Construção indevida

Quebra de contrato agrícola garante reintegração de posse

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18 de agosto de 2006, 15h21

Quebra de contrato agrícola é o suficiente para garantir a reintegração de posse de área arrendada. Com esse entendimento, a 9ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul manteve decisão de primeira instância. O TJ julgou procedente ação reintegração de posse, cumulada com rescisão de contrato, movida contra arrendatário de terras.

O dono das terras recorreu à Justiça para pedir reintegração de posse, depois que o arrendatário construiu uma casa em área não arrendada. O autor da ação alegou que uma das cláusulas do contrato agrícola foi quebrada.

Segundo o desembargador Odone Sanguiné, o contrato firmado entre as partes previa o uso de estufa para a secagem do milho. No entanto, em nenhuma circunstância permitia que o arrendatário construísse um casebre em terra imprópria, inclusive, com uso de madeira extraída de mata nativa local.

“Havendo o rompimento de uma das cláusulas contratuais por parte do arrendatário, já que nada lhe permitia utilizar terra não-arrendada, corolário lógico é a rescisão do contrato e a reintegração da posse do arrendador na área esbulhada”, concluiu o desembargador.

Processo 700.152.135-80

Leia a decisão

APELAÇÃO CÍVEL. CONTRATOS AGRÁRIOS. ARRENDAMENTO RURAL. AÇÃO DE RESCISÃO CONTRATUAL C/C REINTEGRAÇÃO DE POSSE. AUSÊNCIA DE CITAÇÃO DO RÉU PARA AUDIÊNCIA DE JUSTIFICAÇÃO PREVIA. LIMINAR INDEFERIDA. NULIDADE NÃO DECRETADA. DESCUMPRIMENTO CONTRATUAL. RESCISÃO. ESBULHO. REINTEGRAÇÃO DE POSSE.

1. Reconhece-se que, em sede de ação possessória, é obrigatória a citação do réu para a audiência de justificação, sob pena de nulidade do ato. Todavia, no caso, a liminar foi indeferida na audiência, de forma a não causar prejuízo, porque a coleta da prova oral sem a presença do réu sequer culminou na reintegração do autor na posse do imóvel.

2. Havendo no contrato de arrendamento rural a existência de posses conjuntas e o rompimento de uma das cláusulas contratuais por parte do arrendatário, já que nada lhe permitia edificar um casebre em área não-arrendada, corolário lógico é a rescisão do contrato e a reintegração da posse do arrendatário na área esbulhada.

REJEITARAM A PRELIMINAR E DESPROVERAM A APELAÇÃO. UNÂNIME.

APELAÇÃO CÍVEL — NONA CÂMARA CÍVEL — Nº 70015213580

COMARCA DE RIO PARDO

APELANTE: IROA DE OLIVEIRA

APELADO: JOSE PAULO DA SILVA

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.

Acordam os Desembargadores integrantes da Nona Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em rejeitar a preliminar e negar provimento à apelação.

Custas na forma da lei.

Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes Senhores DESA. MARILENE BONZANINI BERNARDI (PRESIDENTE) E DES. TASSO CAUBI SOARES DELABARY.

Porto Alegre, 12 de julho de 2006.

DES. ODONE SANGUINÉ,

Relator.

RELATÓRIO

DES. ODONE SANGUINÉ (RELATOR)

Trata-se de apelação cível interposta por IROA DE OLIVEIRA, insatisfeita com a decisão de fls. 87/89 prolatada nos autos da ação de reintegração de posse cumulada com rescisão de contrato agrícola que lhe move JOSE PAULO DA SILVA, que julgou procedentes os pedidos para: (1) tornar definitiva a liminar de reintegração de posse; (2) declarar rescindido o contrato de arrendamento entre as partes; (3) condenar a ré ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios do patrono da autora, arbitrados em 10% do valor anual do arrendamento (fls. 87/89).

