Dancing Days

Abril é condenada a indenizar por usar música sem autorização

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27 de agosto de 2006, 7h00

Uso de refrão musical em ensaio fotográfico, sem autorização do detentor dos direitos autorais, gera direito a indenização. O entendimento é da 5ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo. Os desembargadores condenaram a Editora Abril a pagar R$ 15 mil de indenização para o Sistema Globo de Edições Musicais. Cabe recurso.

De acordo com o processo, em fevereiro de 1999, a revista Playboy reproduziu parte do trecho da música Dancin Days, escrita e composta em 1978 por Nelson Motta e Queiroz Barra, mas de propriedade do Sistema Globo de Edições Musicais, no ensaio fotográfico da personagem da capa, sem pedir autorização ou pagar os direitos autorais.

A Globo alegou que, por causa da reprodução da música no ensaio, deixou de fechar um negócio com outra empresa, para usar a trilha em comercial de televisão.

A primeira instância não acolheu o pedido de indenização por danos morais. Entendeu que não foi ilícito reproduzir o trecho da obra, de acordo com o artigo 46 da Lei 9.610/98 (Lei dos Direitos Autorais). O Sistema Globo de Edições Musiciais recorreu.

Representada pelo advogado Luiz de Camargo Aranha Neto, a empresa do grupo Globo garantiu o direito à indenização. O relator do caso, desembargador Mathias Coltro, considerou que “a utilização do trecho da música referida, na revista da ré, deveria ter ocorrido com o consentimento da empresa”.

“Os ensaios fotográficos ali constantes se completam com o refrão musical inserido e que não pode ser considerado como acessório, servindo a induzir os leitores a contemplarem a modelo nos termos imaginados pelo fotógrafo e auxiliando a interpretação ao seu trabalho, que poderia se perder, quanto ao sentido, sem as frases mencionadas”, observou Mathias Coltro.

Para o desembargador, “não se pode ignorar que o trecho musical utilizado, pela sua ampla divulgação, automaticamente é associado à obra lítero-musical de propriedade da apelante”.

Alexandre Fidalgo, advogado do Grupo Abril, afirmou que vai recorrer da decisão.

Leia a decisão

EMENTA: DIREITO AUTORAL — USO DE REFRÃO MUSICAL EM ENSAIOS FOTOGRÁFICOS SEM AUTORIZAÇÃO DO DETENTOR DOS DIREITOS AUTORAIS — INDENIZAÇÃO DEVIDA, COM MONTANTE CORRIGIDO DESDE O EVENTO DANOSO E INCIDINDO JUROS A PARTIR DA CITAÇÃO – RECURSO PROVIDO PARCIALMENTE. INVERTIDOS OS ÔNUS DA SUCUMBÊNCIA.

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO

ACÕRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de APELAÇÃO CÍVEL COM REVISÃO n° 181.208-4/6-00, da Comarca de SÃO PAULO, em que é apelante SIGEM SISTEMA GLOBO DE EDIÇÕES MUSICAIS LTDA sendo apelada EDITORA ABRIL S.A.:

ACORDAM, em Quinta Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “DERAM PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO V.U.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Desembargadores FRANCISCO CASCONI (Presidente, sem voto), DIMAS CARNEIRO e SILVERIO RIBEIRO.

São Paulo, 12 de julho de 2006.

A. C. MATHIAS COLTRO

Relator

5ª CÂMARA – SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO

APELAÇÃO Nº 181.208.4/6-OO – VOTO Nº 12317

COMARCA: SÃO PAULO (10ª VARA – PROC. Nº 97419/1998)

APELANTE(S): SIGEM SISTEMA GLOBO DE EDIÇÕES MUSICAIS LTDA

APELADO(S): EDITORA ABRIL S/A

NATUREZA DA AÇÃO: DIREITO AUTORAL E INDENIZAÇÃO

EMENTA: DIREITO AUTORAL — USO DE REFRÃO MUSICAL EM ENSAIOS FOTOGRÁFICOS SEM AUTORIZAÇÃO DO DETENTOR DOS DIREITOS AUTORAIS — INDENIZAÇÃO DEVIDA, COM MONTANTE CORRIGIDO DESDE O EVENTO DANOSO E INCIDINDO JUROS A PARTIR DA CITAÇÃO – RECURSO PROVIDO PARCIALMENTE. INVERTIDOS OS ÔNUS DA SUCUMBÊNCIA.

