Informação pública

Empresa de pneu não consegue evitar distribuição de cartilha

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31 de agosto de 2006, 7h00

O Poder Público tem o direito e o dever de divulgar para a população suas informações. É o princípio da transparência dos atos administrativos. Assim, pode e deve também divulgar cartilhas que contenham dados de interesse público.

Com base neste entendimento, a juíza federal substituta Petita Mazini, da Vara Ambiental de Curitiba, negou liminar para barrar a distribuição de cartilha sobre os problemas ambientais causados pelos pneus.

A BS Colway, amparada pela Abip — Associação Brasileira da Indústria de Pneus Remoldados, tenta na Justiça evitar a distribuição da cartilha, elaborada pelo Ministério do Meio Ambiente e pelo Ibama. A empresa alega que as informações divulgadas não são verdadeiras e, além disso, prejudicam os negócios da indústria de pneus remoldados.

Para a juíza, não ficou comprovado que as informações divulgadas faltam com a verdade. Ela entendeu que o governo federal conseguiu provar que os dados da cartilha foram baseados em estudos técnicos. “A pretendida proibição de divulgação das informações constantes da cartilha objurgada mostra-se contrária ao espírito constitucional. Principalmente ao se tratar de informações de interesse público, e que afetam necessariamente o meio ambiente, mostra-se apropriada a mais ampla divulgação das informações correlatas, seja qual for o seu sentido, sendo certo que não se exclui a possibilidade de responsabilização pelos eventuais abusos cometidos”, afirma.

A juíza ressalta que, se as empresas de pneus recauchutados discordam do conteúdo da cartilha, têm o direito de apresentar seus argumentos à sociedade, mas não de impedir a manifestação do governo.

Veja a íntegra da decisão

AÇÃO ORDINÁRIA (PROCEDIMENTO COMUM ORDINÁRIO) Nº 2006.70.00.016480-3/PR

AUTOR: ABIP – ASSOCIACAO BRASILEIRA DA INDUSTRIA DE PNEUS REMOLDADOS

: BS COLWAY PNEUS LTDA

ADVOGADO: CARLOS AGOSTINHO TAGLIARI

RÉU: UNIÃO – ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO

: INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVAVEIS – IBAMA

DECISÃO/LIMINAR

1- Trata-se ação ordinária em que pleiteiam as autoras, a título de antecipação dos efeitos da tutela, seja determinado aos réus que recolham cartilhas elaboradas pelo Ministério do Meio Ambiente e pelo IBAMA – as quais trazem informações acerca de problemas ambientais relacionados a pneus – e cessem imediatamente sua distribuição e veiculação (inclusive via internet), bem como de qualquer outro anúncio nestes moldes, informando em seus respectivos sites o teor da íntegra da decisão liminar a ser proferida nestes autos, sob pena de multa.

Após tecer diversas considerações acerca da importação de pneus usados e da Resolução CONAMA nº 258/99, no que pertine ao objeto dos autos, as autoras alegam, em síntese, que vêm sofrendo forte resistência das empresas multinacionais de pneus e também do Ministério do Meio Ambiente e do IBAMA, que estão distribuindo a inquinada cartilha (divulgada também em seus respectivos sites), a qual conteria informações inverídicas, difamatórias e prejudiciais às empresas. Na seqüência, transcrevem inúmeros trechos de referido documento, em relação aos quais se insurgem, relativos, dentre outros, a informações prestadas pela ABIP; descumprimento da Resolução CONAMA 258/99 por parte da BS Colway e dados apresentados acerca do número de pneus com destinação adequada; e conteúdo das tabelas que apontam as metas de destinação de pneus inservíveis. Sustentam que referida cartilha está denegrindo sua imagem e moral, não obstante a proteção constante do art. 5º, X, da Constituição Federal e art. 12 da Lei nº 5.250/67, além das informações serem falaciosas e equivocadas.

Com a inicial foram apresentados os documentos de fls. 37/505.

Inicialmente distribuídos os autos à 8ª Vara Federal desta Subseção Judiciária, foi determinada, preliminarmente, a intimação dos réus para manifestarem-se, em 72 horas, o que foi cumprido pelo IBAMA às fls. 512/533 e pela União às fls. 630/633, anexando ambos os réus documentos juntamente com suas manifestações.


A ação foi redistribuída a esta Vara Ambiental, Agrária e Residual de Curitiba, devido à competência em razão da matéria.

