Festa no interior

Ex-diretora do Itesp é absolvida de acusação de improbidade

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21 de agosto de 2006, 11h26

A Justiça paulista julgou improcedente Ação Civil Pública proposta contra Tânia Márcia Oliveira de Andrade, ex-diretora da Fundação Instituto de Terras do Estado de São Paulo (Itesp). Ela foi acusada de improbidade administrativa por ter feito um curso de cinco dias, em julho de 2001, para 750 servidores do instituto. O evento aconteceu num hotel, em Serra Negra, e custou aos cofres públicos R$ 189.991,00. O Ministério Público de São Paulo já apelou ao Tribunal de Justiça.

A sentença foi do juiz Fernão Borba Franco, da 14ª Vara da Fazenda Pública. O magistrado entendeu que não houve ilegalidade, nem dano ao princípio da moralidade ou violação aos princípios da indisponibilidade e da razoabilidade. Para o juiz, é função de qualquer dirigente de entidade pública ou privada, zelar pelo aperfeiçoamento de seus servidores.

O Itesp justificou que o curso tinha como objetivo “difundir e uniformizar”, entre os servidores, o entendimento sobre normas técnicas e administrativas adotadas junto às populações rurais assentadas, comunidades remanescentes de quilombos e pequenos posseiros. Disse, ainda, que o curso pretendia proporcionar aos profissionais contratados pela Fundação Itesp uma incorporação agradável ao novo ambiente de trabalho.

Na ação, o Ministério Público apontou que mais de 60% dos servidores já haviam prestado serviços à entidade e que, portanto, já conheciam suas normas. O MP concluiu que a realização do evento provocou prejuízo ao erário e que sua finalidade foi promover turismo à custa do dinheiro público.

“A realização do evento para melhoria do serviço não é ato de improbidade, a toda evidência; trata-se de uma questão de administração da Fundação e, se não houve abuso ou desvio de finalidade, nada há a criticar na iniciativa – aliás, muito pelo contrário, porque com isso se visa o interesse público”, afirmou o juiz.

De acordo com o MP, a ex-diretora assinou um contrato de prestação de serviços de hospedagem e alimentação para os funcionários da Fundação Itesp. O contrato foi assinado com a empresa Bulkcentro Turismo, dona do Hotel Fazenda Vale do Sol, localizado em Serra Negra, com estadia completa para 750 pessoas em quartos com dois a quatro acomodações, além de equipamentos básicos de recreação. Ainda foram contratados 16 ônibus para deslocar os funcionários.

A Promotoria de Justiça da Cidadania pede a reforma da sentença, argumentando que houve prejuízo ao erário. Segundo o MP, despesas daquela natureza não são autorizadas por lei ou regulamento, ofendendo princípios constitucionais e da administração pública.

Ainda segundo o MP, a promoção do evento, com hospedagem em um hotel fazenda durante cinco dias para todo o quadro de servidores da fundação, “configura excesso sem precedentes em toda a história da administração pública”.

Leia a íntegra da sentença

Ministério Público do Estado de São Paulo move esta demanda em face de Tânia Márcia Oliveira de Andrade, alegando que a ré, Diretora-Executiva da Fundação Instituto de Terras do Estado de São Paulo “José Gomes da Silva” – ITESP -, proporcionou aos servidores um curso de cinco dias, cujo custo chegou a R$ 186.991,00, pago pelos cofres públicos estaduais, em violação aos princípios da legalidade, moralidade, indisponibilidade, razoabilidade e finalidade, além de considerável prejuízo ao erário estadual. Salientou que mais de 60% dos servidores já prestavam serviços à entidade e já conheciam suas normas, procedimentos e bases teóricas, concluindo que a finalidade do evento foi promover turismo à custa do dinheiro público. Requereu a declaração da nulidade da Tomada de Preços nº 03/2001 e a imposição das penalidades previstas na Lei de Improbidade Administrativa

Notificada, a ré apresentou manifestação prévia. Foi, em seguida, determinada sua citação, do que foi interposto recurso de agravo de instrumento pleiteando a extinção do feito, nos termos dos §§ 8º e 11º do artigo 17 da Lei 8429/92, que obteve efeito suspensivo e acabou improvido. Citada, a ré contestou, argüindo não ter ocorrido ato de improbidade, conforme exige a Lei 8429/92 para o cabimento da ação de improbidade administrativa, a impossibilidade jurídica do pedido e a ilegitimidade passiva. No mérito, alega a inexistência de dano ao erário, a ausência de culpa ou dolo e a litigância de má-fé do autor. No mais, reafirmou os argumentos expostos em sua manifestação prévia. Juntou documentos.

Houve réplica. O autor não tem provas a produzir; a ré protesta pela produção de prova oral e pericial.

É o relatório.

Passo a fundamentar. As preliminares dizem respeito ao mérito, isto é, à caracterização do ato como sendo ato de improbidade administrativa. As condições da ação não se confundem com a questão de fundo, de modo que rejeito todas as preliminares. A questão de fundo é, em síntese, saber se a promoção de evento para todos os servidores do ITESP, com sua hospedagem em hotel por cinco dias, consistiu em ato de improbidade administrativa.

