicos, dentistas, advogados, veterinários, economistas, contadores, engenheiros, arquitetos, psicólogos, fisioterapeutas, e os pagamentos efetuados a título de aluguel, pensão alimentícia e juros.

§ 2º A falta de informação de pagamento efetuado sujeitará o infrator à multa de 20% (vinte por cento) do valor não declarado ou de eventual insuficiência, aplicável pela Secretaria da Receita Federal.”

Consoante a recorrente, a forma de preenchimento de sua declaração fundamentou-se no disposto no artigo 81, III, do RIR⁄94 (Decreto 1.041⁄94), inserto na Seção que trata do Livro-Caixa, verbis:

“Art. 81. O contribuinte que perceber rendimentos do trabalho não-assalariado, inclusive os titulares dos serviços notariais e de registro, a que se refere o art. 236 da Constituição Federal, e os leiloeiros, poderão deduzir, da receita decorrente do exercício da respectiva atividade (Leis n°s 8.134⁄90, art. 6°, e 8.383⁄91, art. 10, I):

(…)

III – as despesas de custeio pagas, necessárias à percepção da receita e à manutenção da fonte produtora.

Parágrafo único. O disposto neste artigo não se aplica (Lei n° 8.134⁄90, art. 6°, § 1°):

a) a quotas de depreciação de instalações, máquinas e equipamentos;

b) a despesas de locomoção e transporte, salvo no caso de caixeiros-viajantes, quando correrem por conta destes;

c) em relação aos rendimentos a que se referem os arts. 48 e 49″ (artigo 48 – prestação de serviços com veículos; e artigo 49 – garimpeiros)

Consoante anteriormente relatado, o Juízo de Primeiro Grau, no exercício de cognição plena, assentou o seguinte:

“A conduta do autor que motivou a autuação do Fisco foi o lançamento, em sua declaração do imposto de renda, dos valores referentes aos honorários advocatícios pagos, no campo Livro-Caixa, quando o correto seria especificá-los, um a um, no campo Relação de Doações e Pagamentos Efetuados, de acordo com o previsto no artigo 13 e parágrafos 1º, a e b, e 2º, do Decreto-Lei nº 2.396⁄87.

Da análise dos autos, verifica-se que o autor realmente lançou as despesas do ano-base de 1995, exercício 1996, no campo Livro-Caixa de sua Declaração de Imposto de Renda Pessoa Física. Porém, deixou de discriminar os pagamentos efetuados a essas pessoas no campo próprio de sua Declaração de Ajuste do IRPF (fl. 101).

(…)

Não havendo o autor procedido de tal forma, nada obstante tenha prestado ao Fisco, quando intimado, as mencionadas informações, conforme se infere da documentação acostada aos autos (fls. 25⁄26 e 98), deve suportar a multa de 20% (vinte por cento) a que alude o parágrafo 2º, do artigo 13, do Decreto-Lei nº 2.396⁄97.

Isso porque quando declarou no campo impróprio, impossibilitou o desenvolvimento adequado da atividade fiscalizatória do Fisco. A identificação dos beneficiados pelos valores pagos a título de honorários somente foi possível com a análise do livro caixa do autor, cuja apresentação ocorreu mediante intimação do Fisco (fl. 25).

O fato de a irregularidade não alterar a base de cálculo do imposto como também não ensejar qualquer prejuízo aos cofres públicos não é suficiente para afastar a aplicação da penalidade pecuniária, até porque inexiste dúvida capaz de beneficiar o autor, nos termos propostos pelo legislador complementar nos incisos I a IV do artigo 112 do Código Tributário Nacional.

(…)”

Ao apreciar a apelação, o Tribunal de origem assim consignou:

“(…)

Desse modo, deveria a parte Autora ter informado no campo relação de doações e pagamentos efetuados os valores referentes aos honorários repassados a terceiros. O lançamento de ditos valores no campo livro-caixa dificultou o acesso da autoridade fiscal, que apenas descobriu as pessoas beneficiárias de tais valores após procedimento fiscal de análise do livro-caixa da parte Autora, quando apurou-se que inclusive essas pessoas não recolheram o tributo devido sobre estes rendimentos e também não informaram sua existência em suas declarações, ocorrendo dupla omissão: omissão na declaração da parte pagadora e na declaração de quem recebeu tais valores, o que torna duvidosa a boa-fé ventilada pela parte, tendo em vista o número de pessoas que assim procederam de forma conjunta.

