Injusta pena

Condenado por estupro é inocentado após cinco anos preso

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31 de agosto de 2006, 7h00

Depois de cinco anos de prisão e mais de 10 anos de processo criminal, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul absolveu da acusação de estupro um homem de 61 anos. O 4º Grupo Criminal do TJ gaúcho acolheu a ação de Revisão Criminal, após o exame de DNA ter comprovado que Adão Manoel Ramires não era culpado pelo crime. A decisão já transitou em julgado.

Manoel Ramires foi condenado em 1995 a oito anos de reclusão, em regime integralmente fechado, sob a acusação de estuprar uma menina de 24 anos, com problemas físicos e mentais. A idade mental da jovem era estimada em cerca de seis anos. A garota ficou grávida de gêmeos. Ramires foi apontado pela vítima como pai das crianças.

A ação pelo crime de estupro foi movida pelos pais da jovem. Durante a instrução processual, o acusado pediu o teste de DNA para comprovar sua inocência, mas um outro exame foi feito — o GSE (à época, o DNA não era amplamente usado). O método apontou 60% de chance de Ramires ser o pai das crianças. Com base no depoimento da vítima e no resultado do exame, ele foi condenado.

Ramires, que é viúvo e tem dois filhos, cumpriu cinco dos oito anos fixados na pena. Saiu mais cedo da prisão por prestar serviços carcerários. Em 2001, seu advogado, Paulo Pacheco Júnior, entrou com a ação de justificação judicial. Pediu a realização do exame de DNA para comprovar, através da prova técnica, que Adão Manoel Ramires não tinha engravidado a jovem.

O DNA mostrou a inocência de Ramires. Com o resultado em mãos, Pacheco ingressou então com a Revisão Criminal. Além da absolvição, solicitou o pagamento de três mil salários mínimos como indenização.

Por 3 votos a 2 o pedido de absolvição foi aceito. O TJ gaúcho, apesar de reconhecer o dever do Estado de indenizar, mandou que a ação de reparação fosse ajuizada na Justiça Cível. A peça já está sendo preparada. Pacheco vai pedir três mil salários mínimos por danos morais. Já a indenização por dano material levará em conta tudo o que Ramires deixou de receber no período em que esteve preso.

Leia a íntegra da decisão

REVISÃO CRIMINAL. PROVA NOVA. EXCLUSÃO DE PATERNIDADE. SUA APTIDÃO PARA DESCONSTITUIÇÃO DA CONDENAÇÃO POR ESTUPRO. PENA JÁ CUMPRIDA. DEVER DO ESTADO DE INDENIZAR.

Ainda que, em princípio, a exclusão de paternidade das crianças (gêmeos) a que deu a luz a vítima não implique automático afastamento de autoria de estupro imputado ao réu, visto que, por óbvio, dessa infração não resulta, necessariamente, gravidez, o fato é que, nas circunstâncias, desde a denúncia, vinculada a ação tida como delituosa à dita gravidez. Daí é que resultou afirmação, pela sentença condenatória, da honestidade da vítima, razão de se lhe ter emprestado crédito, moça com 24 anos e com problemas físicos e mentais. Prova nova, assim, consistente no teste de DNA que afastou paternidade, com aptidão para desconstituir os alicerces da condenação.

Revisão acolhida, para proclamação de desconstituição da condenação e afirmação do dever do Estado de indenizar.

REVISÃO CRIMINAL: QUARTO GRUPO CRIMINAL

Nº 70012499000: COMARCA DE ROSÁRIO DO SUL

ADÃO MANOEL RAMIRES: REQUERENTE

MINISTÉRIO PÚBLICO: REQUERIDO

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.

Acordam os Desembargadores integrantes do Quarto Grupo Criminal do Tribunal de Justiça do Estado, por maioria, em julgar procedente a ação para proclamar a absolvição do requerente, com reconhecimento do direito à indenização, cuja liquidação haverá de se dar perante o juízo cível, vencidos a Relatora, o Desembargador Marco Antônio Ribeiro de Oliveira e o Desembargador Luís Carlos Avila de Carvalho Leite. Lavrará o acórdão o Desembargador Marcelo Bandeira Pereira.

Custas na forma da lei.