Em razões de recurso (fls. 93/97), a apelante aduz ser inverdade a narrativa lançada na exordial no sentido de que o apelado é proprietário de aproximadamente seis hectares de terras na região, incluindo o imóvel em questão. Diz também que o apelado incorre em contradição ao afirmar que possui a sua residência nesta fração de terras.

Assevera que o contrato de arrendamento firmado entre as partes previa o fornecimento, por parte do arrendador, de estufa para secagem de fumo, sendo o arrendatário o segundo em termos de preferência na ocupação da estufa de fumo.

Daí, afirma que o contrato de arrendamento inclui benfeitoria. Sustenta que o apelado alegou já ter vendido a área a terceiro, motivo real que ensejou a ação judicial originária do presente recurso. Alega que fora comunicado da venda da terra, mas não quis desocupá-la, quando, então, iniciou-se uma série de atritos entre as partes.

Diz que a citação do réu para audiência de justificação é obrigatória em ação possessória, o que, no entanto, não foi determinado no Juízo a quo. Enfim, aduz que não houve quebra do contrato de arrendamento, já que o mesmo não proibia expressamente a construção de qualquer edificação, bem como é incabível a concessão de liminar em possessória entre possuidores indireto e direito. Assegura que teve prejuízos com o cumprimento do mandado de reintegração de posse por parte do Oficial de Justiça. Por fim, postula o provimento do recurso, pugnando pela procedência dos pedidos.


A parte peticionou nos autos para a concessão de AJG (fls. 101/104), o que foi deferido no Juízo a quo (fl. 107).

Em contra-razões (fls. 111/114), a parte apelada requer o improvimento da apelação.

Subiram os autos e, distribuídos, vieram conclusos.

É o relatório.

VOTOS

DES. ODONE SANGUINÉ (RELATOR)

Eminentes Colegas!

O autor ajuizou ação de reintegração de posse cumulada com rescisão do contrato de arrendamento rural que firmou com o réu. Argumentou que arrendou uma fração de terras a ele para o plantio de milho, mas o requerido construiu um casebre na parte não arrendada, derrubando mata nativa, tudo em desacordo com o entabulado no contrato de arrendamento rural, que não permitia a edificação tampouco o corte de árvores nativas.

Após a realização de audiência de justificação (fls. 24/25), a demandada foi citada (fl. 35v.), mas a liminar de reintegração de posse indeferida na oportunidade. Ato contínuo, diante de novos documentos probatórios coligidos aos autos pelo autor, o Juízo a quo deferiu o pleito liminar de reintegração na posse, o qual foi devidamente cumprido (fl. 36).

De pronto, reconhece-se que, em sede de ação possessória, é obrigatória a citação do réu para a audiência de justificação (RT 474/72, JTA 35/296, Bol. AASP 1.054/41), sob pena de nulidade do ato (RT 507/186, 645/88). Todavia, no caso, a liminar foi indeferida na audiência, de forma a não causar prejuízo, porque a coleta da prova oral sem a presença do réu sequer culminou na reintegração do autor na posse do imóvel (fl. 24). Logo, seria um contra-senso anular o processo por falta de prévia citação do réu para oportunização de sua defesa na audiência, quando ele obteve provimento que lhe é inteiramente favorável nesta ocasião.

Esta orientação tem assento também na instrumentalidade das formas. No ponto, bem leciona Cândido Rangel Dinamarco (Instituições de Direito Processual Civil, vol. II, 5ª edição, 2005, Malheiros Editores, p. 603), verbis:

“o ato não se repetirá nem se lhe suprirá a falta quando não prejudicar a parte. Tal é a manifestação positivada da máxima pás de nullité sanas grief, ao impô-la assim de modo tão explícito, quis o legislador apoiar-se no binômio escopo-prejuízo, deixando bem claro que nada se anula quando o primeiro houver sido obtido e, conseqüentemente, este não existir.”

Por conseguinte, a nulidade só não vai declarada no caso concreto, ante a total ausência de prejuízo, em consonância com o princípio da instrumentalidade das formas.

Ao sentenciar, o Juízo a quo reconheceu a revelia, ante a manifesta intempestividade da peça contestacional, admitindo verdadeiros os fatos alegados na petição inicial, os quais restaram não derruídos no conjunto probatório.

