Condições financeiras

Defensoria Pública tenta derrubar taxa de concurso para carentes

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19 de dezembro de 2006, 14h55

A Defensoria Pública da União ajuizou ação na Justiça Federal de São Paulo contra a Fundação Carlos Chagas, entidade responsável em elaborar concursos públicos. O objetivo é derrubar a taxa de inscrição para pessoas carentes que farão o concurso de analista e técnico do Ministério Público em todo o Brasil.

Os defensores alegam que o edital não prevê isenção de taxa para pessoas sem condições de arcar com a despesa. Por esse motivo, tentarão fazer com que a União e a Fundação Carlos Chagas prorrogue as inscrições, que vão até a próxima sexta-feira (22/12), por mais 20 dias, além de isentar as pessoas carentes do pagamento.

Eles argumentam, ainda, que todas as pessoas têm direito ao livre e amplo acesso aos cargos públicos, como direito fundamental garantido pela Constituição da República em seu artigo 37. Para a Defensoria, a taxa não pode impedir o acesso dos hipossuficientes aos cargos, já que o mesmo dispositivo que permite a cobrança (art. 11 da Constituição) também prevê a necessidade de regulamentações das hipóteses de isenção.

De acordo com Holden Macedo, presidente da Associação Nacional dos Defensores Públicos da União, a barreira econômica não pode impedir os brasileiros de terem ascensão profissional após um concurso público.

Leia integra a ação

Excelentíssimo(a) Senhor(a) Juiz(íza) Federal da ___ Vara Cível da Subseção Judiciária de São Paulo

PAJ 2006/020-33672

A DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO, instituição essencial à função jurisdicional do Estado, a quem incumbe a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados, representada pelo subscritor, vem, com fundamento no art. 5º, LXXIV e XXXV, e no art. 134 da Constituição da República, no art. 4º, III, da Lei Complementar 80/94, no art. 82, III, do Código de Defesa do Consumidor, c.c. art. 21 da L. 7.347/85, ajuizar a presente AÇÃO CIVIL PÚBLICA, com pedido de ANTECIPAÇÃO DE TUTELA, em face (i) da UNIÃO FEDERAL, com endereço na Av. Paulista, 1842, 30º Andar, edifício Cetenco Plaza – Torre Norte, em São Paulo/SP, (ii) e da FUNDAÇÃO CARLOS CHAGAS, com endereço na Av. Prof. Francisco Morato, 1565, Jd. Guedala, em São Paulo/SP, pelas razões que passa a expor.

1. Dos fatos

Em 23 de outubro de 2006 foi publicado o Edital PGR/MPU nº 18/2006, edital de abertura do V Concurso Público para provimento de cargos das Carreiras de Analista e Técnico do Ministério Público da União.

As inscrições podem ser feitas por meio da Internet, no período de 4/12 a 21/12/2006, até às 20h30min (horário de Brasília) ou nas agências credenciadas da CAIXA – Caixa Econômica Federal, relacionadas no Anexo IV do referido edital, no período de 4/12 a 22/12/2006, em seus respectivos horários de expediente bancário, conforme o item 2 do Capítulo IV do edital.

Não foi prevista nenhuma forma de isenção de taxa, como expressamente se extrai do item 3.1.3 do Capítulo IV (Das inscrições):

“Não haverá isenção de pagamento do valor da inscrição, seja qual for o motivo alegado”.

Dessa forma, inviabiliza-se a participação no concurso e a conseqüente possibilidade de acesso a cargos públicos de milhares de pessoas hipossuficientes, que não têm condições de arcar com os custos da taxa sem prejuízo do próprio sustento.

Por óbvio, não se quer discutir a legalidade da cobrança de taxa para a inscrição em concurso público. O que se quer é garantir àqueles que não têm condições de arcar com as taxas de R$ 60,00 (sessenta reais) para o cargo de analista e R$ 45,00 (quarenta e cinco reais) para o cargo de técnico, sem prejuízo da subsistência familiar, não sejam alijados da participação no certame.

2. Da legitimidade da Defensoria Pública

A Defensoria Pública tem por função institucional a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados. É instituição essencial à função jurisdicional do Estado justamente por garantir o direito fundamental à assistência jurídica integral e gratuita aos necessitados, conforme assegura o art. 5º, LXXIV, da Constituição Federal, umbilicalmente ligado ao direito fundamental do acesso à justiça, consagrado no art. 5º, XXXV, da CF.

Nesse sentido, não há instituição que represente tão adequadamente os hipossuficientes que a Defensoria Pública. A idéia de representatividade adequada é inerente ao reconhecimento da legitimidade para o ajuizamento de demandas coletivas. É o que se infere do rol de legitimados previsto no art. 82 do CDC, aplicável à defesa de qualquer interesse coletivo por força do art. 21 da L. 7.347/85.

Destarte, a Defensoria Pública da União, entidade da administração pública federal direta sem personalidade jurídica, especificamente destinada à defesa dos interesses e direitos dos necessitados, por força da conjugação entre os arts. 82, III, do CDC e 21 da Lei de Ação Civil Pública, é parte legítima para propor a presente demanda.

Não reconhecer a legitimidade ativa da Defensoria Pública para propor ação civil pública seria inviabilizar o próprio acesso à justiça daqueles que não têm condições econômicas de representar-se em juízo.

Note-se que, em relação ao caso presente, três pessoas já procuraram a Defensoria Pública da União, buscando a assistência jurídica desta instituição para pleitear a isenção da taxa de inscrição, como comprovam os documentos anexos. Os irmãos Wagner Gomes Alves Júnior e Gabriel Machado Alves foram atendidos em 11.12.2006, originando o Processo da Assistência Jurídica (PAJ) nº 2006/020-33575. Carla Cristina dos Santos foi atendida em 11.12.2006, originando o PAJ nº 2006/020-33576.

