Plano de vôo

Plano de recuperação judicial da Vasp é homologado

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24 de agosto de 2006, 17h52

O juiz Alexandre Lazzarini, da 1ª Vara de Recuperações Judiciais e de Falências de São Paulo, homologou o plano de recuperação judicial da Vasp. O plano para levantar a companhia é homologado cerca de 10 meses depois que o pedido de recuperação foi acolhido pela Justiça.

O pedido da empresa foi feito em julho do ano passado, quando a Comissão Interventora da companhia aérea e o Ministério Público do Trabalho entraram com petição no Fórum João Mendes. A Vasp teve intervenção judicial decretada em março de 2005, por decisão da 14ª Vara do Trabalho de São Paulo.

A elaboração do plano de recuperação da empresa contou com a assistência de três grandes escritórios de advocacia e com parecer favorável da promotora de Justiça Marisa Mantilla Marques Leite. Trabalharam no caso os advogados João Boyadjian, Hoanes Koutoudjian, Arnoldo Wald Filho e o escritório Cesar Ciampolini.

A homologação do plano de recuperação da companhia encerra uma série de sobressaltos que teve início em março de 2005, quando o juiz Homero Batista Mateus da Silva, da 14ª Vara do Trabalho de São Paulo decretou a intervenção judicial para garantir o pagamento de dívidas trabalhistas.

Em julho de 2005, depois que foi feito o pedido de recuperação, o juiz Alexandre Lazzarini entendeu que a empresa não preenchia os requisitos da nova Lei de Falências e exigiu que a Vasp entregasse uma série de documentos contábeis que demonstrasse a situação financeira. Por causa disso, deu prazo suplementar para a empresa apresentar os documentos.

Na época, Lazzarini ainda nomeou dois peritos para comprovar se a devedora teria condições de apresentar os relatórios exigidos pela nova lei. Cumpridas as exigências, o pedido de recuperação foi deferido em outubro e, agora, o plano homologado.

Leia a íntegra da decisão

Poder Judiciário de São Paulo

Fórum João Mendes Júnior

1ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais

Processo nº 583.00.2005.070715-0

Nº de ordem: 57/2005

CONCLUSÃO

Em 23 de agosto de 2006, faço estes autos conclusos ao MM. Juiz de Direito, Dr. Alexandre Alves Lazzarini. Eu, ______ (Escr. Subscrevi).

Vistos.

VIAÇÃO AÉREA DE SÃO PAULO SOCIEDADE ANÔNIMA — VASP requereu, em 01/07/2005, a sua recuperação judicial, nos temos da Lei n. 11.101/05, obtendo o deferimento de seu processamento em 07/10/2005 (fls. 2096/2099, 12º vol.).

Publicados os editais necessários com a relação de credores, e apresentado o plano de recuperação judicial, foi convocada Assembléia-Geral de Credores, em face da existência de impugnações ao planos, que na sua primeira data (24/3/2006): elegeu um comitê de credores, aprovou a manutenção na administração da empresa das pessoas nomeadas como interventores pela Justiça do Trabalho, bem como autorizou acordo com a credora GE. Encerrou-se a mesma, posteriormente e em continuidade, em 26/07/2006, com a aprovação do plano pelos credores sujeitos a ele (ata as fls. 182/189, autuada como incidente n. 1086).

Assim, requereu a empresa 9fls. (4431/4437, 24º vol.) a concessão da recuperação judicial, com dispensa das certidões negativas tributárias, apresentando suas razões para contrair o determinado no art. 57 da Lei n. 11.101/05.

Vieram impugnações da Air France (fls. 4414/4418) e do Banco do Brasil S/A (fls. 4516/4518), apresentando a VASP suas manifestações.

O administrador judicial (fls. 4538/4539) manifestou-se favoravelmente à pretensão da VIAÇÃO AÉREA DE SÃO PAULO SOCIEDADE ANÔNIMA — VASP, afastando, ainda, as impugnações acima mencionadas.

O Ministério Público do Estado de São Paulo manifesta-se pela concessão da recuperação judicial (fls. 4554/4556).

Existem diversas petições referentes a processos comuns (de conhecimento e execução) que não interferem na questão ora debatida.

É o relatório.

DECIDO.

