Palavra de senador

Opinião de parlamentar é inviolável, reafirma Supremo

Autor

28 de agosto de 2006, 18h59

Não é cabível a instauração de ação penal ou civil contra congressista por suas opiniões palavras ou votos, no exercício de suas funções, quer sejam manifestadas na tribuna do Congresso ou reproduzidas nos meios de comunicação.

Com este entendimento, o ministro Celso de Mello confirmou a posição que consagra a inviolabilidade do mandato parlamentar em matéria de opinião e rejeitou até mesmo o pedido de interpelação feito pelo deputado Henrique Fontana (PT-RS) contra o senador Antonio Carlos Magalhães (PFL-BA).O pedido de interpelação é um passo prévio para a abertura de ação penal. Para o ministro, se não cabe a ação penal, “torna-se juridicamente inviável a própria formulação do pedido de explicações”.

Henrique Fontana entrou no Supremo Tribunal Federal com pedido de interpelação contra ACM, que da tribuna do Senado, o teria acusado e ao seu partido de estar associado à invasão do Congresso por um grupo de sem terra. Segundo Fontana, ACM teria proferido uma série de inverdades e de acusações, ofendendo-o na honra pessoal.

Citando Pontes de Miranda, o ministro sustentou que “para palavras ditas da tribuna da Câmara dos Deputados, não há possibilidade de infração da lei penal, porque a lei não chega até ela. O parlamentar fica sujeito à advertência ou à censura do Presidente dos trabalhos, mas falando na Câmara, não ofende a lei penal.”

Fontana alegou que as supostas ofensas manifestadas por ACM da tribuna teriam sido amplificadas com sua posterior divulgação na imprensa bem como na rádio e televisão.

Também neste caso Celso de Mello, repeliu a possibilidade de crime: “impõe-se reconhecer que essa garantia constitucional também estende o seu manto protetor (1) às entrevistas jornalísticas, (2) à transmissão, para a imprensa, do conteúdo de pronunciamentos ou de relatórios produzidos nas Casas legislativas (3) às declarações feitas aos meios de comunicação social.

Celso de Mello sustentou ainda que o Supremo tem reafirmado a idéia de que as declarações à imprensa constituem o prolongamento natural do exercício das funções parlamentares, desde que se relacionem com estas”.

PETIÇÃO 3.686-7 DISTRITO FEDERAL

RELATOR

:

MIN. CELSO DE MELLO

REQUERENTE(S)

:


HENRIQUE FONTANA OU

HENRIQUE FONTANA JÚNIOR

ADVOGADO(A/S)

:

MÁRCIO LUIZ DA SILVA

REQUERIDO(A/S)

:

ANTONIO CARLOS MAGALHÃES

EMENTA: INTERPELAÇÃO JUDICIAL. PEDIDO DE EXPLICAÇÕES. LEI DE IMPRENSA (ART. 25) E CÓDIGO PENAL (ART. 144). OFENSAS EQUÍVOCAS QUE TERIAM CONSTADO DE DISCURSO PROFERIDO DA TRIBUNA DO SENADO DA REPÚBLICA. IMUNIDADE PARLAMENTAR EM SENTIDO MATERIAL. A PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL DO DISCURSO PARLAMENTAR, MESMO QUANDO VEICULADO, POSTERIORMENTE, PELOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO SOCIAL. AMPLITUDE DA GARANTIA INSTITUCIONAL DA IMUNIDADE PARLAMENTAR MATERIAL. IMPOSSIBILIDADE DE RESPONSABILIZAÇÃO PENAL E CIVIL DE MEMBRO DO CONGRESSO NACIONAL POR QUAISQUER DE SUAS OPINIÕES, PALAVRAS E VOTOS” (CF, ART. 53, “CAPUT”), NOTADAMENTE QUANDO PROFERIDOS DA TRIBUNA DO PARLAMENTO. CONSEQÜENTE INADMISSIBILIDADE, EM TAL CONTEXTO, DE INTERPELAÇÃO JUDICIAL DE SENADOR DA REPÚBLICA OU DE DEPUTADO FEDERAL. DOUTRINA. PRECEDENTES. PEDIDO DE EXPLICAÇÕES A QUE SE NEGA SEGUIMENTO.

DECISÃO: Trata-se de pedido de interpelação judicial” deduzido com fundamento no art. 25 da Lei nº 5.250/67 e no art. 144 do Código Penal (fls. 02/09).


