Problemas em percurso

Empresa de transporte responde por danos em mudança

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17 de agosto de 2006, 16h41

Empresa que oferece serviço de transporte de carga tem de responder pelos danos causados aos equipamentos durante o percurso da mudança, de acordo com o artigo 733 do Código Civil. O entendimento é do juiz Daniel Felipe Machado, da 12ª Vara Cível de Brasília. O juiz condenou a Granero Transportes a pagar R$ 157 mil de indenização por danos materiais para a empresa Consel Comércio e Serviços.

A Granero foi contratada para fazer o transporte de um equipamento da empresa de São Paulo para o Distrito Federal, no valor de R$ 154 mil. O serviço ficou acertado em R$ 2 mil. Durante o transporte, a máquina foi danificada e nunca mais funcionou.

Na Justiça, a transportadora alegou que o caso não é típico de relação de consumo. Segundo a empresa, o bem transportado não se destinava a atender necessidade própria, mas a prestação de um serviço.

O juiz rejeitou a alegação. Ele explicou que o caso “não foge à seara da política de defesa do consumidor”. Segundo ele, documentos do processo mostram que houve dano estrutural no chassi da copiadora.

“É obrigação implícita no pacto do transporte a manutenção do estado de conservação do produto a ser conduzido. Se fosse o caso de a embalagem do equipamento estar em condições inadequadas, caberia à transportadora recusar o serviço antecipadamente, como prevê o art. 746 do Código Civil”, concluiu.

Processo 2002.01.1.068837-3

Leia a íntegra da sentença

Circunscrição: 1 – BRASILIA

Processo: 2002.01.1.068837-3

Vara: 212 – DECIMA SEGUNDA VARA CIVEL

Processo: 2002.01.1.068837-3

Ação: REPARACAO DE DANOS

Requerente: CONSEL COMERCIO E SERVICOS TECNICOS LTDA

Requerido: GRANERO TRANSPORTES LTDA

Sentença

Trata-se da ação nomeada à epígrafe proposta com o objetivo de reparar danos morais decorrentes de comportamento negligente que a Autora imputa à Ré.

A autora diz ter adquirido na cidade de São Paulo uma copiadora CANON CLC 5000 no valor de R$ 154.769,94, a fim de atender à prestação de serviços junto ao Ministério da Fazenda. Afirmou ter contratada a empresa ré para realizar o transporte da copiadora até a cidade de Brasília, pagando a importância de R$ 2.374,21, com a entrega prometida para 10-04-2002. Sustenta que o transporte da copiadora ocasionou danos à máquina por empenamento em sua parte interna. Alegou que, em razão do mau funcionamento, a máquina tornou-se inoperante e demandou sua remoção para o depósito. Deste modo, crendo ser a conduta da requerida no transporte inadequado a causa de graves prejuízos decorrentes da inoperância da copiadora, crê merecer uma justa indenização para compensar os danos suportados com a aquisição de nova copiadora. Assim, requereu fosse condenada a requerida a reparar os danos no valor de R$ 157.144,15, decorrente do valor da copiadora e do frete. Instruiu a inicial com os documentos de fls. 10/70.

A ré, ao apresentar a contestação de fls. 81/91, requereu a denunciação da lide à Cia. de Seguros AGF Brasil Seguros S/A. Asseverou não se tratar de relação de consumo vez que o bem transportado não se destinava a atender necessidade própria, mas à prestação de serviços. Disse possuir tecnologia especializada para realizar transporte de equipamentos sensíveis como no caso da copiadora, no qual utilizou as mais rígidas normas, equipamentos e mão-de-obra adequados no transporte. O réu asseverou que o defeito apontado pelo requerente era preexistente ao transporte ou teria surgido após a conclusão do transporte. Aduz não ter procedência a reclamação da avaria após ter passado o recibo de sua entrega sem ressalva. Enfim, salientou que o valor pretendido pela Autora não guarda proporção à parte danificada da máquina. Instruindo sua resposta com os documentos de fls. 96/184, solicitou a declaração de improcedência do pedido.

Em réplica de fls. 199/204, a autora sustentou a intempestividade da resposta ofertada pelo réu e alegou não ocorrer oportunidade para denunciação da lide. No mais, ratificou os termos da inicial.

Conforme termo de audiência preliminar de fl. 216, não ocorreu acordo entre as partes. Pelo despacho saneador de fls. 221/224, as preliminares argüidas pela requerente, em sede de réplica, foram indeferidas. Na ocasião, foi também indeferido o pedido de denunciação da lide formulado pelo réu.