3. Do direito

O livre e amplo acesso aos cargos públicos é garantido, como direito fundamental, pela Constituição da República, em seu art. 37, I, verbis:

“Art. 37. A Administrção Pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, Estado, Distrito Federal e Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte”:

I – os cargos, empregos e funções públicas são acessíveis aos brasileiros que preencham os requisistos estabelecidos em lei, assim como aos estrangeiros, na forma da lei”.

Como deflui do art. 11 da L. 8.112/90, é possível a cobrança de taxa para inscrição em concurso público:

“Art. 11. O concurso será de provas ou de provas e títulos, podendo ser realizado em duas etapas, conforme dispuserem a lei e o regulamento do respectivo plano de carreira, condicionada a inscrição do candidato ao pagamento do valor fixado no edital, quando indispensável ao seu custeio, e ressalvadas as hipóteses de isenção nele expressamente previstas” (grifo nosso).

Resta claro, pois, que, ainda que seja possível a cobrança de taxa para a inscrição no concurso, tal taxa não pode impedir o acesso dos hipossuficientes aos cargos públicos, já que o mesmo dispositivo que permite a cobrança também prevê a necessidade de regulamentação das hipóteses de isenção, única interpretação possível à luz do princípio constitucional do amplo acesso aos cargos públicos.

Aliás, tratar igualmente desiguais é inviabilizar o princípio da isonomia, consagrado no caput do art. 5º da Constituição Federal. Vedar qualquer hipótese de isenção de taxa para inscrição no concurso é impedir que aqueles que não tenham condições de arcar com o custo vejam-se privados da possibilidade de concorrer aos cargos públicos. No caso, o discrímen necessário para emprestar ao princípio da igualdade todo o seu conteúdo é a isenção para os hipossuficientes, cobrando-se, eventualmente, taxa apenas daqueles que possam pagá-la sem prejuízo do sustento seu e de sua família.

Note-se, ainda, que a previsão de isenção de taxas é regra nos editais para concurso de Procurador da República, como se observa nos editais para o 22º e para o 23º Concurso Público para Provimento de Cargos de Procurador da República, em anexo. Não se mostra plausível, portanto, que no caso de concurso para os cargos de analista e técnico do MPU tal previsão não seja feita.

4. Da antecipação da tutela

Presentes, no caso, os requisitos para o deferimento da tutela antecipada.

O fumus boni iuris está fundado no direito fundamental ao amplo acesso aos cargos públicos, insculpido no art. 37, I, da Constituição da República. A concessão da medida permitiria àqueles que não têm condições de arcar com os valores da taxa de inscrição possam concorrer aos cargos de analista e técnico do MPU, sem prejuízo do sustento de seu núcleo familiar.

O perigo da demora do provimento jurisdicional é facilmente verificável ante a iminência do término do período de inscrições, que se encerram em 22 de dezembro de 2006. Caso a tutela não seja antecipada, corre-se o risco de inúmeros potenciais candidatos deixarem de inscrever-se no certame unicamente em razão de não disporem dos recursos financeiros para o pagamento da taxa.

Assim sendo, requer-se seja concedida liminar inaudita altera pars para antecipação da tutela pleiteada, nos seguintes termos:

a) determinar à União Federal e à Fundação Carlos Chagas que permitam a inscrição de candidato que comprove não ter condições de arcar com a taxa, em todo o território nacional, indicando critérios objetivos para tal comprovação, sugerindo-se como critério o limite de isenção do imposto de renda ou o disposto na Resolução do Conselho Superior da Defensoria Pública da União nº 13, de 25 de outubro de 2006, fixando-se multa diária pelo descumprimento da medida.

b) determinar à União Federal e à Fundação Carlos Chagas que prorrogue as inscrições por mais vinte dias, em todo o território nacional, o que não inviabilizaria a realização da prova na data prevista no edital (11.02.2007), divulgando de maneira ampla e célere a decisão, em todo o território nacional, permitindo-se o conhecimento da decisão por todos os potenciais candidatos que possam dela beneficiar-se e que deixaram de inscrever-se no concurso em razão da impossibilidade de isenção de taxa de inscrição, fixando-se multa diária, a critério do juízo, no caso de descumprimento da prorrogação e/ou da divulgação.

5. Do pedido

Pelo exposto, a Defensoria Pública da União requer:

a) a citação das demandadas para apresentar defesa e acompanhar o presente processo, convolando-se em definitiva a antecipação de tutela requerida e obrigando as demandadas a admitir inscrição de candidatos que comprovem sua hipossuficiência independentemente do pagamento da taxa de inscrição.

b) caso a presente demanda seja julgada improcedente, permitir-se aos eventuais beneficiários da antecipação da tutela o pagamento da taxa de inscrição prevista no edital, convalidando-se a inscrição sub judice;

c) a condenação das demandadas nos ônus de sucumbência;

d) a produção de prova por todos os meios em direito admitidos;

e) a intimação do Ministério Público Federal, nos termos do art. 5º, § 1ª, da L. 7.347/85;

f) a observância do prazo em dobro, da intimação pessoal e da vista pessoal fora de cartório aos membros da Defensoria Pública da União, nos termos do art. 44, I e VI, da Lei Complementar 80/94.

Dá-se a causa, o valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais).

São Paulo, 18 de dezembro de 2006.

JOÃO PAULO DE CAMPOS DORINI

Defensor Público da União

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