Domicílio do Marcola

MP tenta cassar decisão que considerou RDD inconstitucional

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22 de agosto de 2006, 22h30

Ao declarar o RDD — Regime Disciplinar Diferenciado inconstitucional, a 1ª Câmara do Tribunal de Justiça de São Paulo usurpou competência do Órgão Especial do TJ. Partindo dessa premissa, o Ministério Público paulista contestou do Habeas Corpus deferido para Marcos Willian Herbas Camacho, o Marcola, apontado como líder do grupo criminoso Primeiro Comando da Capital. Marcola não saiu do RDD porque há outra decisão que o mantém no regime.

Na Reclamação feita ao presidente do TJ paulista, desembargador Celso Limongi, o procurador-geral de Justiça de São Paulo, Rodrigo Pinho, afirma que só o Órgão Especial pode declarar determinada lei ou ato normativo inconstitucional.

Na sexta-feira (18/9), o ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal, considerou a decisão do tribunal paulista nula pelo mesmo motivo: órgão fracionário de tribunal não pode declarar lei inconstitucional. Celso de Mello se manifestou sobre a questão ao analisar pedido de Habeas Corpus de Luiz Fernando da Costa, o Fernandinho Beira-Mar, que pretendia sair do RDD a que está submetido no novo presídio federal de Catanduvas (PR).

Na Reclamação, Pinho citou trechos do voto do ministro. Explicou que a Constituição Federal reserva a competência para declarar lei inconstitucional ao Órgão Especial e, em tribunais onde ele não houver, pela maioria do Plenário. O procurador-geral de Justiça explicou que caberia à Câmara do TJ suscitar incidente de inconstitucionalidade e esperar que o Órgão Especial se manifestasse para, aí sim, julgar o pedido de HC.

“As Câmaras (e Turmas) participam, assim, do controle difuso (ou concreto) de constitucionalidade e sempre podem rejeitar as objeções opostas à lei para afirmar sua validade e aplicá-la. O que não podem é negar, desde logo, aplicação a uma lei, opondo a ela uma norma contida na Constituição Federal.”

O Ministério Público pede que o presidente do TJ de São Paulo conceda liminar para suspender o andamento do pedido de HC e a eficácia da decisão da 1ª Câmara até o julgamento do mérito da Reclamação. Pede, por fim, que o acórdão da Câmara seja definitivamente cassado e esta, se quiser, leve o incidente de inconstitucionalidade ao Órgão Especial.

Veja a íntegra da Reclamação

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO, representado pelo Procurador-Geral de Justiça, vem, respeitosamente, perante Vossa Excelência, com fundamento na Constituição Federal (art. 97), na Constituição do estado de São Paulo (art. 74, inciso X) e no Regimento Interno desse Egrégio Tribunal de Justiça (arts. 659 e 664), formular RECLAMAÇÃO, com pedido de liminar, contra o v. acórdão da Primeira Câmara Criminal desse Egrégio Tribunal de Justiça, proferido no julgamento do Habeas Corpus nº 978.305.3/0-0000-000, pelas razões que passa a expor.

I) DOS FATOS

1. Em 15 de agosto de 2006, ao julgar o Habeas Corpus nº 978.305.3/0-0000-000, impetrado pela advogada MARIA CRISTINA DE SOUZA RACHADO em favor de MARCOS WILLIAN HERBAS CAMACHO, vulgo “Marcola”, a Primeira Câmara Criminal desse Egrégio Tribunal de Justiça permitiu-se o exercício de um poder que não tem e, a pretexto de defender a Constituição Federal, usurpou competência que ela reserva a esse Egrégio Órgão especial, assim enunciada no seu artigo 97: “Somente pelo voto da maioria absoluta de seus membros ou dos membros do respectivo órgão especial poderão os tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público”.

Embora a referida decisão ainda não tenha sido publicada, sua existência é notória. Aliás, foi amplamente divulgada pelos meios de comunicação e mereceu um especial destaque no noticiário que essa Egrégia Corte mantém em seu sítio na Internet, no qual figura este texto:

Habeas corpus a "Marcola" não o tira do RDD

Por decisão unânime, a 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo concedeu hoje (15/8) habeas corpus que retira o prisioneiro Marcos Willians Herbas Camacho, o "Marcola", do Regime Disciplinar Diferenciado (RDD). Durante a sessão, os desembargadores fundamentaram sua decisão de conceder o habeas corpus por considerarem a internação em RDD inconstitucional.

