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TRE-RJ impede candidaturas de políticos com contas rejeitadas

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26 de agosto de 2006, 17h11

A recente decisão do Tribunal Superior Eleitoral de não autorizar candidatura dos políticos que tiveram contas rejeitadas nos Tribunais de Contas, mesmo depois de ingressarem com ações judiciais com as quais, teoricamente, buscam anular esta condenação, deu um certo alento aos juízes do Tribunal Regional Eleitoral do Rio. Na semana que passou, os juízes do TRE-RJ indeferiram diversos pedidos de candidatura com base nos mesmos princípios.

Tanto o TRE como o TSE estão querendo mais do que o simples ingresso da ação tentando reverter a condenação, passaram agora a exigir uma manifestação clara da Justiça em favor do político condenado. Do contrário, o recurso judicial passa a ser entendido como mera medida protelatória, para evitar o indeferimento da candidatura.

O fato do TSE, através de um processo relatado pelo ministro César Asfor Rocha ter coincidido na interpretação dada pelos juízes do TRE-RJ faz com que aumente as possibilidades de o tribunal superior, ao contrário do que muitos juristas andam prevendo, confirme também os indeferimentos de candidaturas impostos pelo tribunal do Rio com relação a políticos que apresentam ficha pregressa inidônea.

A decisão, que vem sendo contestada por advogado alegando-se ferir o principio da presunção da inocência, terem sido mal interpretada. Ao todo, na semana que passou, cinco políticos viram suas tentativas de registrar as candidaturas à Câmara Federal afastadas pelo tribunal por conta de envolvimento em casos policiais ou de improbidade administrativa.

Quatro deles – Elaine Costa e Fernando Gonçalves (ambos do PTB), Paulo Baltazar (PSB) e Reynaldo Gripp (PL) – são acusados de envolvimento com a Máfia dos Sanguessugas e tiveram seus nomes enviados pela CPI de mesmo nome à Comissão de Ética, com pedido de expulsão. Já o quinto é mais emblemático, trata-se da polêmica figura do presidente do Clube de Regata Vasco da Gama, o ex-deputado Eurico Miranda, que pretendia voltar ao cargo. Contra ele, pesou sua extensa ficha de antecedentes criminais. A surpresa, para muito foi o fato de nestas anotações não constar nenhuma condenação transitada em julgado.

O TRE-RJ, como bem salientou seu presidente, o desembargador estadual Roberto Wider, não impediu a candidatura de Miranda por considera-lo culpado das acusações. O que se cobrou dos candidatos foi o que qualquer órgão publico, da administração direta ou indireta, bem como a maioria das empresas privadas, cobra de um candidato a um cargo: ficha de antecedentes limpa.

O enfoque da maioria dos juízes – no caso de Miranda a decisão foi unânime, mas nos dos deputados acusados de envolvimento com a máfia de ambulância a desembargadora federal Vera Lúcia Lima da Silva foi voto vencido – foi meramente a questão ética e moral. O caso é idêntico ao que preconiza o deputado Miro Teixeira (PDT-RJ) quando consulta o TSE sobre a possibilidade de não diplomação dos eleitos que não apresentarem vida pregressa imaculada. A questão é que Miro cobra posição depois da eleição e os juízes do tribunal do Rio decidiram agir antes, nos casos em que isto foi possível.

A posição do tribunal fica bem clara no voto da relatora do pedido de registro da candidatura de Eurico Miranda. Apesar dos incômodos de uma gravidez de gêmeos, preste a ser concluída, a juíza Jacqueline Lima Montenegro conseguiu pontuar a diferença entre o princípio constitucional da presunção da inocência, que impede que alguém seja penalizado antes do trânsito em julgado da sentença, e a exigência, também constitucional, de probidade administrativa para os cargos eletivos.

Em seu voto (transcrito abaixo), a juíza mostra que esta exigência é auto-aplicável, independendo de Lei Complementar, pois a própria Constituição já apresenta os princípios que devem ser exigidos. Ela não confunde isto com o pré-julgar, nem como quem diz que se trata de antecipação de pena.

O mesmo entendimento tiveram os demais juízes no caso dos políticos acusados de negociarem com a Máfia das Ambulâncias, isto é, não há necessidade de se aguardar um julgamento do caso, no qual haverá o contraditório. Pelas provas levantadas, ficou provado o envolvimento deles no esquema, o que por si só colide com a exigência constitucional de conduta ilibada.

