Competência definida

Não cabe ao Supremo julgar HC contra Turma Recursal

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23 de agosto de 2006, 20h06

Não cabe ao Supremo Tribunal Federal julgar recurso contra decisão de Turma Recursal dos Juizados Especiais. A decisão é do plenário do STF que, por oito votos a três, declinou da competência de julgar Habeas Corpus impetrado por um delegado de polícia contra a Turma Recursal, em processo do Juizado Especial Criminal de Araçatuba (SP).

A tese foi sustentada pelo relator, ministro Marco Aurélio, ao proferir seu voto em 19 de dezembro, antes do pedido de vista do ministro Sepúlveda Pertence. Para Marco Aurélio, a competência, no caso, é do Tribunal de Justiça de São Paulo.

Segundo Marco Aurélio, “a competência originária e recursal do Supremo está fixada na própria Carta, e aí não se tem preceito a versá-las que, interpretado e aplicado, conduza à conclusão sobre competir a esta Corte apreciar os habeas ajuizados contra atos de turmas recursais criminais, tratando-se de processo concernente a delito de menor potencial ofensivo”.

O ministro afastou também uma suposta competência decorrente da Emenda Constitucional 22/99, “explicitando que cumpre ao Supremo julgar os habeas uma vez envolvida Corte possuidora da qualificação de superior, sendo destinado ao Superior Tribunal de Justiça o julgamento das demais impetrações voltadas a afastar ato de tribunal que não tenha tal qualificação”.

Para o ministro, “constitui até mesmo paradoxo interpretar o Diploma Básico, assentando-se que ao Supremo apenas cabe julgar o habeas quando se cuida de ato de tribunal superior, e apreciar toda e qualquer impetração direcionada ao afastamento de ato de turma recursal criminal cujos integrantes não compõem sequer tribunal”.

Em seu voto Marco Aurélio lembra que o Supremo fechará o ano com cerca de 78 mil processos distribuídos aos seus 11 ministros. “Por isso, articulo mais uma vez a matéria, concluindo não incumbir ao Supremo julgar habeas quando o ato impugnado decorra de atuação de turma recursal de juizado especial criminal, concluindo pela competência do tribunal de justiça ou do tribunal regional a que vinculado o órgão apontado como coator.”

Divergência

O ministro Sepúlveda Pertence abriu a divergência na matéria ao considerar que as Turmas Recursais dos Juizados Especiais não se sujeitam à hierarquia funcional da Justiça. Pertence argumenta que, pelo fato de a turma recursal já se configurar de fato um duplo grau de jurisdição, não poderia estar subordinado aos respectivos Tribunais de Justiça.

“As Turmas de recurso dos juizados especiais, com efeito, sob o prisma da hierarquia jurisdicional estão em aparente paradoxo em plano mais elevado que os tribunais de segundo grau da União e dos Estados na medida em que, a exemplo dos tribunais superiores, sujeitam-se imediata e exclusivamente a jurisdição do Supremo Tribunal Federal, dada a competência deste, e só dele, de rever suas decisões mediante recurso extraordinário. De tudo resulta que também e apenas o Supremo Tribunal Federal detém competência para julgar o presente Habeas Corpus”, afirmou Sepúlveda Pertence.

Na avaliação de Pertence, os Juizados Especiais fugiriam de seu propósito, isto é, dar agilidade ao processamento das causas, quando constitucionais, se este tivesse que se sujeitar aos Tribunais de alçada ou Tribunais de Justiça e, posteriormente, ao Superior Tribunal de Justiça e ao STF.

A divergência aberta por Sepúlveda Pertence foi acompanhada pela ministra Cármen Lúcia e pelo ministro Celso de Mello. Os ministros Joaquim Barbosa, Gilmar Mendes, Ellen Gracie, Carlos Britto, Eros Grau, Ricardo Lewandowski e Cezar Peluso acompanharam o voto do relator, ministro Marco Aurélio.