Mas, de acordo com o Departamento de Execuções Criminais da capital, o detento continuará recolhido ao RDD, pois sua internação foi determinada em duas oportunidades: uma em janeiro deste ano e outra a partir de maio. O habeas corpus concedido hoje diz respeito à internação efetivada em janeiro. Sendo assim, ele permanecerá no RDD em razão de sua internação determinada desde maio, prorrogada ontem (14/08) por mais 30 dias, a pedido da Secretaria de Administração Penitenciária. (Disponível nesta página: http://portal.tj.sp.gov.br/wps/portal/tj.noticia.visualizar — Acesso em 21.8.2006).


É claro que, oportunamente, quando o v. acórdão em apreço for, afinal, publicado, caberá a interposição de recurso extraordinário fundado no art. 102, III, “a” da Constituição Federal, a ser precedido dos embargos de declaração, para que a própria Câmara se pronuncie a respeito do art. 97 da Constituição federal, por ela ignorado no julgamento que realizou (Cf., para casos comparáveis, STF, Primeira Turma, RE-AgR 379.573/RJ, j. 6.12.2005, Rel. Min. Cezar Peluso, LEXSTF 326/280-285; RE 231.452/PR, j. 31.8.2004, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, LEXSTF 314/169-178; AI-AgR 468.358/ES, j. 6.4.2004, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 30.4.2004, p. 00043; Segunda Turma, RE-AgR 411.859/AL, j. 13.12.2005, Rel. Min. Gilmar mendes, DJ 3.3.2006, p. 00087).

Entretanto, paralelamente aos recursos interponíveis e sem substituí-los, também é cabível a presente reclamação, que pode eventualmente prejudica-los, mas cuja finalidade é distinta, pois o que está em causa, aqui, é a defesa, por esse Egrégio Órgão Especial, da plenitude de sua própria competência, da qual é o juiz primário. E no desempenho dessa atividade, por sua posição eminente na estrutura da Corte, pode repelir e cassar, desde logo, a decisão que — além de ofensiva ao interesse social na preservação da segurança pública — exorbitou as fronteiras traçadas para os órgãos fracionários, sendo, por isso, inconstitucional e inválida.

Naturalmente, nada impede que a 1ª Câmara Criminal resista à aplicação do Regime Disciplinar Diferenciado ou à Lei nº 10.792, de 1º de dezembro de 2003, que o instituiu, com a exposição, para tanto, dos fundamentos que entender pertinentes. Contudo, quando pretenda extraí-los da Constituição Federal, tem o ônus de suscitar o incidente de inconstitucionalidade e, enquanto não seja decidido por esse Egrégio Órgão especial, não pode prosseguir no julgamento do habeas corpus.

É que, tratando-se de uma Câmara, a vinculação judicial à lei, ainda que supostamente inconstitucional, é mais intensa do que para os juízes que atuam em primeira instância. No complexo sistema brasileiro de jurisdição constitucional, o papel dos órgãos fracionários dos Tribunais (com exceção de um só, não por acaso qualificado como especial) é o de filtrar as questões de constitucionalidade que serão decididas aliunde, pelo órgão competente. Só lhe cabe, pois, provocar o exercício, na mesma Corte, dessa etapa do controle difuso, à qual somente se passa quando haja, no interior de cada colégio julgador, uma convicção majoritária acerca da inconstitucionalidade de leis pertinentes aos casos concretos que devem julgar. Desse ônus de provocar a instauração do incidente de inconstitucionalidade — que é o reverso da proibição de negar aplicação a uma lei, que considerem inconstitucional (C.F., art 97) — as Câmaras (e Turmas) só ficam liberadas quando já exista pronunciamento, pela inconstitucionalidade, emanado pelo Supremo Tribunal federal ou do próprio Tribunal ao qual elas pertençam (Código de Processo Civil, art. 481, par, único, c.c. Código de Processo Penal, art. 3º).

As Câmaras (e Turmas) participam, assim, do controle difuso (ou concreto) de constitucionalidade e sempre podem rejeitar as objeções opostas à lei, para afirmar sua validade e aplicá-las; o que não podem — sem que nesse sentido se tenha pronunciado o Supremo Tribunal Federal (ou o Plenário ou Órgão Especial da Corte que integram) — é negar, desde logo, aplicação a uma lei, opondo a ela uma norma contida na Constituição Federal.