Intimados para complementação das informações previamente apresentadas, os réus cumpriram a determinação às fls. 718/770.

Brevemente relatados.

Decido.

2- A antecipação dos efeitos da tutela encontra assento legal no art. 273 do CPC, que a prevê nas hipóteses em que, existindo prova inequívoca, o juiz se convença da verossimilhança da alegação, devendo existir ainda fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação.

No caso presente, não se vislumbra, ao menos em cognição sumária e provisória, a existência de razões suficientes a justificar a antecipação da tutela.

Consoante já apontado acima, as autoras pretendem, com a presente ação ordinária, seja determinado aos réus o recolhimento de cartilhas elaboradas e distribuídas pelo Ministério do Meio Ambiente e pelo IBAMA, sob a alegação de que contêm informações inverídicas, difamatórias e prejudiciais às empresas de pneus reformados.

Inicialmente, cabe ressaltar que o Poder Público possui liberdade plena na prestação de informações aos administrados, sendo certo inclusive que, dispondo das mesmas, possui obrigação de divulgá-las, em atendimento aos princípios da publicidade e transparência dos atos administrativos e à eliminação dos segredos públicos. Destaque-se, a esse respeito, que a informação é também um direito da população, alvitrando-se a finalidade de consolidação de uma democracia participativa, ou seja, da efetiva participação popular na definição das políticas públicas. Referido direito encontra-se expressamente previsto na Constituição Federal de 1988, em seu art. 5º, da seguinte forma:

XIV – é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional;

XXXIII – todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado;

Com efeito, hodiernamente se observa no país uma política de governo bastante voltada à divulgação de dados pertinentes à proteção ambiental, justamente devido à relevância conferida à matéria, na medida em que, conforme ensina Ana Cláudia Bento Graff, "evidencia-se a imprescindibilidade do direito à informação ambiental como pressuposto à participação de todos nas decisões governamentais que envolvam o meio ambiente e, por que não dizer, na sua efetiva proteção, posto que, em princípio, só se preserva e só se valoriza o que se conhece" (O direito à informação ambiental. In: FREITAS, Vladimir Passos (Org.). Direito ambiental em evolução 1. Curitiba: Juruá, 2002, pp. 14-15).

A propósito, o direito à informação ambiental faz parte da Política Nacional do Meio Ambiente, conforme previsto na Lei nº 6.938/81:

Art. 4º – A Política Nacional do Meio Ambiente visará:

(…)

V – à difusão de tecnologias de manejo do meio ambiente, à divulgação de dados e informações ambientais e à formação de uma consciência pública sobre a necessidade de preservação da qualidade ambiental e do equilíbrio ecológico;

Outrossim, importante frisar que a inacessibilidade às informações ambientais gera como conseqüência imediata a impossibilidade do efetivo exercício do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, conforme preconiza o art. 225, caput, da Carta Magna, impondo-se também por esta razão a regra da plena informação dos dados ambientais à população como um todo.

Partindo-se dessa premissa, tem-se que a cartilha combatida pelas autoras visa justamente prestar informações desconhecidas pela população em geral, das quais o Poder Público é detentor. Sendo assim, ao Poder Judiciário estaria autorizado determinar o recolhimento das cartilhas unicamente em caso de colisão com outras normas constitucionais, ou na hipótese de comprovada falsidade das informações, o que não se constata no caso em tela.


Em verdade, verifica-se a insurgência das autoras por discordarem do conteúdo das informações trazidas com a cartilha, as quais, no entanto, conforme informações prestadas pelos réus em suas manifestações, estão devidamente embasadas em dados levantados pelas áreas técnicas responsáveis, além de precedentes de outros países. Destarte, cabe às autoras, na medida em que se encontram em um Estado Democrático, fazer a devida contraposição à cartilha referida, apresentando seus argumentos pela mesma via, de forma a enriquecer o debate acerca da questão – em especial da importação de pneus usados, inclusive junto ao Congresso Nacional, em face da tramitação de projeto de lei pertinente à matéria (PLS nº 216/03).