Sobre o caso concreto, os ministros decidiram manter a ordem de deferimento de liminar em favor de Miguel Ângelo Micas, delegado de polícia que responde a ação penal por suposto crime de prevaricação, por não ter soltado pessoa presa preventivamente por crime de estupro, mesmo diante de retratação da representação oferecida pela vítima. O delegado, com o HC, obteve o trancamento da ação penal contra ele até pronunciamento final do Tribunal de Justiça de São Paulo, a quem foi remetido o processo.


HC 86.834

19/12/2005

TRIBUNAL PLENO

HABEAS CORPUS 86.834-7 SÃO PAULO

RELATOR

:

MIN. MARCO AURÉLIO

PACIENTE(S)

:

MIGUEL ÂNGELO MICAS

IMPETRANTE(S)


:

MIGUEL ÂNGELO MICAS

ADVOGADO(A/S)

:

ADÉLFO VOLPE

COATOR(A/S)(ES)

:

TURMA RECURSAL DO JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL DA COMARCA DE ARAÇATUBA

R E L A T Ó R I O

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO – Adoto, como síntese do caso, o que tive a oportunidade de consignar ao deferir a medida acauteladora:

1. Colho da inicial que o paciente-impetrante responde a processo existente na Vara Única da Comarca de Buritama, Estado de São Paulo, tendo em conta o crime de prevaricação – artigo 319 do Código Penal. É que, ante retratação de vítima de estupro, não comunicara, de imediato, tal fato ao Juízo, de modo a afastar a custódia provisória do autor do delito. Articula o impetrante com a inexistência do dolo específico relativo ao delito, já que, como delegado de polícia, teria atuado buscando cumprir o respectivo dever, presente o Verbete nº 608 da Súmula desta Corte:

No crime de estupro, praticado mediante violência real, a ação penal é pública incondicionada.

Assevera o impetrante que quando do estupro teria havido a violência real, ocorrendo também a coação para que a vítima retirasse a representação. Aponta a existência de exceção de suspeição contra o magistrado que arquivou a ação penal em que imputado o crime contra os costumes e requer a concessão de liminar que implique a suspensão da audiência designada para efeito de transação, vindo-se, alfim, a deferir a ordem para trancar, por falta de justa causa, o Processo nº 384/03, da Vara Única da Comarca de Buritama. À inicial juntou os documentos de folha 24 a 144.

O parecer da Procuradoria Geral da República é pela concessão da ordem para trancar a ação penal, asseverando o Ministério Público haver, no caso, demonstração de plano do constrangimento, pois “em momento algum nos autos foi declinado qual o interesse ou sentimento pessoal que moveria o paciente, Delegado de Polícia, em não comunicar de imediato ao Juízo a retratação da vítima”. Evoca como precedentes deste Tribunal o Habeas Corpus nº 84.948-2/SP, da minha relatoria, cujo acórdão foi veiculado no Diário da Justiça de 18 de março de 2005, e o Habeas Corpus nº 81.504-9/SP, relatado pelo ministro Ilmar Galvão, com acórdão publicado no Diário da Justiça do dia 31 de maio de 2002.

Lancei visto no dia 13 de dezembro de 2005, afetando o processo ao Plenário, ante questão a ser suscitada, alusiva à competência, e indiquei, como data em que o processo estaria liberado para julgamento, 15 subseqüente.

É o relatório.

V O T O

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (RELATOR) – A competência para julgar habeas corpus é definida em face dos envolvidos na impetração. O paciente quase sempre não detém prerrogativa de foro. Então, cumpre perquirir quanto à autoridade coatora.

