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Justiça não reconhece direito de empresa em passe de Cicinho

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22 de agosto de 2006, 16h43

A Justiça paulista julgou improcedente ação de indenização proposta pela empresa Axial Asset Management contra o São Paulo Futebol Clube. A instituição financeira reclamava o pagamento de 50% do valor da venda do passe do jogador Cícero João de Cezare, o Cicinho para o REal Madrid da Espanha. A sentença foi da juíza Viviane Nóbrega Maldonado, da 3ª Vara Cível de Pinheiros. Cabe recurso ao Tribunal de Justiça de São Paulo.

O Axial alegou que recebeu do Botafogo de Ribeirão Preto, por conta de dívidas e créditos, 50% dos direitos sobre o atestado de liberação do jogador. O banco afirmou que o clube de Ribeirão Preto cedeu a outra parte ao Atlético Mineiro. O fundamento da sentença foi o de que o banco pretendeu se sobrepor a lei quando, ao adquirir a título oneroso os 50%, em época próxima à expiração do prazo do artigo 93 da Lei 9.615, assumiu o risco pelo negócio.

Na opinião da juíza, com a nova redação da Lei 9.615 – a chamada Lei Pelé – desde março de 2001 o “passe” deixou de vigorar no ordenamento jurídico. Para a magistrada, o jogador não manteve qualquer relação trabalhista com o banco, que não é uma entidade desportiva.

“O contrato de trabalho em questão foi rescindido judicialmente, o que, para todos os efeitos, representa dizer que o atleta viu-se livre para ser contratado por qualquer outra entidade desportiva”, afirmou a juíza Viviane Maldonado.

Cicinho foi revelado pelo Botafogo e depois negociado com o Atlético, em 2001. O jogador ainda vestiu a camisa do Botafogo, do Rio de Janeiro, e depois retornou ao Atlético-MG, quando teve grande desempenho no Brasileiro de 2003. No final daquele ano, com salários atrasados, o jogador entrou com ação na Justiça do trabalho para se desvincular do clube. Depois de vencer a disputa judicial, o lateral direito acertou sua transferência para o São Paulo.

Leia a íntegra da sentença

PROC. 013.773-3/04 – 3a. VARA CÍVEL – FORO REGIONAL XI – PINHEIROS VISTOS. Trata-se de AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER, cumulada com pedido de indenização por perdas e danos, que AXIAL ASSET MANAGEMENT LTDA. promove em face de SÃO PAULO FUTEBOL CLUBE. De acordo com a inicial, por força de dívida existente, o Botafogo Clube de Ribeirão Preto, por meio de Termo de Confissão de Dívida com Garantia de Penhor de Direitos, Cessão de Créditos e Outras Avenças, cedeu ao Autor 50% (cinqüenta por cento) dos direitos sobre o atestado liberatório do atleta Cícero João de Cezare, conhecido como “Cicinho”.

Diz a Autora, outrossim, que este mesmo clube cedeu a outra parte que lhe cabia ao Clube Atlético Mineiro, com o qual este e a Autora passaram a deter, cada qual, metade dos direitos em questão. Informa também a Autora que o atleta ajuizou Reclamação Trabalhista em face deste último clube, oportunidade em que houve a rescisão do contrato de trabalho, liberando-se o “passe” com relação a este ex-empregador. Por fim, aduz que, posteriormente, o Réu contratou referido atleta sem que tenha havido anuência e formalização de cessão temporária. Sustentando, por fim, que subsistem íntegros os seus direitos no patamar de 50% (cinqüenta por cento), requer a procedência da ação para os fins de fls. 11/12 dos autos.

Junta documentos.

Citado o Réu, apresentou resposta sob a forma de Contestação. Em preliminar, invoca impossibilidade jurídica do pedido, ao argumento de que não mais subsiste no ordenamento jurídico a figura do “passe”. Requer, assim, a extinção do processo sem o julgamento de seu mérito. Quanto ao mérito propriamente dito, reafirma este argumento e aduz que contratou regularmente o atleta, tomando as cautelas de verificar se este não se achava vinculado a outra entidade desportiva. Sustenta, ainda, que não firmou qualquer contrato com a Autora que pudesse dar guarida à pretensão em questão. Pede, assim, a improcedência da demanda e junta documentos.