De uma forma bastante simples, que permite a qualquer leigo entender a questão, ela explicou sua posição ao ser questionada por um dos advogados do PP, partido de Eurico Miranda, sobre a possibilidade de rever sua decisão através de um Embargo de Declarações: “doutor, o senhor empregaria na sua casa alguém com uma ficha como a dele, mesmo sabendo que não houve condenação transitada em julgado?”. O advogado silenciou e decidiu bater à porta do TSE.

Leia a íntegra do voto da juíza

TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL DO RIO DE JANEIRO


Registro de Candidatura n° 2401

Classe 25

Requerente: Partido Progressista – PP

Candidato a Deputado Federal

Candidato: Eurico Ângelo de Oliveira Miranda

VOTO

Cuida-se de Pedido de Registro de Candidatura de EURICO ANGELO DE OLIVEIRA MIRANDA ao cargo de Deputado Federal, que veio instruído com os documentos e informações exigidas por lei.

Compulsando os autos a fim de verificar a regularidade formal do pedido, constatei que o requerente possui extensa anotação nas certidões de feitos criminais, onde constam as seguintes referências:

1)Processo 96.0067579-1 – em tramitação perante a 5ª Vara Federal Criminal – pela prática da conduta descrita no artigo 22 da Lei 7492/86, que defini os crimes contra a ordem econômica – no caso, promover evasão de divisas.

2)Processo n° 2003.51.01.505658-1 – em tramitação perante a 4ª Vara Federal Criminal – pela prática da conduta descrita nos artigos 299 do CP (Falsidade Ideológica) – artigo 168 do CP (apropriação indébita) – arts. 1° e 2° de Lei 8137/90 (que define os Crimes contra a Ordem Tributária) – Sonegação Fiscal – Art. 1° da Lei 4729/65 – Crime de Sonegação Fiscal – arts. 350 e 353 do Código Eleitoral.

3)Processo n° 2004.51.01.530475-3 – em trâmite na 4ª Vara Federal Criminal – pela prática do crime de não recolhimento de contribuição previdenciária.

4)Processo n° 2006.001.055165-7 – em curso na 31ª Vara Criminal da Comarca da Capital – pela prática da conduta descrita no artigo 155, caput do CP.

5)Processo n° 1999.001.026858-4 – em curso na 38 ª Vara Criminal – pela prática das condutas descritas nos artigos 139 e 147 – constando arquivamento provisório do mencionado feito.

6)Processo n° 2004.800.050044-5 – em curso no VIII JECRIM, tendo como último movimento a remessa à Turma Recursal, mas sem que se esclareça a natureza da sentença proferida.

7)Processo n° 2003.51.01.505442-0 – em curso na 8ª Vara Federal Criminal – pela prática dos crimes de Desobediência e/ou Desacato e Falsificação e/ou Uso de Documento Público – com sentença condenatória ainda não transitada em julgado.

Notificado, o Requerente se limita a esclarecer que os procedimentos constantes das certidões se encontram em fase de tramitação, ressaltando não haver qualquer decisão definitiva, juntando os andamentos dos processos nelas referidos.

É o relatório.

VOTO

Resta, pois, examinar se é possível o deferimento de seu registro de candidatura nas circunstâncias e tendo em conta a análise dos fundamentos jurídicos aplicáveis ao caso, a luz da necessária mudança que o direito e o contexto social devem suportar em função da evolução dos institutos, do tempo e dos reclamos sociais.

A partir da Emenda Constitucional n° 04/94, o poder constituinte derivado introduziu importante alteração no texto constitucional ao inserir o parágrafo 9° no artigo 14, que assim dispõe:

“Lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para o exercício do mandato, considerada a vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso no exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta”.

Considerando que até a presente data ainda não foi editada a Lei complementar a que se refere o supracitado dispositivo, poderíamos nos sentir inclinados a seguir o entendimento prestigiado pelos Tribunais, inclusive o C. TSE, no sentido de considerar inelegíveis apenas aqueles que já ostentassem condenação criminal transitada em julgado na data do pedido de registro de candidatura perante o TRE, permitindo, sem qualquer ponderação, a candidatura daqueles que apresentam em sua folha penal anotações apontando a prática de ilícitos de gravidade incontestável, mas que ainda pendem apreciação definitiva pelo Poder Judiciário.

Não me parece que este seja o melhor raciocínio.

Com efeito, a própria introdução do parágrafo 9° no já mencionado artigo 14 da CF leva à conclusão evidentemente contrária. Afinal, a nova norma constitucional não apenas dispõe que a Lei Complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade como expressamente determina que tais hipóteses deverão ser inspiradas por valores de índole ética e por ele mesmo estabelecidos, quais sejam, proteção a probidade administrativa, a moralidade para o exercício do mandato, considerada a vida pregressa do candidato.