Participaram do julgamento, além dos signatários, os eminentes Senhores DES. ALFREDO FOERSTER, DES. MARCO ANTÔNIO RIBEIRO DE OLIVEIRA, DES. SYLVIO BAPTISTA NETO, DES. LUÍS CARLOS AVILA DE CARVALHO LEITE E DES. NEREU JOSÉ GIACOMOLLI.

Porto Alegre, 28 de abril de 2006.

DESA. FABIANNE BRETON BAISCH,

RELATORA VENCIDA.

DES. MARCELO BANDEIRA PEREIRA,

PRESIDENTE, REVISOR E REDATOR P/ O ACÓRDÃO.

RELATÓRIO

Desa. Fabianne Breton Baisch (RELATORA VENCIDA)

ADÃO MANOEL RAMIRES, através de defensor, propôs a presente REVISÃO CRIIMINAL, em face da sentença que o condenou como incursos nas sanções do art. 213 c/c art. 224, alínea “b”, ambos do Código Penal, à pena de 8 anos de reclusão, em regime integralmente fechado.

Em suas razões, busca, inicialmente, a reforma da decisão, com a absolvição do réu, com fundamento no art. IV e VI do CPP, sustentando a existência de nova prova, produzida através de justificação judicial, a demonstrar a inocência do acusado. Durante toda a instrução processual o requerente afirmou a inocência e requereu a realização do exame de DNA, sendo que outro exame foi feito, pelo método GSE, e o acusado acabou condenado. Após o cumprimento da pena, ajuizou justificação judicial, postulando a realização do exame, pois acreditava que, com a prova técnica- pericial, obteria a certeza jurídica de que não tinha engravidado a vítima. Realizado o exame de DNA, a conclusão foi no sentido de afastar a paternidade, premissa básica da denúncia e da sentença condenatória. Assim, o autor conseguiu produzir prova conclusiva de sua inocência e do erro judiciário cometido pelo Estado, que ensejou o injusto cumprimento da pena, razão pela qual se impõe a revisão criminal e a condenação do Estado do Rio Grande do Sul, ao pagamento de indenização pelos prejuízos causados, estimada em 3.000 (três mil) salários mínimos. Juntou documentos (fls. 07/88).


Requisitados os autos originais (fl. 90), foram eles apensados.

O Dr. Procurador de Justiça, Tassel Francisco Selistre, em parecer exarado às fls. 102/104, opinou pela procedência da revisional.Vieram-me os autos conclusos.

É o relatório.

VOTOS

Desa. Fabianne Breton Baisch (RELATORA VENCIDA)

Trata-se de REVISÃO CRIMINAL proposta por ADÃO MANOEL RAMIRES, através de defensor, visando à reforma da decisão definitiva que o condenou pela prática do crime de estupro, mediante violência presumida, porque praticado contra vítima portadora de deficiência mental, à pena de 8 anos de reclusão, em regime integral fechado.

Pretende o requerente o reexame da decisão condenatória, buscando, num primeiro momento, a solução absolutória, sob o fundamento da existência de nova prova da inocência do acusado; e, num segundo momento, a fixação de indenização por erro Judiciário, em face dos prejuízos causados pela condenação e o cumprimento integral da pena.

Improcede o pleito revisional.

Em primeiro lugar, vale ressaltar que a prova nova a ensejar a procedência da ação revisional deve ser aquela capaz de, por si só, assegurar pronunciamento judicial favorável ao réu, sendo concludente quanto à inocência do mesmo.

Nesse sentido, a lição de Julio Fabbrini Mirabete, in Código de Processo Penal Interpretado, 11ª edição, Ed. Atlas, SP, 2003, pág. 1623, in verbis:

“…Surgindo novas provas que indiquem que o condenado deveria ser absolvido, ou de existirem circunstâncias atenuantes ou causas de diminuição de pena não cogitadas, ou não estarem presentes circunstâncias agravantes, qualificadoras ou causas de aumento de pena indevidamente reconhecidas, deve ser deferido o pedido revisional. A revisão, porém, não é uma segunda apelação, não se prestando à mera reapreciação da prova já examinada pelo Juízo de primeiro grau e, eventualmente, de segundo, exigindo pois que o requerente apresente elementos probatórios que desfaçam o fundamento da condenação. Há na verdade, uma inversão do ônus da prova, e os elementos probatórios devem ter poder conclusivo e demonstrar cabalmente a inocência do condenado ou a circunstância que o favoreça, não bastante aquelas que apenas debilitam a prova dos autos ou causam dúvidas no espírito dos julgadores” (…) (grifei)

