Uniformes de jogadores

Portuguesa se livra de multa por rescisão de contrato

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15 de agosto de 2006, 10h58

A Portuguesa, clube de futebol, não pode ser responsabilizada pela rescisão unilateral do contrato com a empresa Confecções Esportivas Dell´erba, que cuida de uniformes dos jogadores. O entendimento da Justiça paulista foi mantido pela 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça.

De acordo com o processo, a empresa mantinha com o clube um contrato exclusivo para fornecimento do uniforme do time. O contrato era renovado automaticamente. Em 1996, quando os jogadores disputavam o campeonato brasileiro de futebol, a Portuguesa foi acusada de descumprir as cláusulas do termo por ter permitido que o goleiro usasse, na semifinal, equipamento esportivo de outra marca.

A confecção afirmou que o relacionamento do clube e da empresa ficou ainda mais abalado porque foi publicado na imprensa que a Portuguesa pretendia trocar de fornecedor de uniformes. A situação terminou na rescisão unilateral do contrato pelo clube, em 1997. A Portuguesa justificou o ato. Afirmou que a empresa sonegava informações sobre vendas de camisas, produzia material de qualidade inferior e não os fornecia em quantidade adequada.

Na Justiça, a confecção alegou que o time de futebol agiu assim para evitar a incidência da cláusula penal do rompimento injustificado do contrato. A empresa também argumentou que nunca houve falta de material, que seus produtos são exportados para vários países e que o clube recebia cópias das notas fiscais.

Já a Portuguesa sustentou que foi a empresa quem descumpriu o contrato. Segundo o clube, o goleiro foi obrigado a usar uniforme de outra marca no jogo oficial porque o material fornecido era menor do que o requisitado.

A primeira instância acolheu o argumento do clube, livrando-o da multa. O Tribunal de Justiça de São Paulo aceitou parte da apelação da confecção, apenas para reduzir os honorários advocatícios a 10% do valor da causa. No STJ, a relatora, ministra Nancy Andrighi, manteve a decisão por não ser possível a análise de novas provas.

RESP 732.150

Leia a íntegra da decisão

RECURSO ESPECIAL Nº 732.150 – SP (2005/0040804-9)

RECORRENTE : CONFECÇÕES ESPORTIVAS DELL’ERBA LTDA

ADVOGADO : MAURÍCIO CÉSAR PUSCHEL E OUTROS

RECORRIDO : ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE DESPORTOS

ADVOGADO : VALDIR ROCHA DA SILVA E OUTROS

RELATÓRIO

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relator):

Recurso especial interposto por CONFECÇÕES ESPORTIVAS

DELL’ERBA LTDA, com arrimo na alínea “a” do permissivo constitucional.

Ação: de cobrança, movida pela ora recorrente em desfavor de

ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE DESPORTOS.

Segundo narra a inicial, a ora recorrente, conhecida empresa no ramo de confecções de artigos esportivos, mantinha contrato com o clube de futebol da capital paulista desde 14.11.1989 para fornecimento do uniforme do time, com exclusividade. O contrato foi renovado, anualmente e de forma automática, por sete anos, quando, ao final de 1.996, e por coincidência em momento de grande sucesso do clube na disputa do campeonato brasileiro de futebol, este passou a descumprir o contrato, permitindo que, nas semifinais, o goleiro do time utilizasse equipamento esportivo de outra marca.

O relacionamento entre clube e empresa ficou ainda mais abalado com reiteradas notícias, publicadas na imprensa, sobre um suposto desejo por parte da Portuguesa em trocar de fornecedor de uniformes. A situação culminou com a rescisão unilateral do contrato pelo clube, por meio de carta recebida em 05.02.1997, na qual este acusou a empresa de sonegar informações sobre vendas de camisas, produzir material de qualidade inferior e não fornecê-los em quantidade adequada.

De acordo com a inicial, tal comportamento por parte do time de futebol caracterizaria intuito de tentar evitar a incidência da cláusula penal pelo rompimento injustificado do contrato. Assim, a ora recorrente argumenta que nunca houve falta de material; que seus produtos são exportados para vários países; e que o clube recebia cópias das notas fiscais de vendas, de forma a saber exatamente quantas unidades eram comercializadas.

Requer, assim, o reconhecimento do rompimento unilateral e injustificado do contrato, com a condenação da recorrida ao pagamento da multa contratual de R$ 300.000,00 (trezentos mil reais), em fevereiro de 1.997.