E, examinando a prova coligida aos autos, concluo pelo acerto da decisão vergastada.

Os depoimentos das testemunhas, colhidos em audiência de instrução, são suficientes para comprovar que o autor teve a posse de fração de terra esbulhada pelo réu, mediante a ocupação indevida com a construção de um casebre de madeira, coberto com lona preta de plástico e mobiliado com colchões e cama.

Neste passo, os documentos coligidos aos autos atestam que houve o descumprimento do contrato de parceria agrícola por parte do parceiro-outorgado, estabelecendo, ao que tudo indica, a sua morada no local, conforme indicam as fotografias de fls. 11/12.

Efetivamente, o contrato de arrendamento rural coligido às fls. 07/08 prevê a utilização de estufa para a secagem do milho, a ser fornecida pelo autor. Todavia, por óbvio e ao contrário do quer fazer parecer a apelante, tal circunstância nem de longe revela permissão do arrendatário em edificar um casebre em fração de terra não arrendada.

Ora, havendo no arrendamento rural a existência de posses conjuntas e o rompimento de uma das cláusulas contratuais por parte do arrendatário, já que nada lhe permitia utilizar área não-arrendada, corolário lógico é a rescisão do contrato e a reintegração da posse do arrendador na área esbulhada.

No ponto, bem analisou o material probatório o Juízo a quo, merecendo transcrição a sentença:

“o contrato de arrendamento consta ás fl. 07 e 08 dos autos, sem previsão de autorização para construções no imóvel, mas com autorização para roçada da mata circundante à área arrendada.

As fotos de fl. 12 demonstram que um barraco foi erguido sobre o terreno, com madeira extraída das árvores existentes na área arrendada. As testemunhas Leonor Goldenberg e João Gomes (fl. 25 e verso) referiram que o casebre foi erguido pelo requerido, com o uso da mata que crescia no local. Tal fato, por si só, já implica em quebra do contrato.

No tocante ao corte das árvores, demonstrado que houve corte da mata nativa, sendo que o contrato apenas autorizava a “roçada” da área onde deveria ocorrer a plantação, que difere do corte da mata que rodeia o imóvel arrendado, novamente evidenciada a quebra contratual.


Não tendo um das partes interesse na manutenção do contrato que a outra deu justa causa à rescisão, é de declarar-se a rescisão contratual pretendida.

Por conseguinte, ressai insofismável o descumprimento contratual que enseja a rescisão do contrato de arrendamento. Sobre a questão, o extinto Tribunal de Alçada já se pronunciara, in verbis:

“PARCERIA RURAL: COMPROVADOS O INADIMPLEMENTO E A INFRACAO CONTRATUAL DE UM DOS CONTRATANTES, PROCEDE A RESCISAO IMPETRADA PELO OUTRO”. (TARS. Apelação cível n. 183061290. Segunda Câmara Cível. Rel. Waldemar Luiz de Freitas Filho. Julgada em 07/02/1984).

Noutro mote, o ônus de provar a ocorrência dos requisitos previstos no artigo 927 do CPC, incumbe, a princípio, ao autor, a teor do artigo 333, inciso I, do Diploma Processual Civil. Assim, desimporta para o provimento de reintegração de posse o eventual fato de que parte das terras ainda não se encontra registrada sob a propriedade do autor. Da mesma forma, nada há nos autos a confortar as narrativas recursais no sentido de que a existência de atritos estranhos à presente lide entre as partes é o motivo do ajuizamento da demanda originária. Ainda assim não fosse, a revelação de tais circunstâncias em nada contribuiu para o deslinde das questões centrais no presente feito, consubstanciadas no descumprimento contratual e no esbulho possessório que legitima o decreto de reintegração na posse da área.