Em reforço ao entendimento ora esposado, vale transcrever o seguinte precedente, extraído da obra supracitada:

“Revisão. Pretensão à desconstituição de sentença condenatória transitada em julgado. Inexistência de novas provas que possam ilidir o comportamento criminoso do condenado e de circunstâncias atenuantes que autorizem a diminuição da pena. Inadmissibilidade. Inteligência do art. 621 do CPP (…). Em sede de revisão criminal, para a desconstituição de sentença condenatória, transitada em julgado, é necessária a apresentação de novas provas que possam ilidir o comportamento criminoso do condenado, bem como a comprovação da existência de circunstâncias atenuantes que autorizem a diminuição da pena que lhe foi imposta, conforme inteligência do art. 621 do CPP”. (TJGO, RT 750/680).

Essa não é, contudo, a hipótese versada nos autos.

Cumpre esclarecer, inicialmente, que a realização de exame hematológico foi determinada pelo juízo, com a concordância do Ministério Público e da defesa, no curso da instrução do processo, ante a negativa de autoria do réu (fl. 53v, em apenso).

Requisitada a perícia a este Tribunal de Justiça, restou designada a realização de exame pelo método GSE, que concluiu pela probabilidade positiva de paternidade de 60,15%, ressaltando a necessidade, para decisão final, de serem considerados outros elementos, além da prova técnica (fls. 60 e 65/67, em apenso).

Oportunizada às partes a manifestação acerca do laudo pericial, a defesa limitou-se a impugnar a conclusão dos experts, referindo que “…o laudo de fls. 35 a 37 não apresentou um resultado que forneça elementos certos que garantam e que possam afirmar ser o mesmo pai do menor CRISTIAN DA SILVA SANTOS, uma vez que na própria Conclusão de fls. 36 indica uma probabilidade positiva de apenas 60,15% e uma probabilidade negativa de 39,85%”, afirmando que “…tal resultado do Laudo Pericial não tem elementos probatórios suficientes e inequívocos para ensejar uma condenação” (fl. 72), sem manifestar, porém, qualquer irresignação quanto a não-realização do exame de DNA, o que também não foi postulado nos prazos do art. 499 e 500 do CPP (fls. 73v e 80), transitando em julgado a sentença condenatória em 1º.09.1995, conforme certificado à fl. 94 dos autos originais.

Ao que parece, a questão somente foi suscitada em sede de revisão criminal anteriormente proposta, que não foi conhecida pelo 2º Grupo Criminal desta Corte, à unanimidade, em julgamento proferido em 15.12.1995, ocasião em que restou aventado que a pretensão de realização da prova poderia ser viabilizada através de justificação judicial (fls. 101/103, em apenso).


Aliás, chama a atenção o fato de que, mesmo após a decisão suprareferida e do início do cumprimento da pena, e apesar de os novos defensores constituídos pelo condenado , ao menos em duas oportunidades, terem tido vista dos autos, inclusive retirando-os em carga, em meados de julho de 1996 e 1997, não tenham adotado qualquer providência, o que somente foi efetivado em 22.05.2001, quando interposto pedido de justificação judicial, onde acabou sendo realizado o exame de DNA.

De qualquer sorte, decai de importância para o deslinde da quaestio que o exame de DNA, realizado em sede de justificação, tenha concluído que o réu não é pai do filho da vítima.

Isso porque, para a configuração do delito de estupro, imprescindível apenas a prova de que o agente tenha constrangido a vítima à conjunção carnal, mediante violência ou grave ameaça. A gravidez é conseqüência do estupro, podendo consistir em indicação material de sua ocorrência, mas não elementar do tipo. Justamente por isso é que se tem decidido na jurisprudência, inclusive, pela desnecessidade de realização de exame pericial, por não constituir prova fundamental para apuração dos fatos, sem que com isso se vislumbre cerceamento de defesa.