Em contestação, a ora recorrida sustentou que a ora recorrente é que descumpriu o contrato, até mesmo obrigando o goleiro da equipe a usar uniforme de outra marca em jogo oficial, porque o material fornecido era de tamanho menor do que o requisitado. Ademais, a empresa não conseguiu produzir material suficiente para suprir a demanda dos torcedores, em face da boa fase do time na campanha de 1.996, e não foi ágil o suficiente para acompanhar a troca de patrocinadores do time, no mesmo ano. A ora recorrida juntou, a fls. 139, camisa fornecida pela ora recorrente onde é possível verificar que o nome ‘Portuguesa’ foi estampado por cima do nome ‘Santos’, que é, evidentemente, referente a outro clube do futebol paulista.


Sentença

Julgou improcedente o pedido, ao argumento de que o conjunto probatório “(…) de modo algum indica a culpa atribuída por ela [autora] à Ré no que se refere à rescisão do contrato” (fls. 652).

Acórdão

Deu parcial provimento à apelação, apenas para reduzir os honorários advocatícios a 10% do valor da causa, com a seguinte ementa:

“MULTA – COBRANÇA PELO UNILATERAL ROMPIMENTO DE CONTRATO DE FORNECIMENTO DE MATERIAL ESPORTIVO – MULTA INDEVIDA – DEMONSTRADA EXISTÊNCIA DE PROVA DOS FATOS MOTIVADORES DA RESCISÃO CONTRATUAL – IMPROCEDÊNCIA DA COBRANÇA CONFIRMADA” (fls. 703).

Embargos de declaração: interpostos com o objetivo de prequestionamento de certos artigos de Lei Federal, foram rejeitados.

Recurso especial: alega violação:

a) ao art. 535 do CPC, por negativa de prestação jurisdicional;

b) aos arts. 131 e 335 do CPC, pois não se analisou o conjunto probatório como um todo, tendo o juiz se afastado das regras de experiência;

c) ao art. 333, II, do CPC, pois o acórdão inverteu o ônus da prova, passando à ora recorrente a incumbência de demonstrar que o contrato não foi cumprido, quando essa incumbência caberia à recorrida; e

d) ao art. 405, § 4º, do CPC, pois impossível valorar o depoimento de testemunha contraditada por suspeição.

De forma suplementar, pede ainda a ora recorrente a juntada de documentos novos, nos termos do art. 397 do CPC e do art. 141, II, do RISTJ, que representariam uma confissão, por parte da ora recorrida, acerca da inexistência de qualquer problema relativo à qualidade do material produzido pela ora recorrente.

Negado seguimento ao recurso especial na origem, dei provimento ao Agravo de Instrumento nº 616.813/SP, determinando a subida dos autos.

É o relatório.

RECURSO ESPECIAL Nº 732.150 – SP (2005/0040804-9)

RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI

RECORRENTE : CONFECÇÕES ESPORTIVAS DELL’ERBA LTDA

ADVOGADO : MAURÍCIO CÉSAR PUSCHEL E OUTROS

RECORRIDO : ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE DESPORTOS

ADVOGADO : VALDIR ROCHA DA SILVA E OUTROS

VOTO

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relator):

Cinge-se a controvérsia à configuração da responsabilidade de uma das partes contratantes pelo rompimento unilateral da avença e, consequentemente, pelo pagamento da multa contratual estipulada.

Preliminarmente, contudo, há questão relativa a uma suposta negativa de prestação jurisdicional e a um pedido de juntada e análise de documentos, já em sede de recurso especial, que devem ser analisados.

I) Preliminar: da negativa de prestação jurisdicional.

Sustenta a recorrente que o acórdão se omitiu em analisar pontos fundamentais ao deslinde da controvérsia.

Contudo, não há indicação a respeito de quais pontos seriam esses, e de que forma tal suposta omissão se refletiu no julgamento de mérito. Ademais, em relação à alegada necessidade de prequestionamento, é pacífica a jurisprudência no sentido de que o Tribunal não está obrigado a se manifestar a respeito de todos os artigos de Lei Federal suscitados pelas partes, bastando fundamentar suficientemente a decisão, na esteira do entendimento adotado.

II) Preliminar: pedido de análise de novos documentos, com base no art. 397 do CPC e do art. 141, II, do RISTJ.