É por isso que não se afigura injurídico concluir que tais valores, que inspiram a sedimentação de princípios, se apresentam como autônomos em relação à exigência de lei complementar e neste particular este dispositivo constitucional é de fato auto-aplicável. Esta é, a meu juízo, a inteligência do parágrafo 9° do artigo 14 da CF.


Afinal, se este dispositivo constitucional traz o valor superior da moralidade para o exercício do mandato, deve incidir imediatamente no cenário jurídico e impõe-se seja integrado pelo intérprete, porquanto não há nenhum sentindo em que se espere a edição da lei complementar nele aludida, relegando ao âmbito da imoralidade, em alguns casos, o deferimento do registro de candidatura, quando a norma constitucional é tão clara e efetiva quanto aquilo que, desde 1994, pretende como diretriz para o nosso sistema eleitoral.

Ressalte-se, ademais, que o sentido de moralidade para os fins aqui colimados não depende de nenhuma tarefa mais complexa para a sua integração, sobretudo quando é alcançada com facilidade a compreensão sobre o que seja uma vida pregressa imaculada. Este conceito não depende, por óbvio, de definição em lei infraconstitucional, não obstante poder vir ser por ela tratado.

Confira-se a respeito a lição de JOSE AFONSO DA SILVA sobre o tema:

“As inelegibilidades têm por objeto proteger a probidade administrativa, a moralidade para o exercício do mandato, considerada a vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta (art. 14, p.9°). Entenda-se que a cláusula “contra a influência do poder econômico ou abuso do exercício de função…” só se refere à normalidade e à legitimidade das eleições.Isso quer dizer que a “probidade administrativa” e a “moralidade para o exercício do mandato” são valores autônomos em relação àquela cláusula, não são protegidos contra a influência do poder econômico ou abuso de função etc., mas como valores em si mesmos dignos de proteção, porque a improbidade e a imoralidade, aí, conspurcam só por si a lisura do processo eleitoral. (In Curso de Direito Constitucional Positivo – 24ª edição – Melhoramentos)

Assim, na base principiológica constitucional convivem as hipóteses em que, por óbvio, a condenação com trânsito em julgado resulta em inelegibilidade, e aquelas em que a existência de vida pregressa, pautada por envolvimento do individuo em fatos que estão sendo apurados em outras esferas, operam contra a necessária moralidade exigida para o deferimento do registro de candidatura.

A moralidade para o exercício do mandato lançando raízes na vida pregressa do candidato é finalidade constitucional trazida pelo legislador constituinte a partir de 1994 e que deve revestir as condições daqueles que se pretendem fazer representantes da população e dos estados para administrar, legislar, governar e, enfim, dirigir o futuro do país e o destino de seu povo.

Ademais, o momento histórico-social em que vivemos não se coaduna com interpretações restritivas dos comandos principiológicos auto-aplicáveis contidos na Constituição. Vivemos momentos em que se assanham rumores de envolvimentos de agentes públicos com toda sorte de infrações penais, alguns deles com fortes indícios de realidade, de modo que não me parece que o legislador constituinte tenha querido ficar adstrito à idéia de tornar inelegíveis apenas aqueles que já contam com sentença penal condenatória.

Afinal, fosse assim, porque razão o constituinte derivado teria inserido no texto constitucional o parágrafo 9° do artigo 14, pela Emenda Constitucional 04/94, que traz o instituto da necessária moralidade para o exercício do mandato fundada no exame da vida pregressa, senão fazer evidente diferença com a exigência de trânsito em julgado de condenação criminal disposta no artigo 15 da Carta Fundamental?

Com base nisso, é importante frisar-se que a aferição dos fatos da vida pregressa para fins de juízo da moralidade para o exercício do mandato não se confunde com o exame da culpa sobre as infrações penais contidas nas certidões do pretendente à candidatura.

Há que se afastar cabalmente a idéia de que se está a operar em campo contrário ao princípio da presunção de não culpabilidade, inserido no artigo 5° LVII, da CF, uma vez que não se realiza, para os fins disposto no art.14, parágrafo 9°,da CCF, o exame da matéria deduzida nos processos criminais indicados nas certidões com vistas a concluir pela culpabilidade ou não e definir as questões penais. Aqui, o que se efetua é apenas a análise do contexto da vida pregressa do sujeito e que se afigura indicativo de situação contrária a necessária moralidade para o exercício do mandato.

Também não se há de confundir com o instituto dos maus antecedentes, próprio da esfera penal, e que constituem fatos anteriores a uma determinada infração penal, também ligados ao âmbito da ilicitude penal, e que, dentro daquilo que delimita a jurisprudência, acabam servindo , no corpo do processo penal, como elemento orientador de uma série de institutos penais, dentre os quais mais avulta a fixação da pena base pelo juiz na primeira fase do critério trifásico do artigo 59 do CP.