Às fls. 302/308, veio o laudo elaborado pelo perito judicial sobre a avaria apontada na máquina copiadora. Enquanto o requerente manifestou-se sobre o laudo pela petição de fls. 314/316, o réu, pela petição de fls. 317/319, juntou o parecer de seu assistente técnico às fls. 321/337.

Conforme termo de audiência para oitiva do perito, fls. 353/355, foram indagados do perito os esclarecimentos suplementares.

Às fls. 360/362, vieram as alegações finais da parte requerente e, às fls.v 366/368, às do réu.


É o relatório. Decido

A contratação de serviço de transporte e carregamento de equipamento copiadora canon adquirido para cumprir a atividade comercial da requerente na prestação de serviços reprográficos não foge à seara da política de defesa do consumidor. Porquanto, a lei qualifica que toda pessoa natural ou jurídica que frui ou utiliza de produtos ou serviços a fim de atender suas necessidades imediatas também devem ser enquadradas no conceito de consumidor (artigo 2º, CDC). Se o serviço contratado não se configurar insumo necessário ao desempenho da atividade empresarial, essa o recebe como destinatário final.

A par dessas considerações, afirmo que a relação jurídica será examinada com a configuração de relação de consumo.

Os documentos de fls. 48/65 indicam ter ocorrido dano estrutural no chassi do equipamento copiadora CANON (empeno do frame) com a constatação da impossibilidade de a máquina admitir conserto ou reposição da peça danificada.

O laudo pericial de fls. 302/308 ressalta que, ao ser entregue o equipamento, foi observado que o seguimento de madeira inferior de suporte do palete estava quebrado. Daí anotou-se a possibilidade de essa irregularidade ter gerado uma distribuição irregular do peso sobre o palete com concentração da carga na área que sofreu o dano. Há informe de que a roda do paletera havia se quebrado durante o deslocamento da carga, fazendo com que o equipamento fosse movimentado no modo inclinado.

Registro a definição encontrada no laudo do assistente de que palete é parte da estrutura inferior da embalagem disposta para dar condições de apoio para a movimentação do conteúdo da carga que está fixada sobre essa.

O laudo pericial acentua que os danos encontrados na máquina copiadora estão relacionados com as tensões e forças atuantes no carregamento e descarregamento do equipamento.

Em outra trilha, o parecer do assistente técnico da GRANERO TRANSPORTES prega a conclusão de que o dano teria sido provocado por carga/descarga movida por empilhadeira, em fase anterior à operação de transporte terrestre contratada entre as partes. A assertiva está baseada em outra afirmação de que não poderia ter ocorrido avaria na condução da carga e descarga movida pela GRANERO, vez que essa teria utilizado equipamentos adequados para o transporte e descarregamento. Essa afirmação, todavia, colide com as declarações do autor em sua petição inicial quando assegura que a descarga do equipamento foi realizada pelo próprio motorista do caminhão da GRANERO com a ajuda de um terceiro, sem o suporte de mão de obra especializada.

Conforme termo de audiência de fls. 354/355, em esclarecimentos solicitado pelo réu, o perito judicial destaca que, se o estrado de suporte do produto estiver quebrado, o equipamento paletera pode gerar danos no produto durante o transporte da carga. Acrescentou que o uso da empilhadeira e da paletera requer treinamento de seu operador.

É certo que o produto transportado chegou ao seu destino com o suporte de madeira da embalagem quebrado, o que não pode ser descartado como causa eficiente da deformação gerada na estrutura do equipamento CANON, porque tal irregularidade na condução do produto, segundo o parecer do perito, impõe variação das tensões e forças atuantes na movimentação da carga.

Cumpre ao prestador do serviço, em se tratando de contrato de transporte de carga, responder pelos danos causados ao equipamento no percurso, nos termos do artigo 733 do Código Civil. Fosse o caso de a embalagem do equipamento estar em condições inadequadas, caberia à transportadora recusar o serviço antecipadamente, como prevê a regra do artigo 746, CC.

É obrigação implícita no pacto de transporte a manutenção do estado de conservação do produto a ser conduzido. Por essa razão, quem pode e deve provar a regularidade da operação é a fornecedora desses serviços.

A propósito, o artigo 6º, inciso VIII, do Código de Defesa do Consumidor, com o flagrante intuito de facilitar a defesa do consumidor, reserva ao Juiz o poder de dispensar o autor do encargo de provar o fato constitutivo de seu direito, quando, a critério exclusivo do Magistrado, reputar verossímil a alegação deduzida.