Pretende-se, com a medida processual ajuizada, que o ora interpelando, que é Senador da República, ofereça explicações necessárias ao esclarecimento de afirmações que por ele teriam sido proferidas da tribuna do Senado da República e reproduzidas, segundo alega o requerente, em diversos meios de comunicação social (fls. 02).

Analiso, preliminarmente, a admissibilidade da presente interpelação judicial, considerada a garantia constitucional da imunidade parlamentar em sentido material, que exclui a responsabilidade – penal e civildo congressistapor quaisquer de suas opiniões, palavras e votos” (CF, art. 53, “caput”, “in fine”).

O pedido de explicações constitui típica providência de ordem cautelar destinada a aparelhar ação penal principal tendente à obtenção de sentença penal condenatória, razão pela qual – consoante adverte MANOEL PEDRO PIMENTEL (“Legislação Penal Especial”, p. 168, 1972, RT) – somente é processável no juízo criminal, e não perante o juízo civil.

O interessado, ao formular a interpelação judicial, invoca, perante o Estado-Juiz, tutela cautelar penal, visando a que se esclareçam situações revestidas de equivocidade ou dubiedade, a fim de que se viabilize o exercício futuro de ação penal condenatória.

A notificação, pela natureza penal cautelar de que se reveste, processa-se perante o mesmo órgão judiciário que é competente para julgar a ação penal principal ajuizável contra o suposto ofensor.

Essa é a razão pela qual, tratando-se de membro do Poder Legislativo da União, como o ora notificando, revela-se competente, para processar originariamente o pedido de explicações, o próprio Supremo Tribunal Federal:

COMPETÊNCIA PENAL ORIGINÁRIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL PARA O PEDIDO DE EXPLICAÇÕES.

A competência penal originária do Supremo Tribunal Federal, para processar pedido de explicações em juízo, deduzido com fundamento na Lei de Imprensa (art. 25) ou com apoio no Código Penal (art. 144), somente se concretizará quando o interpelado dispuser, ‘ratione muneris’, da prerrogativa de foro, perante a Suprema Corte, nas infrações penais comuns (CF, art. 102, I, b e c).

(RTJ 170/60-61, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Pleno)

A interpelação judicial fundada na Lei de Imprensa (art. 25) ou no Código Penal (art. 144), desde que requerida contra membro do Congresso Nacional, deve ser formulada perante o Supremo Tribunal Federal, por constituir medida cautelar preparatória de ação penal referente aos delitos contra a honra.”

(RTJ 159/107, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Pleno)

Cabe observar, no entanto, que não se justificará o pedido de explicações, se e quando o interpelando for membro do Congresso Nacional e a ele se imputar a prática de declarações moralmente ofensivas, impregnadas de equivocidade ou de ambigüidade, proferidas no desempenho do mandato legislativo, ainda mais se as supostas ofensas resultarem de discurso pronunciado da própria tribuna parlamentar.

É que, em tal situação, atua, em favor do congressista, a prerrogativa da imunidade parlamentar, que descaracteriza a própria tipicidade penal dos crimes contra a honra.

Como se sabe, a cláusula inscrita no art. 53, “caput”, da Constituição da República, na redação dada pela EC nº 35/2001, exclui, na hipótese nela referida, a própria natureza delituosa do fato, que, de outro modo, tratando-se do cidadão comum, qualificar-se-ia como crime contra a honra, consoante acentua o magistério da doutrina (JOSÉ AFONSO DA SILVA, “Curso de Direito Constitucional Positivo”, p. 532, item n. 15, 20ª ed., 2002, Malheiros; CELSO RIBEIRO BASTOS, “Comentários à Constituição do Brasil”, vol. 4, tomo I/187, 1995, Saraiva; LUIZ FLÁVIO GOMES, “Imunidades Parlamentares: Nova Disciplina Jurídica da Inviolabilidade Penal, das Imunidades e das Prerrogativas Parlamentares (EC 35/01)”, “in Juizados Criminais Federais, Seus Reflexos nos Juizados Estaduais e Outros Estudos”, p. 94/97, item n. 4.9, 2002, RT; UADI LAMMÊGO BULOS, “Constituição Federal Anotada”, p. 705/707, 4ª ed., 2002, Saraiva, v.g.).

Se é certo, portanto, que a garantia constitucional da imunidade parlamentar em sentido material representa importante prerrogativa de ordem institucional, não é menos exato que a Carta da República somente legitima a sua invocação, quando o membro do Congresso Nacional, no exercício do mandato ou em razão deste proferir palavras ou expender opiniões que possam assumir qualificação jurídico-penal no plano dos denominados “delitos de opinião”.