Requer a recorrente, ainda, a juntada e análise, nos termos do art. 397 do CPC e do art. 141, II, do RISTJ, de documentos novos, não existentes à época da prolação do acórdão, que comprovariam a existência de erro de julgamento pelo TJ/SP, pois o clube de futebol, ora recorrido, teria proposto, após o julgamento da apelação, novos contratos de fornecimento à recorrente, comprovando assim de forma cabal a inexistência de problemas relativos à qualidade dos produtos da empresa.

Verifica-se, contudo, que tal pedido não encontra abrigo dentro das peculiaridades dos recursos de índole extraordinária. Embora seja possível, em sentido genérico, a juntada posterior à propositura do recurso especial de petições relativas a alguma das questões devolvidas ao conhecimento do STJ, não se afigura possível a produção de novas provas, ainda que relativas às alegações já existentes nas razões de recurso especial, porque, como é cediço, nem mesmos as antigas provas, sobre as quais já realizado juízo de valor pelo Tribunal a quo, podem ser nesta sede interpretadas.

A questão foi tratada incidentalmente em precedente antigo da 3ª Turma, relatado pelo i. Min. Waldemar Zveiter, DJ de 31.03.1997, assim ementado:

“AGRAVO DE INSTRUMENTO – AGRAVO REGIMENTAL – FRAUDE À EXECUÇÃO – MATÉRIA DE PROVA – DOCUMENTO NOVO.

I – O ACORDÃO RECORRIDO MANIFESTOU-SE CONSOANTE OS FATOS E AS PROVAS QUE ENVOLVERAM A DEMANDA. INCIDÊNCIA DA SÚM. 7/STJ A INVIABILIZAR A PRETENSÃO.

II – O STJ JÁ DECIDIU POR INOPORTUNO E SEM QUALQUER EFEITO A JUNTADA DE DOCUMENTO NOVO NA VIA ELEITA DO RECURSO ESPECIAL.

III – AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO”.


Por sua vez, o art. 141, II, do RISTJ, citado pela recorrente em abono a seu pedido, está assim redigido:

“Art. 141. Nos recursos interpostos na instância inferior, não se admitirá juntada de documentos, após recebidos os autos no Tribunal, salvo: (…) II – para prova de fatos supervenientes, inclusive decisão em processo conexo, os quais possam influenciar nos direitos postulados”.

Evidentemente, por mais extensa que seja a interpretação pretendida para tal dispositivo, os documentos novos ‘para prova de fatos supervenientes’ a serem admitidos em recurso especial só podem ser aqueles que guardam relação, como sugere o próprio artigo ao fazer referência à ‘decisão em processo conexo’, com as possíveis atribuições do relator do recurso especial constantes no art. 34 do RISTJ, quais sejam: homologar as desistências (inciso IX) e julgar prejudicado pedido ou recurso que haja perdido objeto (inciso XI).

Afinal, ao julgar o recurso especial, o STJ não funciona como instância ordinária, ao contrário do que ocorre nos casos relativos a suas competências originárias constitucionalmente previstas, em relação às quais o exame de provas pode se fazer necessário.

Ainda que se admitisse tal produção de provas, contudo, nota-se que não há, de qualquer modo, a pretensa influência dos novos documentos sobre as questões impugnadas pelo recurso especial. Com efeito, ao analisar a matéria probatória do presente processo, o TJ/SP concluiu que houve quebra do contrato anteriormente vigente entre as partes, por culpa da recorrente, que, entre outros motivos, passou a fornecer materiais de qualidade inferior ao esperado; nesses termos, tem-se uma situação perfeita e acabada que é agora trazida à análise da instância extraordinária.

Possíveis tratativas para um novo contrato, que só produzirão efeitos se e quando resultarem de outra avença, nada dizem sobre os motivos da quebra do contrato antigo, pois apenas em relação a este é possível analisar se houve ou não fornecimento deficiente. Um novo contrato, evidentemente, seria firmado com base em novas expectativas de fornecimento em termos de qualidade, até mesmo em face da experiência anterior entre as duas partes.

II) Mérito: alegação de violação aos arts. 131 e 335 do CPC.

Sustenta a recorrente, neste ponto, que o acórdão analisou parcialmente as provas e se afastou das regras de experiência ao decidir pela existência de culpa da recorrente na rescisão unilateral do contrato, promovida pela ora recorrida.

