Bilionária destruição

Recuperação judicial da Varig foi uma liquidação judicial

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12 de agosto de 2006, 7h00

Aparentemente, chega ao final uma das mais intrincadas e polêmicas novelas da história empresarial brasileira, a da Varig, que deixa indubitavelmente inúmeras lições a todos os seus stakeholders e muitos outros — funcionários, acionistas, credores, fornecedores, clientes, governo, judiciário, acadêmicos e opinião pública em geral — em aspectos como (i) atos de gestão e momentos de decisão; (ii) a questão da substância versus a forma; (iii) efeitos e resultados concretos; (iv) responsabilidades. Desfecho que pode trazer danos à credibilidade do novo diploma legal de recuperação de empresas por parte dos agentes mencionados.

Todos os que acompanham o setor aeronáutico, inclusive boa parte dos funcionários, sindicatos, fundos de pensão, fornecedores e credores da Varig, reconhecem que esta vem de um ininterrupto processo econômico-financeiro degenerativo há mais de uma década, mais acentuadamente nos últimos cinco anos, sem lograr reverter o dramático quadro que atingiu seu apogeu recentemente quando, pasmos, assistimos sua quase paralisação geral — falência geral de seus órgãos.

A principal causa recai sobre a questão de gestão e governança. Os esforços empreendidos não devolveram a saúde econômico-financeira da empresa apesar do vultoso volume de recursos despendido com um sem-número de consultorias nacionais e internacionais anos a fio (Alvarez and Marsal como a última empresa de reestruturação e a Deloitte como administrador judicial) e das várias alterações em sua diretoria (mais de 10).

O que teria faltado para que se concluísse em tempo hábil, há vários anos, que a melhor opção seria a alienação da empresa ou atração de novos investidores? Seus balanços financeiros demonstravam claramente que a empresa encontrava-se em queda livre com uma acelerada dilaceração de valor (patrimônio líquido negativo estimado de R$ 7,2 bilhões, endividamento de R$ 7,9 bilhões, receita líquida de R$ 6,6 bilhões e prejuízos de R$ 1,5 bilhões em 2005).

Por que razão deixar que se chegasse a uma recuperação liquidatória, com todas as características de uma falência, uma vez que já não detinha forças ou credibilidade suficientes para realizar uma recuperação real? O fato de haver apenas uma única parte interessada com algum capital para arrematar seus resquícios a valor residual, significativamente inferior ao preço mínimo estipulado de US$ 860 milhões não deixa dúvidas quanto aos erros estratégicos cometidos.

O segundo aspecto é a questão universal do direito da substância versus a forma. A estrutura de Varig Nova e Varig Velha desenhada foi a forma encontrada para permitir a liquidação do negócio principal da empresa na tentativa de evitar os efeitos sucessórios trabalhistas e fiscais e a formalização da falência cujos componentes já se encontravam factualmente caracterizados e as respectivas cominações legais.

Denominar os ativos reais e legítimos dos credores de “ativos podres” deixou todos atônitos, pois constitui uma violação aos direitos dos mesmos e confirma o temor dos investidores quanto à questão da segurança jurídica e os respectivos direitos dos credores nem sempre praticados no Brasil. Além disso, declarar que se a Varig quebrasse seria culpa de um de seus credores, argumento comumente adotado pelos dirigentes de empresas em fim de linha, é tentar de maneira inútil e malograda eximir-se de responsabilidade.

É inegável que o tratamento dado aos stakeholders da Varig não observou alguns dos principais ditames da Lei 11.101/05, nova Lei de Falências.

O enorme lapso de tempo desperdiçado prejudicou a um grande contingente de stakeholders. A frota ficou reduzida à quantidade mínima de 13 aeronaves. As rotas ficaram restritas inicialmente a ponte aérea Rio-São Paulo. O prestígio da empresa junto aos clientes ficou seriamente abalado. A participação de mercado foi drasticamente reduzida tanto no mercado nacional quanto internacional. Os milhares de funcionários — pilotos, tripulação, mecânicos, administração — que vinham fazendo todo o tipo de sacrifício pela empresa para que a mesma recuperasse seu vigor financeiro e que acreditaram nas promessas da administração, em sua grande maioria, perderão seus empregos. Os credores receberão seus créditos em 20 anos.

Estes dados sintetizam o que foi batizado de recuperação judicial (liquidação judicial seria o título mais apropriado)! É lastimável, pois essa bilionária destruição de valor poderia ter sido evitada.

Por último, mas não menos importante, há um aspecto de extrema relevância sobre o qual não vimos qualquer menção e que não pode ser olvidado, que é o da aferição e imputação de responsabilidades, inclusive de realização de um trabalho forense para aferir eventuais irregularidades para a tomada das medidas legais cabíveis.

Da mesma sorte, deve-se utilizar todo o material levantado e eventuais irregularidades praticadas para se realizar os ajustes regulatórios e legislativos apropriados para evitar que tragédias empresariais como esta voltem a ocorrer em nosso país. O Judiciário nacional deve igualmente fazer uma reflexão quanto aos eventuais erros cometidos nesse emblemático caso, em sua qualidade de peça central e imparcial do processo recuperatório judicial.

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  • Brave

    é especialista em recuperações de empresa e presidente do Instituto Brasileiro de Gestão e Turnaround. É também representante junto a Insol International e membro do American Bakruptcy Institute.

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