Recurso contra respeitável sentença de fls. 113 e seguintes, que julgou improcedente ação de indenização, sob fundamento da ausência de ilicitude na reprodução do trecho de obra, como ocorrido, por presente a hipótese do art. 46, inciso VIII, da Lei 9610/98, condenando a apelante ao pagamento das despesas processuais e honorários advocatícios, pretendendo ela a reforma do decísum com o acolhimento da pretensão inicial (fls. 121/125).

Regularmente processado o apelo, com apresentação das contra-razões.

É o relatório, adotado, no mais, o da sentença.

Segundo consta a apelante ajuizou ação de indenização, por, na qualidade de editora musical, ser titular dos direitos patrimoniais de autor da obra musical “Dancin’ Days”, escrita e composta em 1978, por Nelson Motta e Rubens Queirosz Barra.

Desde o lançamento da versão original da música em 1978, esta nunca deixou de ser executada, tendo sido incluída em inúmeras compilações e por diversas gravadoras, além de campanhas publicitárias, estando em negociação a utilização em comerciais televisivos.

Apesar do acima referido, a requerida teria reproduzido parcialmente a obra lítero-musical mencionada, na edição de Fevereiro de 1999, da revista “Playboy” (p. 3 e 115), de forma não autorizada e indébita, utilizando os versos “Abra sua asas, Solte sua fera, Entre nesta festa”, justamente os mais famosos da música, a fim de ilustrar ensaio realizado pelo fotógrafo Guido Argentini, “sequer dando o devido crédito aos autores da canção”.

Argumenta a apelante, também que, em conseqüência do comportamento da requerente, “vêm sofrendo incontáveis prejuízos flnanceiros, exemplificado pela perda de negócio da ordem de R$ 120.000,00 (cento e vinte mil reais) a ser fechado com a McCann-Erickson Publicidade Ltda, para a utilização de “Dancin’Days” em comercial televisivo da Kolynos do Brasil, motivo pelo qual pleiteia indenização no valor de R$ 30.000,00, que seria o montante a ser pago pela concessão de autorização do uso dos versos da canção.

Na contestação argüiu a ré a aplicação do disposto no art. 46, inciso VIII da L.9610/98, inexistindo ilícito na reprodução noticiada, que se destinou a ilustrar matéria editorial, “não se caracterizando qualquer conotação de exploração comercial da obra”.

Acrescentou que a matéria publicada consistiu na reprodução de frases imaginadas pelo fotógrafo para destacar a beleza da modelo, sendo até possível “que o citado fotógrafo nem tenha conhecimento da letra da música reclamada”.

Assim, pediu improcedência da ação tanto por reproduzido apenas “pequeno trecho” da obra, como não ter sido a reprodução “o objetivo principal da matéria editorial”, motivo pelo qual “não prejudicou a exploração normal da obra parcialmente reproduzida”.

Por fim, acrescentou, caso fosse pertinente o pedido inicial, não condizer o valor pretendido a título de indenização com os parâmetros utilizados, pois, no caso do comercial da “Hellmann’s” o quantum pago para a exploração comercial, por um ano, em cinema, revista, rádio, jornal e televisão foi de R$ 13.000,00.

Diante de tais asseitivas, adveio a sentença de improcedência da ação, acolhendo-se a argumentação da ré.

Posto isso, cumpre anotar, segundo o art. 46, inciso VIII, da Lei 9610/98, que, não constituir ofensa aos direitos autorais, “a reprodução, em quaisquer obras, de pequenos trechos de obras preexístentes, de qualquer natureza, ou de obra integral, quando de artes plásticas, sempre que a reprodução em si não seja o objetivo principal da obra nova e que não prejudique a exploração normal da obra reproduzida nem cause prejuízo injustificado aos legítimos interesses dos autores”.