A pretendida proibição de divulgação das informações constantes da cartilha objurgada mostra-se contraria ao espírito constitucional, que expressamente conclama a liberdade de manifestação do pensamento e de expressão da atividade intelectual, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença (art. 5º, IV e IX, da CF). Há que se lembrar que a democracia pressupõe a pluralidade de idéias e pensamentos, a tolerâncias de opiniões e o espírito aberto ao diálogo. Principalmente ao se tratar de informações de interesse público, e que afetam necessariamente o meio ambiente, mostra-se apropriada a mais ampla divulgação das informações correlatas, seja qual for o seu sentido, sendo certo que não se exclui a possibilidade de responsabilização pelos eventuais abusos cometidos.

Na realidade, da análise atenta da cartilha juntada nos presentes autos, observa-se que os únicos itens passíveis de impugnação pelas autoras seriam os de nºs 7 e 8, referentes ao cumprimento das metas para destinação de pneus e às multas aplicadas, os quais apresentam tabelas com dados estatísticos referentes às empresas importadoras de pneus usados. Ocorre que, devidamente intimados, os réus lograram comprovar os métodos e fontes utilizados para a obtenção de referidos dados (fls. 726/728), resumindo a questão da seguinte forma:

Portanto, os dados constantes na tabela pág. 17 e 22 da Cartilha referente à meta, a destinação e o quantitativo não destinado de pneus inservíveis pelos importadores de pneus usados são oriundos do cruzamento dos dados do CTF do IBAMA, no qual as empresas declaram a destinação de pneumáticos inservíveis previamente ao embarque, e os dados obtidos no banco Alice do SECEX, no qual são obtidos os quantitativos importados pela empresa. (fl. 728)

O procedimento adotado, supra referido, encontra-se previsto na Instrução Normativa nº 08/2002, do IBAMA, a qual institui os procedimentos necessários ao cumprimento da Resolução CONAMA nº 258, de 26/08/1999, quanto ao cadastramento de fabricantes e importadores de pneumáticos para uso em veículos automotores e bicicletas. E, conforme previsto em referida norma, compete às importadoras preencher uma declaração de destinação de pneumáticos inservíveis, o que permite o cruzamento de dados que possibilitou o levantamento das informações constantes da cartilha sob apreciação, não se vislumbrando, ao menos neste momento, qualquer falsidade nos números encontrados.

No que pertine especificamente à segunda autora, o procedimento utilizado e a sua situação atual encontram-se explicitados no parecer juntado às fls. 755/757.

Acerca da tabela constante à fl. 23 da cartilha, não se verifica qualquer irregularidade, na medida em que indicada a quantidade de 3.626 pneus apreendidos da empresa BS Colway Remoldagem de Pneus Ltda, exatamente o mesmo volume apreendido quando da autuação da empresa (Auto de Infração nº 307.636 – fl. 729).

Ademais, quanto à tabela de fl. 22, a quantidade de pneus não destinados entre agosto de 2003 e outubro de 2005 também se encontra fundamentada em Auto de Infração, de nº 247912 (fl. 750), o qual, ainda que sob discussão, não foi desconstituído. Atente-se, nesse ponto, que a Coordenação de Controle Ambiental do IBAMA, em contradita à defesa apresentada pela empresa, concluiu pela efetiva prática da infração ambiental, por não ter a empresa comprovado que, previamente ao embarque dos pneus que importou, deu destinação ambiental correta aos pneumáticos inservíveis que lhe eram devidos, conforme as normas ambientais (fls. 543/553). E no presente processo não se discute o citado auto de infração, o qual, não anulado até a presente data, constitui informação de domínio público, podendo ser objeto de divulgação estatística pelo Ministério do Meio Ambiente e pelo IBAMA.

É certo que, em caso de futura comprovação da existência de dados equivocados informados pelos réus, a situação aqui exposta poderá ser revertida e eventualmente proibida a sua veiculação. Contudo, no presente momento não há prova inequívoca que convença da verossimilhança das alegações das autoras, razão pela qual o indeferimento do pedido é medida que se impõe.

3. Diante do exposto, indefiro o pedido de antecipação dos efeitos da tutela.

Intime-se.

Citem-se os réus para que apresentem contestação no prazo legal.

Apresentadas as contestações, intimem-se as autoras para que se manifestem, no prazo de 10 (dez) dias, ocasião em que deverão declinar fundamentadamente as provas que pretendem produzir.

Em atenção à economia e à celeridade processuais, a cópia da presente decisão servirá de mandado de citação e de intimação.

Curitiba, 01 de agosto de 2006.

Pepita Durski Tramontini Mazini

Juíza Federal Substituta

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