A vida pregressa a que alude a disposição constitucional, ditada para a esfera eleitoral, e que aqui se toma como fundamento necessário ao deferimento do registro de candidatura, abarca a seu turno apenas a existência de anotações de infrações penais nas certidões do pretendente que, a vista de sua natureza, plausibilidade e demais circunstâncias, acabam constituindo empecilhos ao juízo positivo de moralidade para o exercício do mandato.

Não olvidemos que o direito é fato social na forma que lhe dá a norma, segundo uma ordem de valores, como há muito já sedimentara MIGUEL REALE, e tudo isso só se concretiza na medidas em quer atua a jurisdição.

Não podemos mais estar aqui, no que tange ao exame da vida pregressa para fins de registro de candidatura, a agir segundo as formas extremas: ou tudo ao mar ou tudo a terra. Por vezes autorizando todo e qualquer registro de candidatura, ainda que presentes anotações criminais, com fulcro no cômodo apanágio da inexistência de sentença condenatória com trânsito em julgado, e por outras se impedindo o registro unicamente com base em qualquer anotação contrária ao pretendente.

Não é isto que o contexto vivido no atual momento espera deste E. TRE, podemos e devemos, com base na própria constituição, analisar caso a caso para constatar a pertinência de cada anotação com a necessária moralidade para o cargo.

Não é possível mais aceitar que um pretendente a candidato apresente a este Tribunal e conseqüentemente a toda a população uma certidão repleta de anotações criminais sem qualquer preocupação com esclarecimentos e documentos que possam enfraquecer ou infirmar cada uma delas e nós, simplesmente, lançando mão impropriamente do princípio da não culpabilidade, que não se aplica ao caso, abrirmos as portas a essas pessoas para que se apresentem assim ao eleitor como dignas de representa-los, com a chancela do TRE. Há que se mudar este estado de coisas.

E não se argumente que o posicionamento ora preconizado estaria a inverter em desfavor do requerente o ônus de mostrar a sua idoneidade. A uma, que não há propriamente nenhuma inversão de ônus, na medida em que as certidões dos órgãos oficiais constituem a prova de que há anotações criminais desfavoráveis ao sujeito. Ademais, não se está alegando nada cuja prova contrária se atribui exclusivamente ao requerente. As certidões são a própria prova do Estado e que inclusive foram trazidas pelo próprio requerente.

Com efeito, cabe ao requerente, que pretende amealhar o voto popular nas eleições que se aproximam, antes de obter a autorização para participar da eleição deste Tribunal, provar que está em condições de moralidade, constatada em sua vida pregressa, para exercer o cargo que almeja. E tal deve faze-lo juntando certidões negativas ou, em caso de anotações criminais, apresentar no mesmo momento documentos que expliquem , enfraqueçam ou infirmem as anotações, coisa que aqui não se fez.

Em suma, insta acentuar, definitivamente, que sequer se está diante de conflito entre normas constitucionais, porquanto op artigo 5°, LVII, da CF, nada tem a ver com o caso em tela, já que este Egrégio Tribunal não irá efetuar juízo sobre a culpa do requerente nos delitos anotados em seu desfavor. Aqui se aplica exclusivamente a sistemática trazida pela EC 04/94, que contém princípios éticos a informar as hipóteses de inelegibilidade, que, obviamente, não dependem de Lei Complementar para vigerem, por isso que auto-aplicáveis.

Seguindo a linha dos fundamentos acima, no caso concreto, é preciso que se confronte as anotações criminais que operam contra o requerente com os seguintes critérios:

a) a natureza das infrações indicadas;

b) a origem das apurações e a plausibilidade dos fatos;

c) demais circunstâncias do caso.

Ora, os fatos delituosos constantes nas certidões apontam para a prática de diversas condutas que atentam contra a Fazenda Pública, sem falar nos delitos que menoscabam o bem jurídico administração pública, como, por exemplo, o desacato e desobediência ai agente público, o que demonstra um perfil incompatível com o exercício do mandato, não sendo crível que os eleitores possam receber como idônea, porque deferida por este Tribunal, a candidatura de alguém com tal vida pregressa.

Por derradeiro, ressalte-se que não compete ao TRE averiguar acerca da veracidade das informações, mas sim ao requerente que apresentou documentação apontando para a falta de condição moral para o exercício do cargo almejado.

Ante o exposto, VOTO pelo INDEFERIMENTO do registro aqui requerido.

É como voto.

Juíza Jacqueline Lima Montenegro

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