A propósito, vem a lume precedente desta Corte, in verbis:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONTRATO AGRÁRIO. PARCERIA AGRÍCOLA. REINTEGRAÇÃO E MANUTENÇÃO DE POSSE. No caso concreto, tendo em conta a documentação anexada ao instrumento, vê-se que restou comprovado o descumprimento de obrigação contratual por parte do parceiro-outorgado, ora agravante. Portanto, em face desta circunstância, sendo da natureza da parceria rural a existência de posses conjuntas, havendo o rompimento de uma das cláusulas contratuais por parte do parceiro-outorgado, corolário lógico é a perda da sua posse. NEGARAM PROVIMENTO AO AGRAVO. (Agravo de Instrumento Nº 70007172273, Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Adão Sérgio do Nascimento Cassiano, Julgado em 18/08/2004)

Desse modo, atento a que o autor comprovou, nos termos do artigo 333, inciso I, do CPC, a justa causa para a rescisão do contrato e a existência dos pressupostos elencados no artigo 927 do Diploma Processual supra referido, presentes estão os requisitos necessários à declaração de rescisão do contrato e a reintegração de posse, impondo-se a mantença da douta sentença atacada que julgou procedente o pedido na demanda reintegratória.

No mais, quanto à alegação de inviabilidade da concessão de medida liminar em ação possessória em que litigam possuidores diretos e indiretos, registro a ocorrência de preclusão consumativa, porquanto não atacada a decisão no momento oportuno e pela via recursal própria.

No ponto, bem leciona o professor Nélson Nery Júnior em sua conceituada obra “TEORIA GERAL DOS RECURSOS – Princípios Fundamentais”, Editora RT, 1993, in verbis:

‘O nosso código estabelece como e quando pode ser interposto um recurso. Passada a oportunidade, haverá preclusão quanto à impugnabilidade do ato judicial. No sistema do código revogado, a parte poderia variar de recurso, desde que o fizesse dentro ainda do prazo de interposição (art. 809, CPC/39). Esse princípio da variabilidade, não foi repetido no código atual. Impõem-se a pergunta: seria compatível com a nova sistemática processual, a exemplo do que ocorre com o princípio da fungibilidade?

‘Entendemos que não. Como a variabilidade se configura em exceção ao instituto da preclusão consumativa, deveria constar de texto expresso de lei para que se a permitisse. Isso não acontece na atual sistemática, pois o código não concedeu permissão para evitar-se a preclusão recursal consumativa.

‘Esta nos parece ser a regra geral em matéria de recursos; uma vez já exercido o direito de recorrer, consumou-se a oportunidade de fazê-lo, de sorte a impedir que o recorrente torne a impugnar o pronunciamento judicial já impugnado (págs. 158/159). (GRIFEI)

E continua o eminente Professor Nélson Nery Júnior:

‘De outro lado, em obediência ao princípio da consumação dos recursos, fica defeso ao recorrente a possibilidade de, no caso de recursos com duplicidade de regime, escolher mais de uma via para impugnar o mesmo pronunciamento judicial, se já houver exercido esse direito anteriormente. À frente de decisão interlocutória, por exemplo, a parte poderá interpor o recurso de agravo, elegendo um dos dois caminhos que o código lhe propicia. Uma vez escolhida a forma – por instrumento ou retido nos autos -, não lhe será lícito pretender fazer uso da outra modalidade para atacar a mesma decisão interlocutória, ainda que a pretendida segunda interposição tenha objeto diverso do primeiro já interposto agravo. Atitude diferente da sugerida encontra óbice no princípio ora examinado (ob. cit., pág. 161).’

O voto, pois, vai no sentido de rejeitar a preliminar e negar provimento à apelação.

DES. TASSO CAUBI SOARES DELABARY (REVISOR) – De acordo.

DESA. MARILENE BONZANINI BERNARDI (PRESIDENTE) – De acordo.

DESA. MARILENE BONZANINI BERNARDI – Presidente – Apelação Cível nº 70015213580, Comarca de Rio Pardo: “REJEITARAM A PRELIMINAR E DESPROVERAM A APELAÇÃO. UNÂNIME.”

Julgador(a) de 1º Grau: CRISTIANE BUSATTO ZARDO

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