Como é cediço, contudo, é impossível o reexame do conjunto probatório em recurso especial, como pretende a recorrente, para estabelecer uma nova verdade sobre os fatos. Ao STJ cabe analisar a lide apenas quanto à aplicação do direito federal, tomando por base as conclusões fáticas nos termos em que delineadas pelo Tribunal a quo.

É de se aplicar, portanto, a Súmula nº 7/STJ.

III) Da alegação de violação ao art. 333, II, do CPC.

Sustenta a recorrente que houve violação à regra de distribuição do ônus da prova, porque esta demonstrou os fatos constitutivos de seu direito, mas o TJ/SP decidiu a ação como se a ela incumbisse também demonstrar a ausência de fatos modificativos, impeditivos ou extintivos, o que caberia à recorrida.

Contudo, a questão, da forma como colocada, esconde apenas outra irresignação quanto à análise do conjunto probatório. Analisando-se o pedido formulado, qual seja, o de condenação ao pagamento da multa contratual por rescisão unilateral e injustificada, verifica-se que os fatos constitutivos do direito da autora, ora recorrente, são a existência do contrato e a rescisão unilateral imotivada por parte da recorrida; em sentido contrário, os fatos impeditivos, modificativos ou extintivos a cargo desta se resumem, basicamente, a demonstrar que a rescisão não foi imotivada, mas sim atribuível à recorrente.

Nos termos do acórdão, foi justamente o que se logrou obter. Cite-se trecho da fundamentação da decisão:

“Ficou, todavia, provado que, se a Lusa buscava um pretexto, a Dell’Erba lhe forneceu bons motivos, como quando lhe enviou camisa – palimpesto, camisa que sob o nome da Portuguesa estava o do Santos.

A perícia não é favorável à autora, não. Pelo contrário, ela confirma a qualidade de que se queixou o Clube, notadamente no capítulo do ‘tapa-patrocínio’.

O laudo pericial e, principalmente, os esclarecimentos de fls. 604 a 610 (vide, por exemplo, a resposta de fls. 606) dão razão à insatisfação da denunciante do contrato” (fls. 707 – sic).

Portanto, resume-se a questão à constatação de que o TJ/SP reconheceu expressamente, ao contrário do que afirma a recorrente, a culpa desta pela rescisão do contrato.

Não existe, portanto, qualquer violação ao art. 333, II, do CPC.

IV) Da alegação de violação ao art. 405, § 4º, do CPC.

Sustenta a recorrente que o depoimento de representante do clube de futebol não poderia ter sido usado como fundamento da decisão, porque suspeita a testemunha, tendo o juiz, inclusive, reconhecido a contradita e tomado o depoimento independentemente de compromisso.

Quanto ao tema, afirmou a sentença que:

“Tal testemunho deve ser valorizado em sua idoneidade, embora dado sem compromisso: é que o depoente, em outra parte dele, chegou até mesmo a elogiar a qualidade do material fabricado pela Autora, de quem ainda compra produtos ‘tanto porque gosta como porque ela lhe dá boas condições para a aquisição’ (fls. 646); isento, portanto” (fls. 652).

O acórdão, por sua vez, disse que a sentença “Baseou-se também na prova oral, citando testemunha que, apesar de não compromissada, se revelou isenta (fls. 645 e 646)” (fls. 706).

Assim, nota-se que tanto a sentença quanto o acórdão, ao contrário do afirmado nas razões de recurso especial, deram vigência ao § 4º do art. 405 do CPC, pois o depoimento foi tomado sem compromisso, atribuindo-se a ele o valor merecido, em face da demonstração de alguma isenção por parte do depoente, que chegou a elogiar a qualidade do material produzido pela ora recorrente.

Da leitura da sentença e do acórdão, nota-se claramente que tal prova não foi, conforme alegado pela recorrente, a única a resultar em comprovação de fato favorável à recorrida; conforme já analisado pelo trecho do acórdão supra transcrito, o testemunho se deu no mesmo sentido da prova pericial e da análise dos documentos carreados aos autos, quanto à quebra das obrigações firmadas contratualmente.

Assim, não só se verifica que o depoimento em questão foi usado com a reserva que merecia, como também que este representa somente mais um elemento do amplo conjunto probatório desfavorável à recorrente, sendo possível antever que o resultado do julgamento seria o mesmo, se tal depoimento não existisse.

Dessa forma, aqui ressurge, novamente, o óbice da Súmula nº 7/STJ, a impedir nova valoração das provas.

Forte em tais razões, NÃO CONHEÇO do recurso especial.

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