Foi apresentada réplica. Designada audiência de tentativa de conciliação, restou esta infrutífera. O julgamento foi convertido em diligência para a juntada de documento. Não foram produzidas outras provas.

É o relatório.

DECIDO.

Prescindindo o feito de outras provas que não as já carreadas aos autos, e, outrossim, sendo a matéria preliminar argüida concernente ao mérito da causa, procedo, desde logo, ao julgamento. E, nesse passo, tenho que a ação é improcedente.

Do relato da petição inicial, extrai-se claramente que, a despeito da revogação do denominado “passe” pela Lei n.º 9.615/98, também conhecida como Lei Pelé, pretende a Autora cobrar os alegados direitos decorrentes da obtenção de cessão onerosa levada a efeito pelo Botafogo Futebol Clube de Ribeirão Preto. Sem razão, contudo.

Conforme preconiza o parágrafo segundo do art. 28 de referida Lei “o vínculo desportivo do atleta com a entidade contratante tem natureza acessória ao respectivo vínculo de emprego dissolvendo-se, para todos os efeitos legais, com o término da vigência do contrato de trabalho”. E assim, com esta redação, o “passe” não mais vigorou no ordenamento jurídico a partir de 26 de março de 2001 na forma do que dispõe o art. 93 da Lei 9.615/98. Pois bem. Por evidente, o atleta não manteve qualquer relação trabalhista com a parte Autora, mesmo porque não se trata ela de entidade desportiva.

Aliás, a propósito, que fique claro que o atleta figurou no contrato e aditamento constantes da inicial não como parte, mas, sim, tão-somente como anuente, o que, a rigor, seria desnecessário aqui lembrar, já que a própria parte demandante reconhece que o contrato de trabalho se deu unicamente com o Atlético Clube Mineiro. O contrato de trabalho em questão foi rescindido judicialmente, o que, para todos os efeitos, representa dizer que o atleta viu-se livre para ser contratado por qualquer outra entidade desportiva. Assim é que, após a rescisão em questão, a parte demandada contratou o jogador de forma regular, perdurando este contrato até a data indicada no documento de fls. 248 dos autos.

Sendo assim, tão-somente pela ótica legal, é de se ver que a parte Autora pretende sobrepor-se à própria lei, não sendo excessivo dizer que, ao adquirir a título oneroso os reclamados 50% (cinqüenta por cento) em época próxima à expiração do prazo do art. 93, assumiu o risco deste próprio negócio, uma vez que, por óbvio, a anterioridade com relação à entrada em vigor do dispositivo nada podia, de fato, garanti-lo a partir de então. Mas não é só. É evidente que a parte demandada não assumiu qualquer compromisso com a parte Autora no que tange à liberação de valores durante a nova contratação.

Sendo assim, é de se ver que a pretensão da parte demandante também não se apóia em acordo de vontades, o que torna justa e legítima a resistência da demandada. No mais, anota-se que, em consulta à CBF, a Ré obteve a confirmação de que o atleta se encontrava livre para fins de contratação, fato que a ampara para os mesmos fins. De resto, é evidente que a notificação não atinge os fins colimados, porquanto não afasta a ilegalidade da cobrança, bem como a regularidade da contratação do atleta, a qual perdurou até o início deste ano.

Considerando-se, pois, que não há amparo legal à pretensão da parte Autora com o advento da Lei em questão e, outrossim, porque não houve contratação de qualquer espécie entre as partes litigantes, não se contempla qualquer razão de ordem jurídica para dar guarida à pretensão. Essa, assim, a solução do feito. Ante o exposto e tudo o mais que dos autos consta, com fundamento no art. 269, inciso I, do Código de Processo Civil, JULGO IMPROCEDENTE O PEDIDO INICIAL.

Outrossim, pela sucumbência, arcará a parte Autora com as despesas processuais e com honorários advocatícios que ora arbitro, por eqüidade, nos termos do art. 20, parágrafo quarto, do Código Civil, em R$10.000,00 (dez mil reais)

Custas ‘ex lege’.

P.R.I.C.

São Paulo, 31 de julho de 2006.

VIVIANE NÓBREGA MALDONADO

Juíza de Direito

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