Sendo assim, para o afastamento do Regime Disciplinar Diferenciado com base em hipotética inconstitucionalidade da lei que o instituiu ou de pretensa incompatibilidade com regras e princípios da Constituição Federal, seria necessária a instauração do incidente de inconstitucionalidade.

Aliás, segundo o Supremo Tribunal Federal, “repudia-se declaratório de inconstitucionalidade o acórdão que — embora sem o explicitar — afasta a incidência da norma ordinária pertinente à lide para decidi-la sob critérios diversos alegadamente extraídas da Constituição” (Cf. Primeira Turma, RE 240.096/RJ, j. em 30.3.1999, Rel. Min Sepúlveda Pertence, DJ 21.5.1999, p. 00033). E é evidente que nenhuma Câmara desse Egrégio Tribunal de Justiça pode considerar que um dispositivo legal, pertinente e, em princípio, aplicável a determinado processo, é contrário à Constituição Federal em vigor e, afastando-o, expressa ou tacitamente, proferir, desde logo, o julgamento. Para realizá-lo a partir de tal premissa, é indispensável o prévio pronunciamento desse Egrégio Órgão Especial. A omissão dessa etapa essencial viola a Constituição Federal (arts. 97 e 93, nº XI da Constituição Federal) e o Código de Processo Civil (arts. 480 e 481), aplicável à hipótese por força do artigo 3º do Código de Processo Penal.


Em verdade, em harmonia com antiga tradição republicana, os preceitos constitucionais e legais mencionados proíbem que qualquer órgão fracionário de um Tribunal (excetuando um só, por isso mesmo denominado de especial) declare “por si mesmo, pura e simplesmente, sem qualquer formalidade, que a lei ou o outro ato é inconstitucional, recusando-lhe em conseqüência aplicação à espécie” (Cf. JOSÉ CARLOS BARBOSA MOREIRA, Comentários ao Código de Processo Civil, 11ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2003, n. 24, p. 34 e n. 30, p. 39)

Logo — caso a maioria dos seus integrantes entende que existe a inconstitucionalidade —, o que uma Câmara pode fazer é (1) submeter a argüição ao Órgão Especial (C.P.C., art. 481) e (2) esperar o seu pronunciamento para, só então, (3) julgar a demanda, aplicando a solução dada à questão prejudicial (cf. JOSÉ CARLOS BARBOSA MOREIRA, ob. Cit., n 37, p. 48 e n. 38, p.49)

Esse método — que provoca a cisão funcional do julgamento — também é aplicável nos processos criminais (Cf., p. ex., STF, Pleno, HC 69.913/MS, j. 18.12.1992, Rel. Min Octavio Galotti DJ 2.4.1993, p. 05620; Primeira Turma, HC 69.921/MS, j. 9.2.1993, Rel. Min Celso de Mello, DJ 26.3.1993, p. 05005; HC 69.730/MS, j. 24.11.1992, Rel. Min. Moreira Alves, DJ 18.12.1992, p. 24378), como reconhecido, expressamente no Regimento Interno desse Egrégio Tribunal de Justiça, cujo artigo 657 dispões:

Art. 657. Se, por ocasião do julgamento de qualquer feito, pela Seção Criminal, pelas turmas especiais de uniformização da jurisprudência, grupos de câmaras ou câmaras isoladas, for acolhida, de ofício ou a requerimento de interessado, a argüição de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público, será lavrado o acórdão, a fim de ser submetida a questão ao Órgão Especial, para os fins do art. 97 da Constituição da República.

§ 1º Nos incidentes de inconstitucionalidade não caberão embargos infringentes, nem perante ao Plenário, nem perante os demais órgãos do tribunal.

§ 2º Os juízes das decisão em que foi suscitada a inconstitucionalidade, se integrantes do Órgão Especial, participarão com voto da sessão plenária, mas, em qualquer circunstancia, o relator será escolhido mediante sorteio.

§ 3º Colhido, no prazo de dez dias, o parecer do Procurador-Geral de Justiça, os autos serão conclusos ao relator, que, após lançar o relatório, pedirá dia para o julgamento.

Se dúvida houvesse, o eminente Ministro CELSO DE MELLO cuidou de dissipá-la, ao apreciar especificamente a decisão da 1ª Câmara Criminal:

O impetrante, ao postular a remoção cautelar do ora paciente “para uma das unidades prisionais comuns do Estado do Paraná” (fls. 236, n. 1), apóia tal pedido em recentíssima decisão proferida pela colenda Primeira Câmara Criminal do E. Tribunal de Justiça paulista, que teria declarado a inconstitucionalidade de determinado ato estatal (Resolução SAP nº 026/2001) que instituiu, no âmbito do Estado de São Paulo, o regime disciplinar diferenciado (RDD).

