Administração pública

Direito Administrativo se constitucionalizou e mudou paradigmas

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23 de agosto de 2006, 7h00

O Brasil, após a promulgação da Constituição de 1988, vive um fenômeno semelhante ao que ocorreu na Europa após a 2ª Guerra Mundial: a passagem da Constituição para o centro do sistema jurídico. O Direito Administrativo absorveu esse fenômeno da “constitucionalização”, o que trouxe como conseqüência importantes mudanças de paradigmas na jurisdição administrativa.

O panorama foi traçado por Luís Roberto Barroso, renomado constitucionalista e professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. O especialista participou, nesta terça-feira (22/8), do seminário internacional Princípios Fundamentais e Regras Gerais da Jurisdição Administrativa e discorreu sobre o papel do autocontrole administrativo prévio.

De acordo com o professor, a primeira mudança de paradigma se refere à redefinição do princípio da supremacia do interesse público sobre o interesse privado. Ele descreve duas ordens de interesse público. O primário, aquele que considera os direitos e garantias fundamentais inscritos na Constituição. O secundário, que se refere às pessoas jurídicas de Direito Público. Este, em nenhuma hipótese, sublinha Barroso, pode desfrutar da supremacia sobre o interesse privado.

A segunda mudança de paradigma é a superação da idéia de que o princípio da legalidade impõe uma vinculação ao administrador público. Para Barroso, esse princípio se converteu no princípio da constitucionalidade. “A administração pública, agora, se subordina à legalidade em sentido amplo”, esclarece. A conseqüência dessa mudança é que a administração pública pode aplicar a Constituição tanto direta quanto indiretamente, mesmo em casos onde não haja norma específica que regulamente determinada situação.

A fim de exemplificar esse novo paradigma, o especialista citou a Resolução do Conselho Nacional de Justiça que proíbe o nepotismo. Em muitos estados, os Tribunais de Justiça se negaram a cumpri-la. Alegaram falta de lei que regulamentasse o assunto no âmbito dos estados. O Supremo Tribunal Federal, no entanto, declarou a constitucionalidade da Resolução, sob o fundamento de que o princípio da moralidade, inscrito na Constituição, poderia ser aplicado neste caso.

O terceiro paradigma modificado foi o de que o Poder Judiciário não pode controlar o mérito dos atos administrativos. Para ele, as competências discricionárias também se sujeitam ao controle jurisdicional. “O Judiciário hoje pode muito mais em termos de controle da administração pública”, avalia.

Em relação ao autocontrole no âmbito da administração pública, o professor destacou que o controle prévio é feito pelas procuradorias-gerais, nos estados, e pela Advocacia-Geral da União, no âmbito federal. O controle, na opinião do professor, é feito de maneira incipiente por conta da influência do Poder Executivo sobre essas instituições.

Segundo o especialista, a Constituição de 1988 inovou quando deu a possibilidade do administrador público de não aplicar a lei que considere inconstitucional. “A partir do momento em que a Constituição conferiu ao presidente da República e aos governadores o poder de propor Ações Diretas de Inconstitucionalidade, entende-se que eles também podem deixar de aplicar a lei entendida como inconstitucional”, explicou.

Outra inovação é a possibilidade de acesso à Justiça mesmo existindo recurso administrativo. Ou seja, não é mais necessário o exaurimento do processo administrativo para que o cidadão tenha o direito de ingressar em juízo.

O evento é oferecido pelo Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal em parceria com a Universidade Federal Fluminense. O encontro reúne especialistas do Brasil e de diversos países da Europa para uma reflexão sobre a jurisdição exercida em causas que envolvem a administração pública.

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