Abaixo as certidões

Certidões negativas servem apenas para atrapalhar empresas

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14 de agosto de 2006, 11h54

Porque os sistemas informatizados da Receita Federal são falhos e os serviços públicos são de péssima qualidade, inúmeras empresas estão sofrendo prejuízos irreparáveis com as dificuldades que são criadas para a expedição de certidões negativas de tributos.

A exigência dessas certidões na maioria das vezes representa apenas uma interpretação equivocada da lei vigente ou mesmo exagerado apego a um formalismo que só prejudica o país.

Como se sabe, a pessoa que pretenda obter financiamentos ou participar de licitações ou concorrências públicas é obrigada a comprovar a chamada “regularidade fiscal”, que vem sendo interpretada como a inexistência de dívidas fiscais.

O pior é que muitas empresas privadas passaram a exigir de seus fornecedores essas certidões, como se tais documentos fossem provas suficientes de alguma coisa importante.

Ocorre que muitas empresas sérias, que sempre cumpriram suas obrigações fiscais, acabam tendo dificuldades para obter as certidões por culpa das confusões existentes no sistema de processamento de dados da Receita Federal.

Essas confusões costumam ter origem na exagerada quantidade de informações que os contribuintes são obrigados a dar ao fisco, boa parte das quais são ilegais, inúteis ou repetitivas.

A exigência da apresentação de DCTF (Declaração de Contribuição de Tributos Federais), por exemplo, é de discutível legalidade, pois que se trata de obrigação criada por ato administrativo. No caso, uma Instrução Normativa da Receita Federal.

A Lei 9.779/99, no artigo 16, diz que compete à citada repartição “dispor sobre as obrigações acessórias”, mas parece-nos que tal autorização não pode implicar em delegação de poder para criar obrigação sujeita a multa, porque isso colide com o princípio da legalidade inserto no inciso II do artigo 5º da Constituição Federal.

Por outro lado, é pública e notória a instabilidade de regras fiscais lançadas pelos funcionários do fisco. Justamente por isso, não podem se arvorar em “legisladores”.

Ora, com tantas outras obrigações acessórias, que são criadas e alteradas quase diariamente por funcionários públicos que na maioria dos casos nunca viram uma empresa nem jamais examinaram um livro ou documento fiscal, mas que ficam inventando controles malucos que na prática controlam muito pouco, fica praticamente impossível que não haja, seja nos seus preenchimentos, seja nos seus processamentos, algum tipo de engano.

Com isso, muitos contribuintes que recolheram seus tributos normalmente figuram como “inadimplentes” perante o fisco. O governo brasileiro que, como todos sabem, é o maior caloteiro deste país (que o digam os credores de precatórios e os que têm imposto a restituir), não pode, obviamente, tolerar inadimplência de outros.

Vai daí que o contribuinte que pagou tem que provar que pagou, mas as provas não são registradas, com o que se arma a confusão já citada. No caso de empresas que precisam participar de licitações, imaginam os burocratas deste país que a certidão negativa prova a idoneidade financeira de alguém e a exigem.

Todavia, não há impedimento absoluto para que das licitações participem empresas que eventualmente apresentem débitos tributários, pois a Lei 8.666 de 21/06/1993, que regulamenta o artigo 37 da Constituição Federal e “institui normas para licitações”, determina, em seu artigo 27, inciso IV, que é exigível prova de “regularidade fiscal” para quem participe de tais certames.

Já o artigo 29 da mesma Lei 8.666 especifica em que consiste a documentação comprobatória dessa “regularidade fiscal”, nenhuma referência fazendo, especificamente, à Certidão da Procuradoria da Fazenda Nacional, mas tão somente prova de REGULARIDADE. Transcreve-se aqui na íntegra tal artigo, a saber:

“Art. 29. A documentação relativa à regularidade fiscal, conforme o caso, consistirá em:

I – prova de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas (CPF) ou no Cadastro Geral de Contribuintes (CGC);

II – prova de inscrição no cadastro de contribuintes estadual ou municipal, se houver, relativo ao domicílio ou sede do licitante, pertinente ao seu ramo de atividade e compatível com o objeto contratual;

III – prova de regularidade para com a Fazenda Federal, Estadual e Municipal do domicílio ou sede do licitante, ou outra equivalente, na forma da lei;

IV – prova de regularidade relativa à Seguridade Social, demonstrando situação regular no cumprimento dos encargos sociais instituídos por lei.

Somente o Decreto-Lei 147, de 3 de fevereiro de 1967, em seu artigo 62, cuidava dessa certidão, a saber:

“Art. 62 – Em todos os casos em que a lei exigir a apresentação de provas de quitação de tributos federais, incluir-se-á obrigatoriamente, dentre aquelas, a certidão negativa de inscrição de dívida ativa da União, fornecida pela Procuradoria da Fazenda Nacional competente.”

Ora, a Procuradoria tem como objetivo COBRAR a dívida e não apenas inscrevê-la. Poderia empregar melhor seu tempo e seus recursos em promover tal cobrança, não os utilizando na emissão de certidões e menos ainda em fomentar essa briga estéril com os contribuintes, briga, aliás, causada pela deficiência da Receita Federal, que não consegue dar baixa nos débitos inexistentes.

Na certidão negativa emitida pela Receita Federal, consta a observação de que fica sempre

“Ressalvado o direito de a Fazenda Nacional cobrar quaisquer dívidas de responsabilidade do contribuinte…que vierem a ser apuradas…”

Portanto, se o contribuinte tem a certidão da Receita, não precisa de mais nenhuma para provar a tal “regularidade para com a Fazenda Federal” exigida pela lei de licitações.

Ora, ao criar restrições desnecessárias para emissão de certidões que são reconhecidamente inúteis e de efeitos apenas relativos, o governo acaba atirando no próprio pé, pois restringe o número de concorrentes nas licitações, correndo o risco de pagar mais por bens ou serviços que pretenda adquirir.

Na verdade, todas as provas de regularidade fiscal deveriam ser abrangidas por apenas uma única certidão, cujo prazo de validade não deveria ser inferior a um ano.

Do jeito que a coisa está, o governo perde dinheiro, os procuradores perdem tempo, os contribuintes também perdem dinheiro, os advogados perdem a paciência, enfim, todos perdem.

Se cabe ao Fisco constituir o crédito e à Procuradoria inscrevê-lo na dívida ativa, não tem sentido a existência dessas certidões, pois é óbvio que o objetivo disso tudo é executar aqueles débitos. Portanto, bastaria resumir tudo tão somente à certidão expedida pelo setor de distribuição das execuções fiscais.

Por outro lado, é ridículo que empresas privadas exijam de seus fornecedores certidões dessa natureza, pois também bastaria acessar os registros informatizados da Justiça Federal para saber se há ou não execuções distribuídas. E mais: nem mesmo a distribuição de uma execução fiscal representa problema insanável, posto que, se estiver ela garantida por penhora, tem o executado o direito a uma certidão com o mesmo efeito.

Já está passando da hora de repensar essa irritante BURROCRACIA que apenas prejudica o desenvolvimento do país, na medida em que emperra negócios que poderiam gerar riquezas e empregos de que a nação precisa. Não tem sentido, por exemplo, que seja prejudicada uma empresa que eventualmente tenha um débito de R$ 100 mil e por isso não pode obter certidão, quando tal empresa possui patrimônio milhares de vezes superior a esse valor.

Enquanto tais questões não forem resolvidas, todo o país continuará tendo perdas importantes. Precisamos acabar com as certidões negativas ou limitá-las única e exclusivamente à certidão do distribuidor das execuções fiscais.

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