Impõe-se registrar, desse modo, presente esse contexto, que o exercício do mandato atua como verdadeiro suposto constitucional, apto a legitimar a invocação dessa especial prerrogativa jurídica, destinada a proteger, por suas “opiniões, palavras e votos”, o membro do Congresso Nacional, independentemente do “locus” em que proferidas as expressões contumeliosas (RT 648/318 – RTJ 131/1039 – RTJ 133/90 – RTJ 135/509-510, v.g.), notadamente quando forem elas pronunciadas da tribuna das Casas legislativas, tal como sucedeu na espécie, circunstância esta que põe o congressista (como o Senador ora requerido) sob a imediata proteção da garantia da imunidade parlamentar, considerada a jurisprudência que o Supremo Tribunal Federal firmou na matéria ora em exame (RTJ 104/441 – RTJ 112/481 – RTJ 129/970 – RTJ 135/509 – RTJ 141/406 – RTJ 155/396-397 – RTJ 166/844 – RTJ 167/180 – RTJ 169/969 – RTJ 191/448):

IMUNIDADE PARLAMENTAR EM SENTIDO MATERIAL (INVIOLABILIDADE). SUPERVENIÊNCIA DA EC 35/2001. ÂMBITO DE INCIDÊNCIA. NECESSIDADE DE QUE OS ‘DELITOS DE OPINIÃO’ TENHAM SIDO COMETIDOS NO EXERCÍCIO DO MANDATO LEGISLATIVO OU EM RAZÃO DELE. INDISPENSABILIDADE DA EXISTÊNCIA DESSE NEXO DE IMPLICAÇÃO RECÍPROCA. CONEXÃO OCORRENTE NA ESPÉCIE. PEDIDO DE ARQUIVAMENTO DEFERIDO.

A garantia constitucional da imunidade parlamentar em sentido material (CF, art. 53, caput), que representa um instrumento vital destinado a viabilizar o exercício independente do mandato representativo, somente protege o membro do Congresso Nacional, qualquer que seja o âmbito espacial (‘locus’) em que este exerça a liberdade de opinião – ainda que fora do recinto da própria Casa legislativa -, desde que as suas manifestações guardem conexão com o desempenho da função legislativa (prática ‘in officio’) ou tenham sido proferidas em razão dela (prática ‘propter officium’), não obstante a superveniente promulgação da EC 35/2001, que não ampliou, em sede penal, a abrangência tutelar da cláusula de inviolabilidade.

A prerrogativa indisponível da imunidade material – que constitui garantia inerente ao desempenho da função parlamentar (não traduzindo, por isso mesmo, qualquer privilégio de ordem pessoal) – não se estende a palavras, nem a manifestações do congressista, que nenhuma relação tenham com o exercício do mandato legislativo.

É que a cláusula constitucional da inviolabilidade (CF, art. 53, ‘caput’), para legitimamente proteger o parlamentar, supõe que exista o necessário nexo de implicação recíproca entre as declarações moralmente ofensivas, de um lado, e a prática inerente ao ofício congressional, de outro. Doutrina. Precedentes.

(Inq 617/RR, Rel. Min. CELSO DE MELLO, “inInformativo/STF nº 275, de 2002)

Esse entendimento jurisprudencial mostra-se fiel à “mens constitutionis”, que reconhece, a propósito do tema, que o instituto da imunidade parlamentar em sentido material existe para viabilizar o exercício independente do mandato representativo, revelando-se, por isso mesmo, garantia inerente ao congressista que se encontre no pleno desempenho da atividade legislativa (PONTES DE MIRANDA, “Comentários à Constituição de 1967 com a Emenda nº 1 de 1969, tomo III/10 e 43, 2ª ed., 1970, RT; JOÃO BARBALHO, “Constituição Federal Brasileira”, p. 64, edição fac-similar, 1992, Senado Federal; PINTO FERREIRA, “Comentários à Constituição Brasileira”, vol. 2/625, 1990, Saraiva; JOSÉ CRETELLA JUNIOR, “Comentários à Constituição de 1988, vol. V/2624-2625, item n. 204, 1991, Forense Universitária; MICHEL TEMER, “Elementos de Direito Constitucional”, p. 129/130, item n. 5, 18ª ed., 2002, Malheiros; PEDRO ALEIXO, “Imunidades Parlamentares”, p. 59/65, 1961, Belo Horizonte; CELSO RIBEIRO BASTOS, “Comentários à Constituição do Brasil”, vol. 4, tomo I/187, 1995, Saraiva; RENÉ ARIEL DOTTI, “Curso de Direito Penal – Parte Geral”, p. 398, item n. 25, 2001, Forense, v.g.).

