Contra o nepotismo

Resolução contra nepotismo é inválida para Legislativo e Executivo

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29 de agosto de 2006, 9h56

A Ação Declaratória de Constitucionalidade 12, que vedou o nepotismo no Poder Judiciário, não vale para o Legislativo e o Executivo. O entendimento é do ministro Carlos Ayres Britto, do Supremo Tribunal Federal, que arquivou a Reclamação ajuizada pelo Ministério Público do Maranhão.

O MP pretendia que todos os parentes até o terceiro grau do prefeito e do vice-prefeito, dos secretários e dos vereadores ocupantes de cargos de confiança ou contratados pelo município de Governador Edison Lobão (MA) fossem demitidos. O MP questionou decisão do Tribunal de Justiça do Maranhão, que cassou liminar que permitia as demissões.

Carlos Ayres Britto destacou que a ADC 12 tem por objeto um ato do Conselho Nacional de Justiça, de conteúdo normativo. Assim, segundo ele, a decisão é de um órgão que recebeu da Constituição Federal a competência para exercer o controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário.

“A decisão que reconheceu, em sede de medida cautelar, a validade constitucional da Resolução 7/05 [do CNJ] só possui eficácia vinculante em relação ao Poder Judiciário, que é o destinatário das normas veiculadas na mencionada resolução”, explicou o ministro, que arquivou a reclamação.

Leia a íntegra da decisão:

RECLAMAÇÃO 4.512-9 MARANHÃO

RELATOR : MIN. CARLOS BRITTO

RECLAMANTE(S) : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO MARANHÃO

RECLAMADO(A/S) : RELATORA DO AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 010237-2006 DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO MARANHÃO

INTERESSADO(A/S) : WASHINGTON LUIS SILVA PLÁCIDO

ADVOGADO(A/S) : DEMÓSTENES VIEIRA DA SILVA E OUTRO(A/S)

DESPACHO: Vistos, etc.

Cuida-se de reclamação, proposta pelo Ministério Público do Maranhão, contra a decisão proferida pelo Tribunal de Justiça estadual, proferida esta nos autos do AI 010237/2006.

2. Vamos aos fatos. O reclamante ajuizou ação civil pública, com pedido de medida liminar, contra o Chefe do Poder Executivo do Município de Governador Edson Lobão, “com o fito de promover a demissão de todos os parentes, até o terceiro grau, do Prefeito Municipal, do Vice- Prefeito, dos Secretários Municipais e dos Vereadores que estejam ocupando cargos de confiança ou que tenham contratos com o Município ou Câmara Municipal, desde que não tenham sido precedidos de regular concurso público ou processo seletivo” (fls. 03).

3. Ao examinar a pretensão acautelatória, o ínclito Juiz de Direito da Vara de Fazenda Pública de Imperatriz achou por bem deferi-la, ocasião em que também fixou multa diária no valor de R$ 1.000,00 (mil reais) para a hipótese de descumprimento da decisão (fls. 04).

4. Prossigo no resumo dos acontecimentos para dizer que, contra o referido ato concessivo de liminar, o interessado interpôs agravo de instrumento perante o Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Lá, o feito foi distribuído à Des. Nelma Celeste Souza Silva Sarney Costa, que achou por bem atribuir efeito suspensivo ativo ao recurso de agravo, fazendo cessar a eficácia da liminar que fora deferida pelo Juízo de primeiro grau.

5. Este o móvel da presente reclamação, na qual o reclamante entende violado o decidido na ADC 12-MC, de minha relatoria. Alega, para tanto, que “o Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão admitiu o nepotismo no serviço público municipal de Governador Edson Lobão-MA, desrespeitando a decisão proferida por essa Colenda Corte que, em sede de controle concentrado, reconheceu a constitucionalidade da Resolução nº 07/2005, do Conselho Nacional de Justiça, interpretando que é vedada no serviço público federal, estadual e municipal a contratação de parentes, até o terceiro grau, para cargos de confiança” (fls. 06).

6. Já me encaminhando para o fecho desse apanhado da situação fática dos autos, anoto que a autoridade reclamada prestou as informações solicitadas (fls. 69/70).

7. É o relatório.

8. Passo a decidir. Fazendo-o, relembro que, em 02.02.2006, a Associação dos Magistrados do Brasil – AMB ajuizou a Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 12, em prol da Resolução nº 07/05, do Conselho Nacional de Justiça. Ato normativo, esse, que “disciplina o exercício de cargos, empregos e funções por parentes, cônjuges e companheiros de magistrados e de servidores investidos em cargos de direção e assessoramento, no âmbito dos órgãos do Poder Judiciário e dá outras providências”.