A propósito, há decisão da 8ª Câmara Criminal, integrante deste Órgão Julgador:

“APELAÇÃO-CRIME. DELITO CONTRA OS COSTUMES. ESTUPRO. 1. PRELIMINAR. NULIDADE. CERCEAMENTO DE DEFESA. INDEFERIMENTO DE PERÍCIA. NÃO-OCORRÊNCIA. Para a tipificação do delito de estupro subsumido no art. 213 do CP imprescindível é que a conjunção carnal ocorra mediante violência ou grave ameaça, sendo irrelevante a geração de prole entre a ofendida e o seu agressor. Assim, não há falar em cerceamento de defesa, porquanto impertinente para o deslinde do feito a realização da perícia requerida. 2. ABSOLVIÇÃO. CONSENTIMENTO DA OFENDIDA. IMPROVIMENTO. A narrativa coerente, harmônica e uniforme da vítima, subjugada física e moralmente a manter conjunção carnal contra a sua vontade, corroborada pelo conjunto probatório coligido ensejam com segurança a manutenção do juízo condenatório. À unanimidade, negaram provimento ao apelo. (APELAÇÃO CRIME Nº 70007834815, OITAVA CÂMARA CRIMINAL, TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RS, RELATOR: ROQUE MIGUEL FANK, JULGADO EM 10/03/2004).

Por outro lado, cabe destacar que o magistrado singular, ao prolatar a sentença condenatória, não fundamentou sua decisão, em relação à autoria delitiva, unicamente, no fato de que, do estupro, teria resultado a gravidez da vítima, conforme alegado na exordial. Pelo contrário, da análise da fundamentação do decisum, observa-se que o julgador, inclusive, destacou que o resultado da perícia hematológica, por si só, não teria o condão de apontar o réu como pai do filho da ofendida e, conseqüentemente, como sendo o autor do delito descrito na denúncia. Apesar disso, entendeu que os demais elementos de prova, considerados em conjunto, eram suficientes a amparar a emissão de veredicto condenatório, destacando a relevância da palavra da vítima, que, em ambas as etapas de ausculta, afirmou o abuso sexual sofrido e apontou o acusado como agente do delito, a qual restou corroborada pelos depoimentos de seus pais e da testemunha Nelson Soares da Silva, arrolada pela acusação.

Quanto a este aspecto, a título elucidativo, vale a reprodução de alguns trechos do ato sentencial (fls. 82/89 dos autos em apenso):

“(…) Inicialmente, cumpre ressaltar que, nos crimes contra os costumes, a palavra da vítima representa a viga mestra da estrutura probatória, e a sua acusação firme e segura, em consonância com as demais provas, autoriza a emissão de um juízo condenatório. Pois bem: a vítima Ivonete, apesar da deficiência física e psíquica, não hesitou, em nenhum momento, em apontar o réu como autor do estupro. Ouvida na fase inquisitorial, contou, com detalhes, o delito praticado contra si (fl. 09). Em juízo ratificou as declarações prestadas na polícia, dizendo, após ter sido advertida pelo Magistrado acerca da gravidade da acusação, confirmou sem pestanejar: “Foi ele”.

A testemunha Nelson Soares da Silva, em depoimento prestado à fl. 53 e v., ratifica toda a versão exarada pelo órgão ministerial, ao aduzir que “em certa oportunidade, viu o réu beijar a vítima. Que a vítima estava indo em direção à sua residência, quando o réu, meio tonto, agarrou-lhe e deu um beijo. Que gritou com o réu. Que o réu largou a vítima…Que na zona há uma voz corrente de que o réu mexe com gurias e mulheres”.

Ora, a narração desse fato pela testemunha antes declinada denota, sem a menor sombra de dúvida, que havia entre réu e vítima uma intimidade anterior capaz de levar este Julgador à convicção de que Adão Manoel Ramires foi o autor do estupro praticado contra Ivonete. […]

Foi determinada a realização de exame pericial no réu, vítima e seu filho, que seria resultado do estupro. Restou, como conclusão, que a probabilidade positiva de paternidade é de 60,15%, não se podendo excluir o acusado da paternidade que lhe é atribuída. O laudo também assevera que, para decisão final, devem ser considerados outros elementos, além desses testes (fl. 66).