Como amplamente demonstrado nos autos, a começar pela petição da VIAÇÃO AÉREA SÃO PAULO SOCIEDADE ANÕNIMA — VASP, a exigência das certidões negativas, como pressuposto de admissibilidade para concessão da recuperação judicial, aprovada pelos credores a ela sujeita, não pode prevalecer, a despeito do art. 57 da Lei n. 11.101/05, pois afronta os princípios que regem o instituto da recuperação judicial, regulado pela mesma lei, bem como a própria Constituição Federal.

Aliás, transcreve a VASP, em sua sustentação da dispensa das certidões negativas de dívida tributária, decisão deste magistrado na recuperação judicial da Parmalat Brasil S/A — Indústria de Alimentos, que será reproduzida nesta decisão, porém sem as devidas aspas.

Naquele processo o parecer do Ministério Público, elaborado pelo seu d. representante. Dr. Alberto Camiña Moreira, teve seus fundamentos adotados, destacando-se a sua conclusão:


“Em relação à exigência do art. 57 da Lei 11.101/05 e artigo 191-A do CTN: a) trata-se de sanção política, profligada pela jurisprudência dos tribunais; b) fere o princípio da proporcionalidade, e, por isso, são insubsistentes; c) o descumprimento não acarreta a falência, conseqüência não desejada pela lei; d) a jurisprudência de nossos tribunais, historicamente, desprezou exigências fiscais de empresas em crise econômica, sem que isso represente proibição de cobrança de tributos pelas vias próprias”.

Manteve o Ministério Público de São Paulo o mesmo posicionamento, agora em parecer da lavra da Dra. Marisa Mantilla Marques Leite.

O princípio da proporcionalidade, lembrado, “na qualidade de princípio constitucional ou princípio geral do direito, apto a acautelar do arbítrio do poder o cidadão e toda a sociedade, que se faz mister reconhecê-lo já implícito e, portanto, positivado em nosso Direito Constitucional” (Paulo Bonavides, Curso de Direito Constitucional, 9ª ed., Malheiros Editores, 2000, p. 396).

A evolução histórica da Lei 11.101/05, apresentada pelo Ministério Público, demonstra a razão arbitrária que justifica a incidência desse princípio como uma barreira à indevida exigência legal.

A doutrina que trata do tema da recuperação judicial e falências é, em sua maioria, no sentido de que a exigência das certidões negativas contraria o instituto, destacando, entre vários, Luiz Antônio Caldeira Miretti (Comentários à Nova Lei de Falências e Recuperação de Empresas, coord. Rubens Aprobbato Machado, Ed. Quartier Latin, 2005, p. 275), Julio Kahan Mandel (Nova Lei de Falências e Recuperação de Empresas Anotada, Saraiva, 2005, p. 129) e Renaldo Limiro da Silva (Recuperação Judicial de Empresas, ABEditora, 2005. Goiânia, p.63).

A respeito, vale, ainda, a lição de Manoel Justino Bezerra Filho (Nova Lei de Recuperação e Falências Comentada, 3ª ed., Ed. Revista dos Tribunais, 2005, p. 168):

“Aliás, neste ponto, a Lei não aproveitou o ensinamento que os 60 anos de vigência do Dec-lei 7.661/45 trouxeram, a partir do exame do art. 174 daquela lei. Este artigo exigia que, para que a concordata fosse julgada cumprida, o devedor apresentasse comprovação de que havia pago todos os impostos, sob pena de falência. Tal disposição, de praticamente impossível cumprimento, redundou na criação jurisprudencial que admitia o pedido de desistência da concordata, embora sem expressa previsão legal. E a jurisprudência assim se firmou, porque exigir o cumprimento daquele art. 174 seria levar a empresa, certamente, à falência. Sem embargo de tudo isso, este art. 57, acoplado ao art. 49, repete o erro de trazer obrigações de impossível cumprimento para sociedades empresárias em crise”.

Bem por isso, mostra-se a orientação que vem se formando pela desnecessidade da demonstração da regularidade fiscal, tendo a Vasp apresentado precedentes, uma da 1ª Vara Cível de Ponta Grossa (recuperação judicial da empresa Wosgrau Participações Indústria e Comércio Ltda., Proc. N. 390/2005, MM. Juiz Luiz Henrique Miranda, j. 2/12/2005) e outra da 8ª Vara Empresarial do Rio de Janeiro (recuperação judicial da Varig S/A Viação Aérea Riograndense, MM. Juiz Luiz Roberto Ayoub, j. 28/12/2005), além da própria Parmalat Brasil S/A — Indústria de Alimentos, entre outros.