Cabe-me observar, neste ponto, que a referida declaração de inconstitucionalidade – caso confirmada – não poderia emanar daquela colenda Câmara Criminal, que, por ser órgão meramente fracionário, não dispõe de competência para formular juízo de ilegitimidade constitucional, considerada a norma inscrita no art. 97 da Constituição da República.

Como se sabe, a inconstitucionalidade de qualquer ato estatal (ainda que se trate de mera resolução administrativa) só pode ser declarada pelo voto da maioria absoluta da totalidade dos membros do Tribunal ou, onde houver, dos integrantes do respectivo órgão especial (como ocorre em São Paulo), sob pena de absoluta nulidade da decisão emanada do órgão fracionário (Turma, Câmara ou Seção).

É preciso ter presente, neste ponto, que o respeito ao postulado da reserva de plenário – consagrado pelo art. 97 da Constituição (e introduzido, em nosso sistema de direito constitucional positivo, pela Carta Federal de 1934) – atua como verdadeira condição de eficácia jurídica da própria declaração jurisdicional de inconstitucionalidade dos atos do Poder Público, consoante adverte o magistério da doutrina (LÚCIO BITTENCOURT, “O Controle Jurisdicional da Constitucionalidade das Leis”, p. 43/46, 2ª ed., 1968, Forense; MANOEL GONÇALVES FERREIRA FILHO, “Comentários à Constituição Brasileira de 1988, vol. 2/209, 1992, Saraiva; ALEXANDRE DE MORAES, “Constituição do Brasil Interpretada”, p. 1424/1440, 6ª ed., 2006, Atlas; JOSÉ AFONSO DA SILVA, “Curso de Direito Constitucional Positivo”, p. 50/52, item n. 14, 27ª ed., 2006, Malheiros; UADI LAMMÊGO BULOS, “Constituição Federal Anotada”, p. 939/943, 5ª ed., 2003, Saraiva; LUÍS ROBERTO BARROSO, “O Controle de Constitucionalidade no Direito Brasileiro”, p. 77/81, itens ns. 3.2 e 3.3, 2004, Saraiva; ZENO VELOSO, “Controle Jurisdicional de Constitucionalidade”, p. 50/51, item n. 41, 1999, Cejup; OSWALDO LUIZ PALU, “Controle de Constitucionalidade”, p. 122/123 e 276/277, itens ns. 6.7.3 e 9.14.4, 2ª ed., 2001, RT, v.g.).


A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, por sua vez, tem reiteradamente proclamado que a desconsideração do princípio em causa gera, como inevitável efeito conseqüencial, a nulidade absoluta da decisão judicial colegiada, que, emanando de órgão meramente fracionário, haja declarado a inconstitucionalidade de determinado ato estatal (RTJ 58/499 – RTJ 71/233 – RTJ 110/226 – RTJ 117/265 – RTJ 135/297).

As razões subjacentes à formulação do postulado constitucional do “full bench”, excelentemente identificadas por MARCELO CAETANO (“Direito Constitucional”, vol. II/417, item n. 140, 1978, Forense), justificam a advertência dos Tribunais, cujos pronunciamentos – enfatizando os propósitos teleológicos visados pelo legislador constituinte – acentuam que “A inconstitucionalidade de lei ou ato do poder público só pode ser decretada pelo voto da maioria absoluta dos membros do Tribunal, em sessão plena” (RF 193/131 – RTJ 95/859 – RTJ 96/1188 – RT 508/217).

Não se pode perder de perspectiva, por isso mesmo, o magistério jurisprudencial desta Suprema Corte, cujas decisões assinalam a alta significação político-jurídica de que se reveste, em nosso ordenamento positivo, a exigência constitucional da reserva de plenário:

Nenhum órgão fracionário de qualquer Tribunal dispõe de competência, no sistema jurídico brasileiro, para declarar a inconstitucionalidade de leis ou atos emanados do Poder Público. Essa magna prerrogativa jurisdicional foi atribuída, em grau de absoluta exclusividade, ao Plenário dos Tribunais ou, onde houver, ao respectivo Órgão Especial. Essa extraordinária competência dos Tribunais é regida pelo princípio da reserva de plenário inscrito no artigo 97 da Constituição da República.