Em conseqüência, estimo presente o caráter da verossimilhança nas alegações da autora para admitir a regra de julgamento, prevista no artigo 6º, inciso VIII, do CDC, subsidiada pela orientação de inversão do ônus da prova, assim admitida, pela qual cumpre ao juiz, quando da prolação da sentença, proferir decisão contrária àquele que tinha o ônus da prova e dele não se desincumbiu. (v., NELSON NERY JÚNIOR, in Código de Processo Civil comentado, editora Revista dos Tribunais, ano 1.994, pág. 516. E, ainda, a ementa do acórdão do AGI 196164420/96, do TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RIO GRANDE DO SUL – TJRS: INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. ARRENDAMENTO MERCANTIL. A possibilidade de inversão do ônus probandi, com fundamento em regra do Código de Defesa do Consumidor, pressupõe a demonstração da verossimilhança da alegação. A função dessa regra é instrumentalizar o magistrado com um critério para conduzir o seu julgamento nos casos de ausência de prova suficiente, sem que implique imposição coativa da produção de qualquer prova [Assunto: do Recurso: AGI, Número: 196164420 Data: 22/10/96 Órgão: Primeira Câmara Cível Relator: HAR Nome Relator: Heitor Assis Remonti Origem: Porto Alegre LF-8078 de 1990. TIPO Cível Inclusão: 2333 Data Inclusão: 08/01/97, apud Prolink, INFORMA for Windows, CD-ROM 16)


Diante disso, resta declarar que a empresa-ré agiu com negligência quando do transporte terrestre e descarga do equipamento copiadora CANON, concorrendo de forma eficiente na construção dos danos que afetaram o equipamento e seu funcionamento eficaz.

Com efeito, dispõem os artigos 14 e 20 da Lei 8.078/90, ser do fornecedor de serviços a responsabilidade, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados em razão de defeitos relativos à prestação de serviços ou pela informação insuficiente ou inadequada sobre o risco do serviço.

De todo o modo, cabia ao fornecedor do serviço provar a ocorrência de circunstâncias excludentes, tais como as previstas no § 3º do artigo 14, do mencionado estatuto, como o fato impeditivo do direito pleiteado pelo autor. Entretanto, a empresa requerida não trouxe aos autos elementos que demonstrassem que a deformação do equipamento tivesse sido gerada no transporte anterior procedente do fabricante até a distribuidora do produto, onde já o equipamento teria sido apanhado danificado.

Diz o art. 159, do Código Civil, que: “aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imperícia, violar direito, ou causar prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano”. O mesmo é contemplado no artigo 186 do Código Civil de 2002, que dispõe: “aquele que por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outro, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”. Em complemento, o artigo 927 estabelece que “aquele que, por ato ilícito, causar dano à outrem, é obrigado a repará-lo” (artigo 186 e 927, ambos do Código Civil de 2002).

Em sendo assim, creditam-se os danos decorrentes do incidente à responsabilidade do fornecedor. O valor pretendido pela parte autora corresponde ao preço da máquina copiadora cuja utilidade restou comprometida em face do dano, mais a importância paga pelo serviço do transporte ora questionado. É certo que a reparação de dano exige a oportuna entrega do equipamento à ré para o efeito cogitado pela cobertura securitária.

De tal sorte, convenço-me de que as alegações da parte autora foram corroboradas pela prova documental em consonância com os demais elementos de prova extraídos dos autos.

Ante o exposto, com sustento na argumentação ora expendida, julgo procedente o pedido formulado na pretensão da autora e condeno a empresa requerida a pagar à requerente a indenização por dano material correspondente à importância de R$ 157.144,15 [cento e cinqüenta e sete mil, cento e quarenta e quatro reais e quinze centavos], atualizados monetariamente e acrescidos de juros de mora a partir da data da citação. Pagará, por fim, a Ré as custas e as despesas processuais, bem como os honorários advocatícios arbitrados em 10% (dez por cento) sobre o total do valor da condenação. E o faço com base no art. 20, parágrafo terceiro do Código de Processo Civil.

Após o trânsito em julgado, intime-se para o cumprimento voluntário, no prazo de quinze dias, sob a advertência de que o não cumprimento gerará o acréscimo de 10%, ex vi do artigo 475-J do CPC. Se o caso de transcorrer o prazo sem o pagamento, aguardem-se por cento e oitenta dias pelo requerimento do credor interessado na execução mediante apresentação de planilha do débito e solicitação de expedição de mandado de penhora e avaliação. Depois, dê-se baixa e arquivem-se.

P.R.I.

Brasília – DF, sexta-feira, 04/08/2006 às 16h27.

Daniel Felipe Machado

Juiz de Direito

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