Os fundamentos para o evento estão elencados no documento de fls. 189/190: difundir e uniformizar o entendimento sobre normas e procedimentos, técnicos e administrativos, utilizados pelo Itesp; apresentar as bases teóricas usadas pela Fundação em seu trabalho e, por último, proporcionar aos profissionais contratados pela Fundação uma incorporação agradável a seu ambiente de trabalho. Entre as justificativas apresentadas, destacam-se que o trabalho desenvolvido pela Fundação é diferenciado não pelo conhecimento técnico envolvido, mas pela íntima ligação entre os técnicos e as comunidades assistidas, uma vez que quase 70% do corpo técnico está locado em campo, sendo esse conhecimento o patrimônio mais valioso da Fundação.

Para acolher os 750 profissionais, de diversas áreas de conhecimento, em isolamento que permita total concentração nos temas e discussão, foi escolhido local que dispusesse de auditório para todos esses 750 participantes; outras doze salas, com capacidade para 70 pessoas, e fornecimento de estadia completa, com equipamentos básicos de recreação. Tais objetivos foram especificados na ‘apresentação’ do evento (fls. 670/676), que realmente ocorreu na data e local constantes da inicial, como se vê do restante da documentação juntada com a defesa preliminar e com a resposta da ré.

A realização de evento para melhoria do serviço não é ato de improbidade, a toda evidência; trata-se de uma questão de administração da Fundação e, se não houve abuso ou desvio de finalidade, nada há a criticar na iniciativa – aliás, muito pelo contrário, porque com isso se visa o interesse público.

A inicial narra três dados que levariam a concluir pelo desvio de finalidade do ato: a localização do hotel onde realizado o evento; a existência de ‘equipamentos de recreação’ e a falta de necessidade do curso para os servidores. Os dois primeiros dados não levam à conclusão almejada. Com efeito, o que importa com o local é que tenha ele capacidade para abrigar os participantes e o número de salas necessárias para o evento. Perfeitamente justificável a preocupação em isolar os participantes, concentrando-os em um único local, para aumentar o aproveitamento, principalmente de tempo, porque não se têm, com isso, deslocamentos ou distrações. Aliás, distrações são também necessárias num evento como esse, de cunho profissional, daí decorrendo a preocupação com os ‘equipamentos básicos de recreação’, que aliás nem foram descritos. De qualquer forma, depois de encerrada a programação do dia, e tendo em vista o isolamento a que se referiu anteriormente, perfeitamente lógica a existência de tais equipamentos, ainda mais quando, como no caso, não se tem notícia de gastos excessivos com esse item. O local do curso, de resto, dependeu apenas de encontrar estabelecimento apto a abrigar todos os participantes do evento, ou de encontrar hospedagem suficiente, caso o evento fosse realizado em outro local.

Na verdade, não há qualquer indício de desvio de finalidade quando se pensa no local do curso, mesmo porque, convenha-se, a Estância de Serra Negra não possui, por si só, nenhum atrativo irresistível, sendo muito mais conhecida como local de descanso que de agitação social e, portanto, sendo perfeitamente apto para um evento educativo de aperfeiçoamento de pessoal. Finalmente, o terceiro dado mencionado pelo autor é a desnecessidade do evento. Isso, todavia, não pode ser considerado de forma tão simplista, apenas porque nem todos os servidores estavam iniciando o trabalho no Itesp naquela época.

Em primeiro lugar, porque uma das finalidades do curso era a integração dos servidores, e evidentemente só se pode pretender “integrar” o que é novo ao que já existe. Essa finalidade visa unificação do modo de atuar e, principalmente, como exposto nos documentos já referidos sobre as finalidades do evento, apresentar a todos os servidores o novo modelo de organização do Itesp, que foi, segundo consta – sem qualquer indício em contrário – profundamente modificado. Por exemplo, houve mudança de objetivos entre a Fundação e o Instituto, sendo que a da primeira é bem mais abrangente, mas a experiência anterior – que é de interesse seja conhecida pelos novos funcionários – continua importante. Só por este pequeno exemplo já se vê, com clareza, que não se pode ter como inútil o evento e, conseqüentemente, como violador de vários princípios da Administração.

Não há ilegalidade, em primeiro lugar, porque é função de qualquer dirigente de entidade, pública ou privada, zelar pelo aperfeiçoamento de seus servidores, a bem da finalidade do ente; não se entrevê qualquer dano ao princípio da moralidade, porque não há, ou ao menos não se logrou demonstrar, elementos para concluir pela ocorrência de desvio de finalidade do ato (o que, também, serve para concluir que não houve violação do princípio da finalidade). Tampouco se pode concluir, pelos mesmos motivos, que tenha havido violação dos princípios da indisponibilidade ou da razoabilidade, sendo útil referir, quanto a este último, que não logrou o autor demonstrar – aliás, a bem da verdade sequer alegou – que haveria alternativas mais satisfatórias para atingir os objetivos pretendidos pelo evento.

Por todo o exposto, e pelo mais que dos autos consta, decido, para julgar improcedente o pedido. Pela sucumbência, arcará o autor com o pagamento das custas e despesas processuais comprovadas e com os honorários advocatícios do patrono da ré, que fixo em 10% do valor dado à causa.

P.R.I.

São Paulo, 28 de junho de 2006.

FERNÃO BORBA FRANCO

Juiz de Direito

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