Embora cediço que o resultado da perícia hematológica, de forma isolada, no caso em tela, não tem o condão de apontar o réu como pai do filho da vítima, e, por suporto, autor do crime de estupro, tenho que a palavra da vítima, uma mulher honesta e de bons costumes, além de ser deficiente psíquica e física, têm relevante valor probatório, aliado ao depoimento de seus pais, e, principalmente, da testemunha Nelson Soares da Silva, que não tem nenhuma ligação com autor e vítima, sendo sua versão totalmente independente e desacompanhada de paixão.(…)” grifei


O julgador, ainda, afastou a argumentação defensiva, lançada em alegações finais, de que as declarações da vítima seriam contraditórias, porque, em juízo, teria afirmado ter sido ameaçada com uma faca, circunstância não referida na fase policial, aduzindo que “…Ora, não se pode qualificar de contraditório um depoimento apenas por esse fato. O pânico sofrido pela vítima, deficiente, como já referido, quando do ataque provocado pelo réu, com certeza tornou-se empecilho para a percepção desse tipo de detalhe. Ademais, estar o réu portando uma faca, ou não estando, é de somenos importância para o desate da questão posta em julgamento, mesmo porque a violência, face à debilidade da vítima, é presumida” (fls. 85/86 dos autos em apenso).

Assim, resta evidenciada, em verdade, a inconformidade do autor com a solução condenatória, buscando, através de via imprópria, o reexame das provas, incabível no âmbito da ação revisional, restrito àquelas hipóteses do art. 621 do CPP.

Destarte, não logrando o requerente a comprovar a existência de novas provas irrefutáveis da inocência do réu, a improcedência da súplica revisional é medida de rigor.

Via de conseqüência, não prospera, igualmente, o pleito alternativo de indenização, por erro Judiciário.

Por todo o exposto, VOTO no sentido de JULGAR IMPROCEDENTE A REVISÃO CRIMINAL.

Des. Marcelo Bandeira Pereira (REVISOR E REDATOR)

Com a vênia da eminente Relator, ouso dissentir de seu respeitável voto.

A questão que se põe é complexa.

Partindo-se de prova nova, exame de DNA, que, modo categórico, afastou paternidade de gêmeos a que deu a luz a vítima, cuida-se de se saber se aí presente elemento suficiente à desconstituição da condenação por estupro, cuja pena até cumprida já foi.

Rememorando, a imputação é de estupro cometido pelo réu contra a vítima, moça de 24 anos, mas com problemas mentais e físicos, cuja idade mental, estimada por sua mãe, não iria além de 5 ou 6 anos. Tudo emergiu quando da descoberta de sua gravidez. Aí é que, auscultada, atribuiu paternidade ao apelante.

O requerente, desde sempre, com ênfase, negou paternidade. Tanto que não hesitou em pedir exame de paternidade no curso da ação penal. Porque não tinhas condições financeiras para arcar com exame mais custoso, tudo se resumiu à realização daquele que este Tribunal patrocinava, que, não excluindo paternidade, ofereceu percentual que também não indicava decisivamente a paternidade. A isso se agregou a confirmação, pela vítima, da imputação que ensejara o oferecimento da denúncia, com relatos de seus pais, que dela ouviram os acontecimentos, e de um vizinho, que presenciou cena também descrita na denúncia, que a teve como tentativa de estupro (beijo roubado que o réu, na via pública, teria dado na vítima), do qual resultou absolvição.

De posse desses elementos, o digno magistrado sentenciante proferiu sentença condenatória, estruturada no seguinte: palavras da vítima, que haveriam de ser acreditadas, porque “mulher honesta e de bons costumes”, as quais, outrossim, se viam confortadas por probabilidade de paternidade de 60,15%, aliadas aos depoimentos dos pais e da testemunha insuspeita Nelson, que presenciou o beijo antes referido. Na fixação da pena, outrossim, modo coerente, o julgador teve como conseqüências da infração a gestação dos gêmeos.

Como se vê, ainda que a prática do estupro não guarde necessária relação direta com a gravidez, o fato é que, no caso, a denúncia, na sua descrição, fez essa ligação (“… a vítima foi submetida a exame de conjunção carnal, quando foi constatado, inclusive, estar em gestação…” – fl. 03), atraindo idêntica postura da sentença, que inclusive considerou a circunstância como conseqüência do crime.