O ilustre administrador judicial, Dr. Alexandre Tajra, confirmou os argumentos utilizados pela VASP, quanto à dispensa das certidões tributárias.

Sob o ponto de vista econômico, conforme se vê em trabalho de Marcos de Barros Lisboa, Secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, e outros (A Racionalidade Econômica da Nova Lei de Falências e de Recuperação de Empresas, in Direito Falimentar e a Nova Lei de Falências e Recuperação de Empresas, coord. Luiz Fernando Valente de Paiva, Ed. Quartier Latin, 2005, p. 52), tem-se que “o Fisco colabora com a recuperação da empresa mediante o parcelamento dos créditos tributários”, fixando norma determinando “que as Receitas de cada ente federativo criem regras específicas sobre o parcelamento de dívidas tributárias para empresas em recuperação de empresas”, como forma de ajudar a recuperação judicial, já que dela não participa, “estabelecendo uma dilatação dos prazos para pagamento, aliviando as necessidades de fluxo de caixa da empresa e propiciando a regularização de sua situação fiscal”.

Ou seja, o fisco deve atender ao princípio constitucional da proporcionalidade e, também, aos princípios estabelecidos no artigo 47 da lei 11.101/05, que, por conseqüência encontram seu amparo no artigo 170 da Constituição Federal.

Em face de um aspecto pragmático, com recuperação judicial, o fisco tem a chance de receber os tributos devidos, com a falência, a prática demonstra que nada, ou muito pouco, receberá dos seu créditos.


Assim, acrescenta-se outros dois enfoques sobre os mesmo aspectos, ou seja, (a) não há interesse economico e (b) não há interesse jurídico, pois os créditos tributários não são sujeitos a modificação de valor (ausência do interesse jurídico).

Com a relação à aprovação do plano, algumas observações devem ficar anotadas.

Na classe I (trabalhadores, artigos 41, I da lei 11.101/05), a aprovação foi unanimidade, destacando-se a incisiva participação dos Sindicatos dos Aeroviários de Guarulhos, Pernambuco, Porto Alegre e do Estado de São Paulo, bem como dos Sindicatos Nacionais dos Aeronautas e dos Aeroviários.

Na classe II (credores com garantia real, artigo 41, II, da Lei 11.101/05) não houve unanimidade, mas na mesma orientação da classe I, a aprovação foi com 96%6 dos votos pelo valor de crédito (3,4% rejeitava o plano), sendo que por cabeça, houve empate (um voto a favor e outro contra), prevalecendo, portanto a aprovação, não só pelo que dispõe ao artigo 58, § 1º, da Lei 11.101/05, como pelos princípios que regem o tema, consagrado no artigo 47 da mesma lei.

Na classe III (credores quirografários e outros, artigo 41, III, da Lei 11.101/05) também não ocorreu a unanimidade, que, porém, justifica a aprovação pelo mesmo fundamento acima exposto na classe II, merecendo especial consideração a questão da abstenção ocorrida nessa classe.

A votação consistiu: a) pela rejeição do plano: 6 cabeças representando 23,1% dos créditos; b) pela aprovação: 8 cabeças representando 58,1% dos créditos; c) abstenção: 5 cabeças representando 18, 8% de créditos .

Para dicção legal, onde se exige a maioria dos votos presentes, tanto no critério cabeça, como no de crédito (artigo 45, § 1º, da Lei 11.101/05), a abstenção passa a ter um caráter negativo, acrescentando-se, portanto, entre aqueles que rejeitam o plano judicial.

Assim, neste caso da VASP, a classe III teria a rejeição do plano por cabeça (6 votos pela rejeição e 5 abstenções, contra 8 votos pela aprovação) e sua aprovação pela maioria do valor dos créditos (58,1% pela aprovação contra 23,1% de rejeição e 18,8% de abstenção)

Este magistrado já decidiu pelo computo da abstenção em caráter negativo no caso da Parmalat Brasil S/A Indústria de Alimentos (Processo: 583.00.2005.068090-1, em 21/12/2005), porém a evolução dos fatos em Assembléia-Gerais de Credores (CPC, artigos 131 e 335), mostram a impossibilidade de se manter tal postura e a razão da Lei 6.404/76 (Lei de Sociedade Anônimas), onde no seu artigo 129, “caput”, expressamente determina que as deliberações da assembléia geral “serão tomadas por maioria absoluta de votos, não se computando os votos em branco”.