Cumpre assinalar, de outro lado, que a garantia constitucional da imunidade parlamentar material, considerada a função tutelar que lhe é inerente, estende-se, por identidade de razões, ao plano da responsabilidade civil, para, nesse outro domínio, também proteger, com o manto da inviolabilidade, o membro do Congresso Nacional, “por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos” (CF, art. 53, “caput”), tal como tive o ensejo de decidir, nesta Suprema Corte, em julgamento que está assim ementado:

IMUNIDADE PARLAMENTAR EM SENTIDO MATERIAL (INVIOLABILIDADE). DISCURSO PROFERIDO POR DEPUTADO DA TRIBUNA DA CASA LEGISLATIVA. ENTREVISTA JORNALÍSTICA DE CONTEÚDO IDÊNTICO AO DO DISCURSO PARLAMENTAR. IMPOSSIBILIDADE DE RESPONSABILIZAÇÃO CIVIL DO MEMBRO DO PODER LEGISLATIVO. PRESSUPOSTOS DE INCIDÊNCIA DA GARANTIA CONSTITUCIONAL DA IMUNIDADE PARLAMENTAR. PRÁTICA ‘IN OFFICIO’ E PRÁTICA ‘PROPTER OFFICIUM’. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.

A garantia constitucional da imunidade parlamentar em sentido material (CF, art. 53, ‘caput’) exclui a responsabilidade civil do membro do Poder Legislativo, por danos eventualmente resultantes de manifestações, orais ou escritas, desde que motivadas pelo desempenho do mandato (prática ‘in officio’) ou externadas em razão deste (prática ‘propter officium’), qualquer que seja o âmbito espacial (‘locus’) em que se haja exercido a liberdade de opinião, ainda que fora do recinto da própria Casa legislativa.

A EC 35/2001, ao dar nova fórmula redacional ao art. 53, ‘caput’, da Constituição da República, consagrou diretriz, que, firmada anteriormente pelo Supremo Tribunal Federal (RTJ 177/1375-1376, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE), já reconhecia, em favor do membro do Poder Legislativo, a exclusão de sua responsabilidade civil, como decorrência da garantia fundada na imunidade parlamentar material, desde que satisfeitos determinados pressupostos legitimadores da incidência dessa excepcional prerrogativa jurídica.

– Essa prerrogativa político-jurídica – que protege o parlamentar em tema de responsabilidade civil – supõe, para que possa ser invocada, que exista o necessário nexo de implicação recíproca entre as declarações moralmente ofensivas, de um lado, e a prática inerente ao ofício legislativo, de outro, salvo se as declarações contumeliosas houverem sido proferidas no recinto da Casa legislativa, notadamente da tribuna parlamentar, hipótese em que será absoluta a inviolabilidade constitucional. Doutrina. Precedentes.

Se o membro do Poder Legislativo, não obstante amparado pela imunidade parlamentar material, incidir em abuso dessa prerrogativa constitucional, expor-se-á à jurisdição censória da própria Casa legislativa a que pertence (CF, art. 55, § 1º). Precedentes: RE 140.867/MS, Rel. p/ o acórdão Min. MAURÍCIO CORRÊA (Pleno) – Inq 1.958/AC, Rel. p/ o acórdão Min. CARLOS BRITTO (Pleno).

(AI 473.092/AC, Rel. Min. CELSO DE MELLO, “inInformativo/STF nº 379, de 2005)

Impende observar, por oportuno, presente esse contexto, que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, mesmo antes da promulgação da EC 35/2001, que deu nova fórmula redacional à regra inscrita no art. 53, “caput”, da Constituição, já havia firmado entendimento no sentido de estender o alcance da imunidade material ao plano da responsabilidade civil, em ordem a impedir que o membro do Poder Legislativo pudesse ser condenado ao pagamento de indenização pecuniária, por palavras, opiniões, votos ou críticas resultantes da prática do ofício legislativo.

Cabe relembrar, neste ponto, que o Plenário desta Suprema Corte, ao julgar o RE 210.917/RJ, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE (RTJ 177/1375-1376), assim se pronunciou:

A imunidade parlamentar material se estende à divulgação pela imprensa, por iniciativa do congressista ou de terceiros, do fato coberto pela inviolabilidade.