(…)

Não há dúvida de qual é o campo correto para as informações de dados como os existentes no presente processo, sendo inaplicável o artigo 81 do RIR⁄1994, pois, como exposto pelo Fisco, refere-se especificamente às pessoas físicas que auferem rendimento não assalariado, e permite a dedução da remuneração com vínculo empregatício. Ademais, no conceito de “despesas de custeio pagas, necessárias à percepção da receita e à manutenção da fonte pagadora” não se encaixam os valores repassados a terceiros, pois as despesas de custeio são os insumos, os produtos essenciais à atividade profissional. Ainda, descabida a redução da multa uma vez que existe expressa previsão legal, não podendo o juiz, por critério subjetivo de justiça, alterar o percentual da mesma, uma vez que se trata de tarefa legislativa.”

A sanção tributária, à semelhança das demais sanções impostas pelo Estado, é informada pelos princípios congruentes da legalidade e da razoabilidade.

A atuação da Administração Pública deve seguir os parâmetros da razoabilidade e da proporcionalidade, que censuram o ato administrativo que não guarde uma proporção adequada entre os meios que emprega e o fim que a lei almeja alcançar.

A razoabilidade encontra ressonância na ajustabilidade da providência administrativa consoante o consenso social acerca do que é usual e sensato. Razoável é conceito que se infere a contrario sensu; vale dizer, escapa à razoabilidade “aquilo que não pode ser”. A proporcionalidade, como uma das facetas da razoabilidade revela que nem todos os meios justificam os fins. Os meios conducentes à consecução das finalidades, quando exorbitantes, superam a proporcionalidade, porquanto medidas imoderadas em confronto com o resultado almejado.

Sobre o Princípio da Razoabilidade merece destaque a lição de Celso Antônio Bandeira de Mello in “Curso de Direito Administrativo”, Malheiros, 2002, 14ª ed., p. 91-93:

“Princípio da razoabilidade

Enuncia-se com este princípio que a Administração, ao atuar no exercício de discrição, terá de obedecer a critérios aceitáveis do ponto de vista racional, em sintonia com o senso normal de pessoas equilibradas e respeitosa das finalidades que presidiram a outorga da competência exercida. Vale dizer: pretende-se colocar em claro que não serão apenas inconvenientes, mas também ilegítimas – e, portanto, jurisdicionalmente invalidáveis – , as condutas desarrazoadas e bizarras, incoerentes ou praticadas com desconsideração às situações e circunstâncias que seriam atendidas por quem tivesse atributos normais de prudência, sensatez e disposição de acatamento às finalidades da lei atributiva da discrição manejada.

Com efeito, o fato de a lei conferir ao administrador certa liberdade (margem de discrição) significa que lhe deferiu o encargo de adotar, ante a diversidade de situações a serem enfrentadas, a providência mais adequada a cada qual delas. Não significa, como é evidente, que lhe haja outorgado o poder de agir ao sabor exclusivo de seu libito, de seus humores, paixões pessoais, excentricidades ou critérios personalíssimos, e muito menos significa, muito menos significa que liberou a Administração para manipular a regra de Direito de maneira a sacar dela efeitos não pretendidos nem assumidos pela lei aplicanda. Em outras palavras: ninguém poderia aceitar como critério exegético de uma lei que esta sufrague as providências insensatas que o administrador queira tomar; é dizer, que avalize previamente as condutas desarrazoadas, pois isto corresponderia irrogar dislates à própria regra de Direito.

(…)

Fácil é ver-se, pois, que o princípio da razoabilidade fundamenta-se nos mesmos preceitos que arrimam constitucionalmente os princípios da legalidade (arts. 5º, II, 37 e 84) e da finalidade (os mesmos e mais o art. 5º, LXIX, nos termos já apontados).

Não se imagine que a correção judicial baseada na violação do princípio da razoabilidade invade o “mérito” do ato administrativo, isto é, o campo de “liberdade” conferido pela lei à Administração para decidir-se segundo uma estimativa da situação e critérios de conveniência e oportunidade. Tal não ocorre porque a sobredita “liberdade” é liberdade dentro da lei, vale dizer, segundo as possibilidades nela comportadas. Uma providência desarrazoada, consoante dito, não pode ser havida como comportada pela lei. Logo, é ilegal: é desbordante dos limites nela admitidos.

(…)

Sem embargo, o fato de não se poder saber qual seria a decisão ideal, cuja apreciação compete à esfera administrativa, não significa, entretanto, que não se possa reconhecer quando uma dada providência, seguramente, sobre não ser a melhor, não é sequer comportada na lei em face de uma dada hipótese. Ainda aqui cabe tirar dos magistrais escritos do mestre português Afonso Rodrigues Queiró a seguinte lição: “O fato de não se poder saber o que ela não é.” Examinando o tema da discrição administrativa, o insigne administrativista observou que há casos em que “só se pode dizer o que no conceito não está abrangido, mas não o que ele compreende.”