Tais fatos surgem com condutas onde o credor indiferente ao resultado, em especial quando já conseguiu o que lhe interessava, e com a finalidade de tentar reduzir sua responsabilidade na hipótese de quebra, deixa de ser posicionar sobre o plano, ou ainda, naquilo que o Direito Concorrecional denomina interlocks que, de maneira genérica, se caracteriza por coligações gerencias ou administrativas, contendo pessoas comuns em cargos de direção (por exemplo, diretoria ou conselho de administração), ou mesmo alianças entre empresas (entre companhias aéreas, é fato notoriamente comum).

À luz dos princípios do art. 47 da Lei n. 11.101/05, em especial o da preservação da empresa, tem-se que de fato a abstenção deve ser interpretada em sentido positivo pela aprovação do plano.

Esclarece-se:

Em uma votação é dado ao credor escolher a aprovação ou rejeição do plano. Optando o credor por se abster, na realidade, expressa uma vontade de indiferença (ou na linguagem comum o “tanto faz”) pelo destino da empresa em recuperação.

Ora, o art. 47, reforçado pelo art. 58, § 1º, além de princípios, importa em regras de interpretação. Ou seja, se para aquele que se abstém é indiferente o resultado da Assembléia-Geral de Credores, há que prevalecer o princípio da preservação da empresa, isto é, computa-se a abstenção, sempre, no sentido positivo da aprovação da empresa.

Portanto, na classe II, ocorreu a aprovação do plano de recuperação judicial por maioria absoluta, considerando-se a soma dos votos explícitos pela aprovação e as abstenções, totalizando 13 cabeças e 76,9% dos créditos.

Confirma-se isso em regra interpretativa de Pothier (apud Silvio de Salvo Venosa, Direito Civil II — Teoria Geral das Obrigações e dos Contratos, Ed. Atlas, 2005, p.487, n 21.6) no sentido de que “quando em um contato os termos são suscetíveis de dois sentidos, deve entender-se no sentido que mais convém à natureza do contrato”. A abstenção tem dois sentidos, como visto, e o que mais convém à natureza do contrato (recuperação da empresa) é a sua preservação.

Ou ainda por outra regra (autor, obra e página citados): ”Quando uma cláusula é suscetível de dois sentidos deve entender-se naquele em que ela pode ter efeito; e não naquele em que não teria efeito algum”. A abstenção, como anotado, tem dois sem tidos, no sentido afirmativo (aprovação) tem como efeito a preservação da empresa e sua função social (manutenção do emprego, por exemplo) e, por conseqüência, a real possibilidade dos credores receberem ao menos parte do seu crédito; no sentido negativo (rejeição) não terá efeito algum, pois não haverá empresa, emprego e dificilmente os credores receberão algo de seu crédito (em especial os da classe III, onde sem encontra o problema).

Por fim, em face das alegações da Air France e do Banco do Brasil S/A, além daquilo que foi exposto pela própria VASP, basta a reprodução das manifestações do administrador judicial (fl. 4538) e do Ministério Público (fls. 4554/4556):

“Sobre as alegações, nada a ponderar, pois todas as assembléias realizadas nesta recuperação no total de três, seguiram rigorosamente a nossa legislação, culminando assim na aprovação pelos seus credores lá presentes…” (administrador judicial).

“Correta a forma de contagem dos votos, certo ainda que a aprovação do plano pela assembléia-geral demonstra a colocação de esclarecimentos que se mostram suficientes à maioria, com aprovação pelos três diferentes classes de credores, como demonstrado pela devedora”. (Ministério público).

Com relação ao acerto de valores , em face das manifestações da GE, eventual modificação não acarreta invalidade da assembléia e de suas deliberações, sendo que ainda restam diversas impugnações e habilitações pendentes, em especial de natureza trabalhista.

Isto posto, com fundamento no art. 58 da Lei n. 11.101/5, concede a recuperação judicial à VIAÇÃO AÉREA SÃO PAULO SOCIEDADE ANÔNIMA — VASP, destacando-se o seu cumprimento nos termos dos arts. 59 a 61 da mesma lei, e do plano aprovado pela Assembléia-Geral de Credores, que homologo.

Prossiga-se, no mais, como o necessário.

P.R.I.C.

São Paulo 24 de agosto de 2006-08-24

Alexandre Alves Lazzarini

Juiz de Direito Titular

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