A inviolabilidade parlamentar elide não apenas a criminalidade ou a imputabilidade criminal do parlamentar, mas também a sua responsabilidade civil por danos oriundos da manifestação coberta pela imunidade ou pela divulgação dela: é conclusão assente, na doutrina nacional e estrangeira, por quantos se têm ocupado especificamente do tema.” (grifei)

Essa diretriz jurisprudencialque reconhece, uma vez satisfeitos determinados pressupostos, que a exclusão da responsabilidade civil (tanto quanto a da responsabilidade penal) do membro do Poder Legislativo qualifica-se como projeção decorrente da prerrogativa da imunidade parlamentar material – tem sido observada pelo Supremo Tribunal Federal:

(…) A inviolabilidade parlamentar alcança, também, o campo da responsabilidade civil. (…).

(RTJ 169/727, Rel. Min. CARLOS VELLOSOgrifei)

(…) As manifestações dos parlamentares, ainda que feitas fora do exercício estrito do mandato, mas em conseqüência deste, estão abrangidas pela imunidade material, que alcança, também, o campo da responsabilidade civil. (…).

(RE 226.643/SP, Rel. Min. CARLOS VELLOSOgrifei)

Essa mesma orientaçãoque encontra apoio na autorizada lição de DAMÁSIO E. DE JESUS (“Direito Penal – Parte Geral”, vol. 1/684, item n. 8, 24ª ed., 2001, Saraiva), de FERNANDO CAPEZ (“Curso de Processo Penal”, p. 53/54, item n. 6.2, 7ª ed., 2001, Saraiva), de ÁLVARO MAYRINK DA COSTA (“Direito Penal – Parte Geral”, vol. I, tomo I/488, item n. 12, 6ª ed., 1998, Forense), de UADI LAMMÊGO BULOS (“Constituição Federal Anotada”, p. 705/707, 4ª ed., 2002, Saraiva), de ALEXANDRE DE MORAES (“Constituição do Brasil Interpretada”, p. 1.016/1.017, item n. 53.2, 2002, Atlas), de LUIZ ALBERTO DAVID ARAUJO/VIDAL SERRANO NUNES JUNIOR (“Curso de Direito Constitucional”, p. 297, item n. 3, 6ª ed., 2002, Saraiva) e de HELENO CLÁUDIO FRAGOSO (“Lições de Direito Penal – Parte Geral”, p. 130, item n. 113, 12ª ed., 1990, Forense, v.g.) – foi exposta, em lapidar abordagem do tema, pelo saudoso e eminente RAUL MACHADO HORTA (“Estudos de Direito Constitucional”, p. 597/598, item n. 3, 1995, Del Rey), que assim analisou a matéria em questão, examinando-a sob a perspectiva da responsabilidade civil:

(…) A inviolabilidade abrange os discursos pronunciados, em sessões ou nas Comissões, os relatórios lidos ou publicados, e assim os votos proferidos pelos Deputados ou Senadores. Protege o congressista ou parlamentar pelos atos praticados na Comissão Parlamentar de Inquérito. Na tribuna, um deputado acusa funcionário de concussão; fornecedor do Estado, de furto; afirma que determinada pessoa é agente de potência estrangeira. Profere, afinal, palavras que, pronunciadas por outros, exporiam o seu autor à ação penal ou à responsabilidade civil. Mas, no caso do membro do Poder Legislativo, ele está protegido por ampla irresponsabilidade, que envolve os discursos, as palavras, os votos e as opiniões, manifestadas no exercício do mandato. A inviolabilidade obsta a propositura de ação civil ou penal contra o parlamentar, por motivo de opiniões ou votos proferidos no exercício de suas funções. (…). É absoluta, permanente, de ordem pública. A inviolabilidade é total. As palavras e opiniões sustentadas no exercício do mandato ficam excluídas de ação repressiva ou condenatória, mesmo depois de extinto o mandato. É a ‘insindicabilità’ das opiniões e dos votos, no exercício do mandato, que imuniza o parlamentar em face de qual­quer responsabilidade: penal, civil, ou administrativa, e que perdura após o término do próprio mandato.

(…) O Deputado, na tribuna, pode injuriar; caluniar; atingir levianamente pessoas estranhas ao Poder Legislativo, que não poderão contestá-lo de imediato; incitar militares à desobediência. Só estará sujeito, para correção dos excessos ou dos abusos, ao poder disciplinar previsto nos Regimentos Internos. (…). É necessário fixar, todavia, que a inviolabilidade (…) está vinculada ao exercício do mandato ou das funções legislativas. (…). A cláusula que subordina a inviolabilidade ao exercício do mandato impõe acatamento ao caráter teleológico da imunidade.” (grifei)