9. Já em 16.02.2006, submeti à apreciação do plenário deste Supremo Tribunal Federal o pedido de medida liminar que fora deduzido no bojo da referida ADC 12. Pedido que restou deferido para: a) suspender, com efeito vinculante e eficácia erga omnes, o julgamento dos processos que tivessem por objeto questionar a constitucionalidade da Resolução nº 7, de 18 de outubro de 2005, do Conselho Nacional de Justiça; b) impedir que juízes e tribunais viessem a proferir decisões que impedissem ou afastassem a aplicabilidade da mesma resolução; c) suspender, com eficácia ex tunc, ou seja, desde a sua prolação, os efeitos das decisões já proferidas, no sentido de afastar ou impedir a sobredita aplicação.

10. Muito bem. Feito esse breve e necessário registro, impõe-se-me reconhecer que o caso versado nestes autos não autoriza a abertura da via processual da reclamação. É que a precitada ADC 12 tem por objeto um ato normativo do Conselho Nacional de Justiça; vale dizer, um ato de conteúdo normativo que emanou de um órgão que recebeu da Constituição Federal a competência para exercer o controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário, bem como a de “zelar pela observância do art. 37 e apreciar, de ofício ou mediante provocação, a legalidade dos atos administrativos praticados por membros ou órgãos do Poder Judiciário…” (inciso I do § 4º do art. 103-B da CF/88). Logo, a decisão que reconheceu, em sede de medida cautelar, a validade constitucional da Resolução nº 07/05 só possui eficácia vinculante em relação ao Poder Judiciário, que é o destinatário das normas veiculadas na mencionada resolução.

11. Estou apenas a dizer, portanto, que a situação narrada na petição inicial não dá ensejo à adoção do instrumento reclamatório. Só isso! Não estou, em absoluto, a endossar o ponto de vista defendido pela Relatora do AI 010237/2006, segundo o qual o fim da prática do nepotismo só poderá ser exigido quando houver “lei federal, estadual ou municipal que impeça a nomeação de parentes em cargos de confiança no Poder Legislativo ou Executivo” (fls. 70).

12. Em boa verdade, por ocasião do julgamento da ADC 12-MC, este Supremo Tribunal Federal reconheceu que a interpretação dos incisos II e V do art. 37 da CF não pode se desapegar dos princípios que se veiculam pelo caput do mesmo art. 37, quais sejam: os republicanos princípios da impessoalidade, da eficiência, da igualdade e da moralidade. Recordo, aliás, um trecho do voto que proferi no julgado sob comento:

“(…)

39. Outra pergunta: os condicionamentos impostos pela Resolução em foco seriam atentatórios da liberdade de nomeação e exoneração dos cargos em comissão e funções de confiança (incisos II e V do art. 37)

A resposta agora é negativa, pela clara razão de que a interpretação dos mencionados incisos tem que ficar adstrita à exegese dos comandos que se lê no caput do mesmo art. 37. E já vimos que é nesse dispositivo capitular que figuram os princípios reitores de toda a Administração Pública, adequadamente pinçados e debulhados pelo ato normativo sub judice. Donde o juízo de que as restrições constantes do ato normativo do CNJ são, no rigor dos termos, as mesmas restrições já impostas pela Constituição de 1988, dedutíveis dos republicanos princípios da impessoalidade, da eficiência e da igualdade, sobretudo.

Quero dizer: o que já era constitucionalmente proibido permanece com essa tipificação, porém, agora, mais expletivamente positivado. Não se tratando, então, de discriminar o Poder Judiciário perante os outros dois Poderes Orgânicos do Estado, sob a equivocada proposição de que o Poder Executivo e o Poder Legislativo estariam inteiramente libertos de peias jurídicas para prover seus cargos em comissão e funções de confiança, naquelas situações em que os respectivos ocupantes não hajam ingressado na atividade estatal por meio de concurso público.

(…)” (sem grifos no original)

13. Esse o quadro, e mesmo louvando a combatividade do órgão ministerial público do Estado do Maranhão, é do meu pensar que o caso dos autos não comporta o manejo da reclamação. O que não impede que este Supremo Tribunal Federal venha a examinar a questão aqui versada, quando do julgamento de um eventual recurso extraordinário.

14. Por todo o exposto, nego seguimento à reclamação, restando prejudicado o pedido acautelatório (§ 1º do art. 21 do RI/STF).

Publique-se.

Brasília, 28 de agosto de 2006.

Ministro CARLOS AYRES BRITTO

Relator

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