Consoante dispõe o artigo 96, inciso III, da Constituição Federal, aos tribunais de justiça cabe processar e julgar os juízes estaduais nos crimes comuns e de responsabilidade, ressalvada a competência da Justiça Eleitoral. Então, imputado o ato de constrangimento a turma recursal de juizado especial criminal, incumbe ao tribunal de justiça examinar o habeas. Essa óptica é reforçada pelo fato de a competência originária e recursal do Supremo estar fixada na própria Carta, e aí não se tem preceito a versá-las que, interpretado e aplicado, conduza à conclusão sobre competir a esta Corte apreciar os habeas ajuizados contra atos de turmas recursais criminais, tratando-se de processo concernente a delito de menor potencial ofensivo.

Considerado o disposto no artigo 102, inciso I, da Lei Fundamental, compete ao Supremo julgar habeas corpus sendo pacientes o Presidente e o Vice-Presidente da República, os membros do Congresso Nacional, os próprios ministros da Corte, o Procurador-Geral da República, os ministros de Estado, os comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, os membros dos tribunais superiores, os do Tribunal de Contas da União e os chefes de missão diplomática de caráter permanente.

Relativamente à alínea “i” do citado inciso e tendo em vista atos de tribunais, veio à balha a Emenda Constitucional nº 22/99, explicitando que cumpre ao Supremo julgar os habeas uma vez envolvida Corte possuidora da qualificação de superior, sendo destinado ao Superior Tribunal de Justiça o julgamento das demais impetrações voltadas a afastar ato de tribunal que não tenha tal qualificação. Constitui até mesmo paradoxo interpretar o Diploma Básico, assentando-se que ao Supremo apenas cabe julgar o habeas quando se cuida de ato de tribunal superior, e apreciar toda e qualquer impetração direcionada ao afastamento de ato de turma recursal criminal cujos integrantes não compõem sequer tribunal.

Vale frisar também que está no âmbito da competência do Supremo, ante a alínea “i” referida, os habeas que revelem como coator autoridade ou funcionário cujos atos estejam sujeitos diretamente à respectiva jurisdição ou se trate de crime sujeito a mesma jurisdição em uma única instância, o que não é o caso.

Em quadra na qual se nota que o Supremo fechará o ano com cerca de 78 mil processos distribuídos aos respectivos integrantes, cumpre o apego maior à definição da competência da Corte, estabelecida pela Constituição Federal. Por isso, articulo mais uma vez a matéria, concluindo não incumbir ao Supremo julgar habeas quando o ato impugnado decorra de atuação de turma recursal de juizado especial criminal, concluindo pela competência do tribunal de justiça ou do tribunal regional a que vinculado o órgão apontado como coator. No caso, declino da competência para o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, mantida, até o exame pelo relator a que vier a ser distribuído este habeas, a liminar deferida.

Suplantada a questão, adoto como razões de decidir, já agora com o endosso do Ministério Público, o que tive a oportunidade de consignar ao deferir a medida acauteladora, concedendo a ordem para trancar a ação penal:

2. Observe-se, de início, que o crime tipificado no artigo 319 do Código Penal, voltado à preservação do bem jurídico que é a Administração Pública, exige, para configuração, o dolo específico, a vontade livre e consciente de praticar as ações ou omissões nele previstas para satisfazer interesse ou sentimento pessoal. Ora, em jogo fez-se, conforme a Portaria de folha 26, lavrada pelo delegado Dr. José Jorge Bonato, acusação da prática de estupro com violência real, revelando o histórico de folha 27 que o então acusado agrediu a vítima, levando-a sangrar pelo nariz e ameaçando-a com uma faca, havendo também a intimidado para que fizesse cessar o processo que movia. Ora, nesse contexto, não era dado exigir da autoridade policial – que cobria, em substituição, a delegacia – quer a providência de comunicar ao Juízo a retratação verificada, porque de início insubsistente, quer libertar o acusado. Surge a relevância do que sustentado na inicial, cabendo o deferimento da medida acauteladora para suspender, até a decisão final deste habeas corpus, o processo em curso, a envolver o paciente e que deu origem a carta precatória para audiência, com vistas à transação estabelecida no artigo 76 da Lei nº 9.099/95.

É como voto.

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