Cumpre enfatizar, a respeito desse aspecto do tema, que alguns eminentes autores, mesmo antes do advento da EC 35/2001, já proclamavam que a garantia da imunidade parlamentar em sentido material estendia-se, no domínio de sua específica proteção constitucional, também ao plano da responsabilidade civil (MANOEL GONÇALVES FERREIRA FILHO, “Comentários à Constituição Brasileira de 1988, vol. 2/45, 1992, Saraiva; PONTES DE MIRANDA, “Comentários à Constituição de 1946, vol. II/243, 2ª ed., 1953, Max Limonad; CARLOS MAXIMILIANO, Comentários à Constituição Brasileira”, vol. II/49, item n. 297, 5ª ed., 1954, Freitas Bastos; PAULO M. DE LACERDA, “Princípios de Direito Constitucional Brasileiro”, vol. II/173, item n. 387, Erbas de Almeida e Cia; MARCELO CAETANO, “Direito Constitucional”, vol. II/183, item n. 71, 1978, Forense).

Esse entendimento reflete-se, hoje, notadamente a partir da promulgação da EC 35/2001, em autorizado magistério doutrinário (UADI LAMMÊGO BULOS, “Constituição Federal Anotada”, p. 757, item n. 3, 5ª ed., 2003, Saraiva; JOSÉ AFONSO DA SILVA, “Curso de Direito Constitucional Positivo”, p. 534, item n. 15, 24ª ed., 2005, Malheiros; ALEXANDRE DE MORAES, “Constituição do Brasil Interpretada”, p. 1.020/1.021, item n. 53.2, 2ª ed., 2003, Atlas; RUI STOCO, “Tratado de Responsabilidade Civil”, p. 886/887, item n. 40.00, 6ª ed., 2004, RT, v.g.).

Nem se diga, de outro lado, que a garantia constitucional da imunidade parlamentar material não se estenderia, para efeitos penais e civis, à reprodução, pela imprensa, do conteúdo dos pronunciamentos feitos, por congressistas, no exercício do mandato legislativo.

Reconheço, neste ponto, presente a situação ora em exame, que o discurso parlamentar proferido da própria tribuna do Senado da República e a divulgação jornalística de tal pronunciamento acham-se abrangidos pela cláusula constitucional da imunidade parlamentar em sentido material, apta a exonerar o congressista em questão de qualquer responsabilidade penal e civil, eis que inafastável, na espécie, a constatação de que tais atos resultaram de contexto claramente vinculado ao exercício do ofício legislativo.

Não constitui demasia assinalar, considerada a própria jurisprudência que o Supremo Tribunal Federal firmou no tema ora em análise, que os discursos proferidos na tribuna das Casas legislativas estão amparados, constitucionalmente, quer para fins penais, quer para efeitos civis, pela cláusula da inviolabilidade, pois nada se reveste de caráter mais intrinsecamente parlamentar do que os pronunciamentos feitos no âmbito do Poder Legislativo, a partir da própria tribuna do Parlamento (RE 140.867/MS, Rel. p/ o acórdão Min. MAURÍCIO CORRÊA – RE 278.086/SP, Rel. Min. MAURÍCIO CORRÊA), hipótese em que será absoluta a inviolabilidade constitucional (RTJ 194/56, Rel. p/ o acórdão Min. CARLOS BRITTO, Pleno), como resulta, de forma bastante clara, da expressiva lição ministrada por ROSAH RUSSOMANO DE MENDONÇA LIMA (“O Poder Legislativo na República”, p. 140/141, item n. 2, 1960, Freitas Bastos):

Em conseqüência de tal determinação, o congressista usufrui de uma proteção ampla, integral, ininterrupta, sempre que atua no exercício do mandato.

Sua palavra é livre, desconhece peias e limitações. Vota pelo modo que lhe parecer mais digno e que melhor se coadune com os reclamos de sua consciência. Emite opiniões desafogadamente, sem que o atormente o receio de haver incidido em algum crime de calúnia, de injúria ou de difamação.

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, pois, em verdade, uma ampla irresponsabilidade, que não tem outros limites, senão aqueles traçados pela Constituição.