(…)”

À luz dessa premissa, é lícito afirmar-se que a declaração efetuada de forma incorreta não equivale à ausência de informação, restando incontroverso, na instância ordinária, que o contribuinte olvidou-se em discriminar os pagamentos efetuados às pessoas físicas e às pessoas jurídicas, sem, contudo, deixar de declarar as despesas efetuadas com os aludidos pagamentos.

Deveras, não obstante a irritualidade, não sobejou qualquer prejuízo para o Fisco, consoante reconhecido pelo mesmo, porquanto implementada a exação devida no seu quantum adequado.

Outrossim, assente na instância ordinária que o erro no preenchimento da declaração não implicou na alteração da base de cálculo do imposto de renda devido pelo contribuinte, nem resultou em prejuízos aos cofres públicos, donde se depreende a ausência de razoabilidade na cobrança da multa de 20%, prevista no § 2º, do Decreto-Lei 2.396⁄87, na hipótese dos autos.

Nesta esteira, impõe-se a aplicação analógica do entendimento perfilhado no seguinte precedente desta Corte:

“TRIBUTÁRIO – IMPORTAÇÃO – GUIA DE IMPORTAÇÃO – ERRO DE PREENCHIMENTO E POSTERIOR CORREÇÃO – MULTA INDEVIDA.

1. A legislação tributária é rigorosa quanto à observância das obrigações acessórias, impondo multa quando o importador classifica erroneamente a mercadoria na guia própria.

2. A par da legislação sancionadora (art. 44, I, da Lei 9.430⁄96 e art. 526, II, do Decreto 91.030⁄85), a própria receita preconiza a dispensa da multa, quando não tenha havido intenção de lesar o Fisco, estando a mercadoria corretamente descrita, com o só equívoco de sua classificação (Atos Declaratórios Normativos Cosit nºs 10 e 12 de 1997).

3. Recurso especial improvido.” (REsp 660682⁄PE, Relatora Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, DJ de 10.05.2006)

Diante do exposto, DOU PROVIMENTO AO RECURSO ESPECIAL do contribuinte, devendo ser invertidos os ônus sucumbenciais.

É como voto.

CERTIDÃO DE JULGAMENTO

PRIMEIRA TURMA

Número Registro: 2005⁄0033114-8 REsp 728999 ⁄ PR

Números Origem: 200170000387478 200204010037508

PAUTA: 12⁄09⁄2006 JULGADO: 12⁄09⁄2006

Relator

Exmo. Sr. Ministro LUIZ FUX

Presidente da Sessão

Exmo. Sr. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI

Subprocurador-Geral da República

Exmo. Sr. Dr. AURÉLIO VIRGÍLIO VEIGA RIOS

Secretária

Bela. MARIA DO SOCORRO MELO

AUTUAÇÃO

RECORRENTE : ROBERTO CATALANO BOTELHO FERRAZ

ADVOGADO : ROBERTO CATALANO BOTELHO FERRAZ (EM CAUSA PRÓPRIA) E OUTROS

RECORRIDO : FAZENDA NACIONAL

PROCURADOR : MAGALI THAIS RODRIGUES LEDUR E OUTROS

ASSUNTO: Ação Anulatória – Débito Fiscal

SUSTENTAÇÃO ORAL

Assistiu ao julgamento o Dr. IVAN ALLEGRETTI pela parte recorrente: ROBERTO CATALANO BOTELHO FERRAZ.

CERTIDÃO

Certifico que a egrégia PRIMEIRA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

A Turma, por unanimidade, deu provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.

Os Srs. Ministros Teori Albino Zavascki, Denise Arruda, José Delgado e Francisco Falcão votaram com o Sr. Ministro Relator.

Brasília, 12 de setembro de 2006

MARIA DO SOCORRO MELO

Secretária

RECURSO ESPECIAL Nº 728.999 – PR (2005⁄0033114-8)

VOTO

O SR. MINISTRO JOSÉ DELGADO: Sr. Presidente, estou de acordo com o voto do Sr. Ministro Relator, porque a própria autoridade fiscal confirma:

“Os honorários deveriam ter sido deduzidos do valor a ser oferecido à tributação, conforme art. tal, parágrafo único, do Regulamento do Imposto de Renda, e não ser considerado despesa do livro caixa.”

Mais adiante, diz a própria autoridade fiscal no auto de infração:

“A glosa desses valores, no livro caixa, e sua competente dedução do imposto de rendimento bruto, não alteraria a base de cálculo do imposto, motivo pelo qual não foi feita a glosa.”

Com tais considerações, dou provimento ao recurso especial.

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