Diante de tais comemorativos, não há como negar que a prova nova, que afastou cabalmente a paternidade, causou profundo e inafastável abalo nas bases do veredicto condenatório, de tal modo que a condenação, mesmo nesta sede revisional, com todos os limites cognitivos daí decorrentes, não tem como ser sustentada.

Demais disso, reforçando essa conclusão, agora tornando à análise do que constou dos autos da ação penal, impulsionado pela formidável revelação advinda com a peça inicial desta demanda, observo que as palavras da vítima, em juízo, longe estão de revelar coerência. Basta ver que, no início, se disse estuprada em duas oportunidades. Logo após, contou que o vizinho teria impedido a realização do segundo estupro!

Mais, devotando especial apreço à imediação, pela importância em termos de formação de convencimento que resulta do contato direto e pessoal do magistrado com a prova que se produz na sua presença, ressalto que o eminente prolator da sentença não foi aquele que tomou o depoimento da vítima. Todavia, não passa despercebido o detalhe de que, durante a inquirição da vítima, o magistrado que presidia o ato, seguramente inspirado por algo que estava observando (quiçá, mesmo, insegurança ou falta de naturalidade própria das deficiências mentais da depoente), não se contentando com o que ela lhe contara e que estava já registrado no termo, depois de ouvir dela a afirmação de que “…tem certeza que foi o réu quem lhe estuprou”, advertiu-a da gravidade da acusação, provocando confirmação, com os seguintes dizeres: “foi ele”.

Não parece, assim, tenha sido muito convincente a vítima. De qualquer sorte, repito, coerência absoluta, ao menos, não guardou (o detalhe do segundo estupro).

Ainda que não tenha sido indagada diretamente a respeito de algum envolvimento com outro homem, com quem pudesse ter praticado relações sexuais, o que passa do relato da vítima e de tudo o que cercou os fatos, inclusive modo como os seus pais depuseram em juízo, é a idéia de que tivesse sido o réu o único homem com quem teria se relacionado. Por isso, de resto, sua (do requerente) associação com a paternidade dos gêmeos.

Na melhor das hipóteses, a ofendida omitiu a existência de terceiro, pai de seus filhos.

Deste modo, a base outra da sentença, que era a credibilidade que as palavras da vítima, porque mulher honesta (honestidade, aqui, com conotação de ordem sexual) e de bons costumes, estariam a merecer, também acaba, bem se vê, se esmaecendo.

A esta altura, seria de se indagar acerca das razões que teriam embalado a vítima a dirigir a acusação contra o acusado. O propósito de esconder o nome do pai dos seus filhos naturalmente provocaria imputação injusta contra alguém. Se não o requerente, contra qualquer outro. Mas, contra o requerente, a verossimilhança da imputação talvez fosse maior, quiçá até provocada por quem lhe indagou a respeito (embora, é óbvio, sem o desiderato de conduzi-la à imputação). Afinal de contas, ele era tido como alguém que costumava mexer com meninas, como contaram os que depuseram nos autos e como revelou no comportamento de beijar a ofendida, registrado na denúncia. Conveniente, também, presenciado este fato por testemunha isenta, associar o seu autor ao relacionamento sexual que já teria acontecido e do qual resultou a gravidez.

Nessas condições, como disse ao início, não vejo como sustentar a condenação.

Como conseqüência lógica, emerge o dever do Estado de reparar o mal causado pela condenação e prisão. Muito mais, ainda, quando se considere que, desde sempre, protestou o requerente, despido de condições econômicas, pela produção de prova que afastasse a paternidade que lhe era atribuído, para o que o Estado lhe ofereceu exame de menor alcance, que deixou no ar o fator visado provar, inclusive sugerindo sua improcedência.

Ante o exposto, julgo procedente a revisão, para proclamar a absolvição, com reconhecimento do dever do Estado de indenizar, valores que haverão de ser definidos na seara cível.

Des. Alfredo Foerster – DE ACORDO COM O REDATOR.

Des. Marco Antônio Ribeiro de Oliveira – DE ACORDO COM A RELATORA.

Des. Sylvio Baptista Neto – DE ACORDO COM O REDATOR.

Des. Luís Carlos Avila de Carvalho Leite – DE ACORDO COM A RELATORA.

Des. Nereu José Giacomolli – DE ACORDO COM O REDATOR.

Julgador(a) de 1º Grau: AFIF JORGE SIMÕES NETO

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