Deste modo, se o congressista ocupar a tribuna, diga o que disser, profira as palavras que proferir, atinja a quem atingir, a imunidade o resguarda. Acompanha-o nos instantes decisivos das votações. Segue-o durante o trabalho árduo das comissões e em todas as tarefas parlamentares, dentro do edifício legislativo. Transpõe, mesmo, os limites do Congresso e permanece, intangível, a seu lado, quando se trata do desempenho de atribuições pertinentes ao exercício do mandato.” (grifei)

Na realidade, impõe-se reconhecer – tal como tive o ensejo de assinalar em decisão proferida nesta Suprema Corte (AI 473.092/AC, Rel. Min. CELSO DE MELLO, “in Informativo/STF nº 379, de 2005) – que essa garantia constitucional também estende o seu manto protetor (1) às entrevistas jornalísticas, (2) à transmissão, para a imprensa, do conteúdo de pronunciamentos ou de relatórios produzidos nas Casas legislativas (RTJ 172/400-401, Rel. Min. ILMAR GALVÃO) e (3) às declarações feitas aos meios de comunicação social (RTJ 187/985, Rel. Min. NELSON JOBIM), eis que – tal como bem realçado por ALBERTO ZACHARIAS TORON (“Inviolabilidade Penal dos Vereadores”, p. 247, 2004, Saraiva) – o Supremo Tribunal Federal tem reafirmado(…) a importância do debate, pela mídia, das questões políticas protagonizadas pelos mandatários”, além de haver enfatizado a idéia de que as declarações à imprensa constituem o prolongamento natural do exercício das funções parlamentares, desde que se relacionem com estas” (grifei).

Vale destacar, neste ponto, por oportuno, que o Plenário do Supremo Tribunal Federal, ao julgar o Inq 579/DF, Rel. Min. CÉLIO BORJA (RTJ 141/406, 408), pôs em evidência, de modo bastante expressivo, no voto vencedor proferido pelo eminente Ministro PAULO BROSSARD, o caráter absoluto da inviolabilidade constitucional que protege o parlamentar, quando expende suas opiniões da tribuna da Casa legislativa, tal como ocorreu no caso ora em exame:

(…) para palavras ditas da tribuna da Câmara dos Deputados, Pontes de Miranda diz que não há possibilidade de infração da lei penal, porque a lei não chega até ela. O parlamentar fica sujeito à advertência ou à censura do Presidente dos trabalhos, mas falando na Câmara, não ofende a lei penal.” (grifei)

Esse mesmo entendimento foi perfilhado pelo eminente Ministro CARLOS VELLOSO, quando do julgamento do RE 140.867/MS, Rel. p/ o acórdão Min. MAURÍCIO CORRÊA, também decidido pelo Plenário desta Suprema Corte:

(…) se a manifestação do Vereador é feita da tribuna da Câmara, a inviolabilidade é absoluta. Indaga-se se não haveria corretivo para os excessos praticados da tribuna. Há sim. Os excessos resolvem-se no âmbito da Câmara. Pode vir até a perder o mandato, por falta de decoro e outras transgressões regimentais. Certo é que, se a manifestação ocorreu da tribuna, repito, a inviolabilidade é absoluta.” (grifei)

Essa orientação jurisprudencial – é importante destacar – foi expressamente consagrada em decisão emanada do Plenário do Supremo Tribunal Federal, proferida em julgamento que se acha consubstanciado em acórdão assim ementado:

INQUÉRITO. DENÚNCIA QUE FAZ IMPUTAÇÃO A PARLAMENTAR DE PRÁTICA DE CRIMES CONTRA A HONRA, COMETIDOS DURANTE DISCURSO PROFERIDO NO PLENÁRIO DE ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA E EM ENTREVISTAS CONCEDIDAS À IMPRENSA. INVIOLABILIDADE: CONCEITO E EXTENSÃO DENTRO E FORA DO PARLAMENTO.

A palavra ‘inviolabilidade’ significa intocabilidade, intangibilidade do parlamentar quanto ao cometimento de crime ou contravenção. Tal inviolabilidade é de natureza material e decorre da função parlamentar, porque em jogo a representatividade do povo.

O art. 53 da Constituição Federal, com a redação da Emenda nº 35, não reeditou a ressalva quanto aos crimes contra a honra, prevista no art. 32 da Emenda Constitucional nº 1, de 1969. Assim, é de se distinguirem as situações em que as supostas ofensas são proferidas dentro e fora do Parlamento. Somente nessas últimas ofensas irrogadas fora do Parlamento é de se perquirir da chamada ‘conexão com o exercício do mandato ou com a condição parlamentar’ (INQ 390 e 1.710). Para os pronunciamentos feitos no interior das Casas Legislativas, não cabe indagar sobre o conteúdo das ofensas ou a conexão com o mandato, dado que acobertadas com o manto da inviolabilidade. Em tal seara, caberá à própria Casa a que pertencer o parlamentar coibir eventuais excessos no desempenho dessa prerrogativa.