Suscitada a questão prejudicial de constitucionalidade perante órgão fracionário de Tribunal (Câmaras, Grupos, Turmas ou Seções), a este competirá, em acolhendo a alegação, submeter a controvérsia jurídica ao Tribunal Pleno.

(RTJ 150/223-224, Rel. Min. CELSO DE MELLO)

(Cf. decisão de 18.8.2006 na Medida Cautelar em Habeas Corpus nº 88.508-0/RJ, no qual figura como paciente Luiz Fernando da Costa ou Fernandinho Beira-Mar — publicada pela revista eletrônica Consultor Jurídico e disponível nesta página: http://www.conjur.com.br/static/text/47499,1)

Por fim, não custa lembrar que o respeito à Constituição Federal também é necessário em relação às normas que, distribuindo competências no interior de um Tribunal, criam limites ao exercício do poder por seus membros e que têm direta vinculação com os princípios do devido processo legal e do juiz natural. E, se é assim, tudo recomenda que esse Egrégio Órgão Especial afaste a usurpação de sua própria competência, embora oriunda de ato realizado por outro órgão da mesma Corte. Segundo o antigo brocado, ubi eadem ratio, ibi eadem júris dispositio. É necessária coerência interna do sistema jurídico que exige a formulação e aplicação de regras idênticas, quando haja identidade de razão. Pouco importa, em suma, que a hipótese em apreço apresente um componente insólito, que a experiência revelou possível: a violação intestina de uma clara regra de competência, cuja matriz é constitucional.

II) A NECESSIDADE DA MEDIDA LIMINAR

2. Não há dúvida quanto ao indébito exercício, pela Primeira Câmara Criminal, de função privativa desse Egrégio Órgão Especial e cujo alcance, na prática, só não foi socialmente mais desastroso porque, em 14 de agosto p.p, o MM. Juiz de Direito em exercício na Vara de Execuções Criminais da Capital determinou que Marcos Willian Herbas Camacho, o “Marcola”, seja incluído, por mais de 30 (trinta) dias no RDD — Regime Disciplinar Diferenciado. Mas em breve cessará a eficácia da nova decisão de primeira instância, cuja revisão nessa E. Corte, por força das regras de prevenção caberá à Primeira Câmara Criminal. Sendo assim, é previsível a reafirmação do mesmo entendimento que já a levou a repelir a inclusão desse presidiário no RDD, a despeito de tratar do chefe notório da facção criminosa PCC — Primeiro Comando da Capital, contra quem há fortes indícios de que, encarcerado, continua à frente dessa estrutura criminosa. Daí, aliás, a manifesta conveniência de mantê-lo no regime disciplinar em que se encontra, pois é a única forma de neutralizar a ameaça que representa à sociedade, contra a qual a organização criminosa que lidera tem adotado estratégia terrorista.

Não há dívida, em suma, da urgência e da necessidade de liminar, para suspender o andamento do processo e da eficácia do julgamento criticado e impedir que outro, contaminado pelo mesmo defeito, venha a ser realizado.

Pretende-se, em suma, a adoção de providências práticas, tendentes a impedir que se concretize o cumprimento do v. acórdão criticando e que outro venha a ser proferido, com análoga preterição da mesma regra constitucional (art. 97 da C.F.)

III) DO PEDIDO

3. Por todo o exposto, o Ministério Público requer:

(a) a concessão de medida liminar, para que, até o julgamento desta reclamação, seja suspenso o andamento do Habeas Corpus nº 978.305.3/0-0000-000 e, bem assim, a eficácia do v. acórdão que o julgou;

(b) a requisição de informações ao Excelentíssimo Senhor Desembargador relator do Habeas Corpus nº 978.305.3/0-0000-000 (respectivamente, a advogada MARIA CRISTINA DE SOUZA RACHADO E MARCOS WILLIAN HERBAS CAMACHO, vulgo “Marcola”);

(d) ao final, o acolhimento da presente reclamação, com a confirmação da medida liminar, para que, cassado o v. acórdão ora impugnado, a 1ª Câmara Criminal, voltando a apreciar o Habeas Corpus nº 978.305.3/0-0000-000, levante, querendo, o incidente de inconstitucionalidade da mencionada Lei nº 10.792, de 1º de dezembro de 2003, perante esse Egrégio Órgão Especial, para os fins do art. 97 da Constituição da República.

Nestes termos,

p. deferimento.

São Paulo, 21 de agosto de 2006.

Rodrigo César Rebello Pinho

Procurador-Geral de Justiça

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