Comentando esse dispositivo observa Plínio Cabral: “A importância desse item reside no fato de que certas obras, especialmente didáticas, pela sua natureza, muitas vezes requerem a reprodução de trechos de obras preexistente ou, ainda, de obras de artes plásticas integrais … A premissa básica dessa liberdade legal é que a transcrição da obra preexistente não constitua o objetivo em si da obra nova. Não pode substituir a obra transcrita de tal forma que “causa um prejuízo injustificado aos legítimos interesses dos autores … A regra básica aplicada é simples: retirando-se da obra nova o texto ou a ilustração ela deverá continuar existindo, tendo lógica, princípio, meio e fim. O material utilizado deve, portanto, ser absolutamente acessório. Retirado, não afeta a integridade da obra nova” 1.

Com base em tais comentários, verifica-se que a utilização do trecho da música referida, na revista da ré, deveria ter ocorrido com o consentimento da primeira.

Os ensaios fotográficos ali constantes se completam com o refrão musical inserido e que não pode ser considerado como acessório, servindo a induzir os leitores a contemplarem a modelo nos termos imaginados pelo fotógrafo e auxiliando a interpretação ao seu trabalho, que poderia se perder, quanto ao sentido, sem as frases mencionadas.

Por outro lado, não se pode ignorar que o trecho musical utilizado, pela sua ampla divulgação, automaticamente é associado à obra lítero-musical de propriedade da apelante, sendo de lembrar-se, como Carlos Alberto Bittar, que,

“Direitos patrimoniais são aqueles referentes à utilízação econômica da obra, por todos os processos técnicos possíveis. Consistem em um conjunto de prerrogativas de cunho pecuniário que, nascidas também com a criaçio da obra, manifestam-se em concreto, com a sua comunicação ao público. Em consonância com a respectiva textura, esses direitos decorrem da exclusividade outorgada ao autor para a exploração econômica de sua obra, que constitui verdadeiro monopólio, submetendo à sua vontade qualquer modalidade possível.

Consubstancia-se, pois, o aspecto patrimonial fundamentalmente na faculdade de o autor usar, ou autorizar, a utilização da obra, no todo ou em parte; dispor desse direito a qualquer título; transmitir is direitos a outrem, total ou parcialmente, entre vivos ou por sucessão”. 2

A respeito do acima transcrito e que pode reforçar o direito da autora, vale a referência ao seguinte julgado, em que examinada espécie assemelhada:

INDENIZAÇÃO – Direito autoral – Utilização da expressão “se todos fossem iguais a você” em campanha publicitária – Hipótese de uso indevido – Procedência – Recurso não provido. (Relator: Campos Mello – Apelação Cível n° 185.109-1 – São Paulo – 02.06.93)

Por tais motivos, entende-se que a ré não poderia ter utilizado os trechos da obra pertencente à autora, sem a devida autorização, incumbindo-lhe, desta forma, indenizá-la, ainda que não no montante indicado na inicial, já que na notificação de fls. 72 havia sido requerida, pela apelante, a indenização de R$ 15.000,00, valor que mais se coaduna com as circunstâncias e fica aqui adotado.

O quantum indenizatório deverá ser corrigido desde a data do fato, nos termos da Súmula 54 do Colendo Superior Tribunal de Justiça, incidindo juros a partir da citação.

Por conta do que acima se propõe, invertem-se os ônus da sucumbência.

Ante o exposto, ao recurso é dado parcial provimento para julgar-se a ação procedente, fixando-se indenização a ser paga à autora no valor de R$ 15.000,00, com a devida correção desde o evento danoso, incidentes os juros a partir da citação (a taxa até a vigência do CC de 2002 sera a prevista no de 1916 e a contar daquela data segundo a adotada na nova codificação), invertidos os ônus da sucumbência.

A. C. Mathias Coltro

Relator

Notas de rodapé

1. A Nova Lei de Direitos Autorais – ed. Sagra Luzzatto – 3ª edição – p. 127

2. Direito do Autor – 2ª edição – ed. Forense Universitária – p. 46

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