No caso, o discurso se deu no plenário da Assembléia Legislativa, estando, portanto, abarcado pela inviolabilidade. Por outro lado, as entrevistas concedidas à imprensa pelo acusado restringiram-se a resumir e comentar a citada manifestação da tribuna, consistindo, por isso, em mera extensão da imunidade material.

Denúncia rejeitada.

(RTJ 194/56, Rel. p/ o acórdão Min. CARLOS BRITTO, Pleno grifei)

Vê-se, portanto, que, por não se revelar cabível a instauração de processo de natureza penal ou de caráter civil (indenização) contra os congressistas (como o ora requerido) “por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos” – porque amparados pela garantia constitucional da imunidade parlamentar em sentido material -, torna-se juridicamente inviável a própria formulação, contra eles, do pedido de explicações.

É que – não custa rememorar – o pedido de explicações qualifica-se como verdadeira ação de natureza cautelar destinada a viabilizar o exercício ulterior de ação principal (tanto a ação penal quanto a ação de indenização civil), cumprindo, desse modo, a interpelação judicial, uma típica função instrumental inerente às providências processuais revestidas de cautelaridade.

Não se desconhece que, entre o pedido de explicações em juízo, de um lado, e a causa principal, de outro, há uma evidente relação de acessoriedade, pois a medida a que aludem o art. 25 da Lei de Imprensa (Lei nº 5.250/67) e o art. 144 do Código Penal reveste-se, como precedentemente salientado, de um nítido caráter de instrumentalidade.

Tal observação se impõe, porque a incidência da imunidade parlamentar material – por tornar inviável o ajuizamento da ação penal de conhecimento e da ação de indenização civil, ambas de índole principal – afeta a possibilidade jurídica de formulação e, até mesmo, de processamento do próprio pedido de explicações, em face da natureza meramente acessória de que se reveste tal providência de ordem cautelar.

Em uma palavra: onde não couber a responsabilização penal e civil do congressista por delitos contra a honra, porque amparado pela garantia constitucional da imunidade parlamentar material, aí também não se viabiliza a utilização, contra ele, da medida cautelar da interpelação judicial, porque juridicamente destituída de conseqüências tanto no âmbito criminal quanto na esfera civil.

Esse entendimentoque acentua o caráter de instrumentalidade, de acessoriedade e de conseqüente dependência da interpelação judicial – encontra apoio em autorizado magistério doutrinário (DAMÁSIO E. DE JESUS, “Direito Penal: Parte Especial”, vol. 2/235, item n. 4, 26ª ed., 2004, Saraiva; JULIO FABBRINI MIRABETE, “Código Penal Interpretado”, p. 1.139, item n. 144.1, 5ª ed., atualizada por Renato N. Fabbrini, 2005, Atlas; FERNANDO CAPEZ, “Curso de Direito Penal: Parte Especial”, vol. 2/268, item n. 4, “d”, 2ª ed., 2003, Saraiva; FREDERICO ABRAHÃO DE OLIVEIRA, “Crimes contra a Honra”, p. 100, item n. 2.4.2, 2ª ed., 1996, Sagra-Luzzatto), valendo referir, no ponto, ante a extrema pertinência de suas observações, a lição de CELSO DELMANTO, ROBERTO DELMANTO, ROBERTO DELMANTO JÚNIOR e FÁBIO M. DE ALMEIDA DELMANTO (“Código Penal Comentado”, p. 287, 5ª ed., 2000, Renovar):

Entendemos que o pedido de explicações pressupõe a viabilidade de uma futura ação penal. Por isso, não se pode admitir a interpelação se, por exemplo, a eventual ofensa está acobertada pela exclusão do crime (CP, art. 142) ou a punibilidade já se acha extinta (CP, art. 107). (grifei)

Também a jurisprudência dos Tribunais reflete essa mesma orientação (RT 546/364-365 – RT 613/341 – RT 717/411 – IJ 61/MG, Rel. Min. FELIX FISCHER – IJ 66/PB, Rel. Min. JORGE SCARTEZZINI, v.g.).

Essa diretriz, por sua vez, tem sido igualmente observada em sucessivos julgamentos proferidos no âmbito desta Suprema Corte (Pet 3.205/DF, Rel. Min. EROS GRAU – Pet 3.585/DF, Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI – Pet 3.588/DF, Rel. Min. NELSON JOBIM, v.g.).

Não há, pois, em face das razões expostas, como dar trânsito à presente interpelação judicial, motivo pelo qual, por entendê-la incabível, nego-lhe seguimento nesta Suprema Corte.

Arquivem-se os presentes autos.

Publique-se.

Brasília, 28 de agosto de 2006.

Ministro CELSO DE MELLO

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