Cemitério e o IPTU

Será que o Leão não perdoa nem mesmo os mortos?

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28 de agosto de 2006, 7h00

Alguns municípios do país estão cobrando o IPTU — Imposto Predial e Territorial Urbano — dos cemitérios administrados por entidades sem fins lucrativos, quase sempre instituições de caráter religioso.

A matéria será, em breve, examinada pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, em conseqüência de um Agravo de Instrumento, eis que deve ser examinada ante o instituto da imunidade tributária, na forma do artigo 150 da Constituição Federal.

Além dos cemitérios municipais, administrados pelas prefeituras diretamente ou por meio de autarquias, há inúmeros que pertencem a instituições sem fins lucrativos.

Muitos municípios entendem que, por cobrarem taxas de manutenção ou de ocupação de pessoas que adquirem “direito de uso” ou “concessão” de áreas nesses locais, a exploração do imóvel justificaria a cobrança do tributo municipal.

A questão talvez possa suscitar alguma dúvida apenas em relação aos cemitérios particulares que eventualmente sejam explorados por empresas.

Todavia, parece-nos que os cemitérios religiosos gozam da mesma imunidade que protege os templos, nos termos do artigo 150, VI, letra “b” da Constituição Federal, além do que, sendo integrantes do patrimônio de entidades assistenciais, também são beneficiados pela imunidade de que trata o mesmo artigo e inciso, em sua letra “c”.

Não há dúvida de que cemitério equipara-se para todos os fins ao templo. Na obra coletiva Imunidade Tributária, lançada em 2005 pela Editora MP, o professor Roberto Wagner Lima Nogueira, procurador municipal no estado do Rio de Janeiro e professor de Direito Tributário na Universidade Católica de Petrópolis, no capítulo “Liberdade como Idéia Fundante das Imunidades Tributárias”, registra que:

“É imune o patrimônio das instituições religiosas que compreendem o prédio onde se realiza o culto (IPTU), o lugar da liturgia, o convento, a casa do padre ou do ministro, o cemitério, os veículos utilizados como templos móveis (IPVA).” (Obra cit., pág. 294) (Grifo da A.).

Tanto no templo como no cemitério realizam-se cultos religiosos, razão que equipara este àquele, quando pertence a uma instituição religiosa. Tais instituições, como regra, costumam manter no mesmo terreno do cemitério áreas específicas para cultos.

Ensinou-nos o nosso saudoso mestre RUY BARBOSA NOGUEIRA, catedrático de Direito Tributário na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo:

“As chamadas imunidades contra impostos, que constitucionalmente protegem e garantem a essas entidades não econômicas (assim conceituadas pela dogmática constitucional como sendo, entre outras, as de educação e de assistência social, sem fins lucrativos), não são nenhum favor ou privilégio. São apenas explicitação jus-filosófica, científica e didática de que tais instituições, por serem não econômicas, estão fora ou excluídas do campo da incidência de quaisquer impostos diretos, isto é, de qualquer imposto que possa desfalcar seu patrimônio, renda ou gravar seus serviços institucionais.Que exercendo tais entidades essas funções paralelas e iguais aos objetivos ou fins do Estado, prestando a ele, Estado, sem qualquer contraprestação, seus serviços ‘quase públicos’ e, para custeá-los, afetando o seu patrimônio e rendas; Que, assim sendo, do ponto de vista fiscal e sobretudo financeiro, já contribuindo para o Estado com essa integralidade ou universo de seus bens e serviços, avaliáveis em moeda, pois são contribuições ou autênticos impostos ‘in natura’ e ‘in labore’, na proporção de 100%. Qualquer cobrança a título de imposto direto sobre seus patrimônios, rendas ou serviços não só constitui bis in idem, mas ofende as disposições literais do artigo 150 e seu item IV da Constituição , que vedam à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, ‘utilizar tributo com efeito de confisco’”. (Imunidades, Editora Saraiva, 2a. edição, S. Paulo, 1992, pág. 18 e 20)

Em trabalho recente, os professores Ives Gandra da Silva Martins e Marilene Talarico Martins Rodrigues ensinaram que:

“De rigor, qualquer das entidades imunes que explore variado tipo de atividade econômica, apenas o faz objetivando obter recursos para suas atividades essenciais. Pretender exigir tributos da Entidade — no caso o IPTU de seus imóveis — seria o mesmo que tributar o patrimônio da entidade (o que é vedado expressamente pelo texto constitucional, art. 150, IV, “c” da CF/88). (RDDT 83/177).

Outrossim, é mansa e pacífica no sentido de que as entidades com fins não lucrativos, que prestam serviços assistenciais, gozam de imunidade tributária em relação ao seu patrimônio. Registre-se o seguinte precedente, dentre inúmeros outros:

“STF-RE 237.718-SP – Relator: Min. Sepúlveda Pertence – “Imunidade Tributária de Bem Locado – A imunidade das entidades de assistência social prevista no art. 150, VI, “c” da CF, abrange o IPTU incidente sobre o imóvel alugado a terceiro, cuja renda é destinada às suas finalidades essenciais. Com esse entendimento, o Tribunal, por maioria, manteve acórdão do 1º Tribunal de Alçada Civil do Estado de São Paulo que reconhecera a imunidade de terreno de entidade beneficente locado a terceiro que o explora como estacionamento de automóveis.” (RE 237.718, de 29.3.2001).

A matéria está pacificada pela Súmula 724 do Supremo Tribunal Federal, a saber:

“Ainda quando alugado a terceiros, permanece imune ao IPTU o imóvel pertencente a qualquer das entidades referidas pelo artigo 150, VI, c, da Constituição, desde que o valor dos aluguéis seja aplicado nas atividades essenciais de tais entidades.”

Ora, ainda que a posse e o uso das áreas destinadas a sepultamento (túmulos, mausoléus, etc.) possam ser cedidos ou comercializados, claro está que sua utilização não pode ser alterada. A legislação que trata do assunto regulamenta as condições em que pode funcionar um cemitério, isto é, trata-se de propriedade sui generis.

Ainda que se possa exigir impostos na transmissão dos bens ou direitos de uso entre particulares, não tem fundamento legal a cobrança de IPTU sobre cemitérios ou túmulos que dele façam parte, pois não há que se falar em valor “venal” daquilo que não está à venda.

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