Dia do advogado

Desafio da advocacia é resgatar credibilidade e prerrogativas

Autor

11 de agosto de 2006, 10h19

O dia do advogado, que motiva o feriado desta sexta-feira (11/8) na Justiça, é comemorado com ressalvas pelos profissionais da área. A imagem da categoria nunca esteve tão em baixa nos últimos anos. O desafio diário tem sido a luta pelas prerrogativas e pelo resgate da credibilidade. Agora, mais ainda. Este ano, advogados foram presos sob a acusação de ligação com o crime organizado, a origem de seus honorários foi questionada, tiveram de recorrer repetidas vezes à Justiça para ter acesso a inquéritos de clientes e até cogitou-se a possibilidade do monitoramento de conversas entre clientes presos e seus defensores.

O advogado virou bode expiatório e, como era de se esperar, o rótulo não agradou. Por isso, nesse dia, há pouco para se comemorar e muito para se fazer para quebrar a ligação apontada pela sociedade entre o advogado e o crime.

“Não há profissão sem criminosos. O que não podemos fazer é pegar a exceção e transformar em regra”, observa Ives Gandra da Silva Martins, um dos advogados tributaristas mais reconhecidos do Brasil. “A esmagadora maioria dos advogados trabalha em defesa de seus clientes, dentro dos limites éticos”, ressalta.

A imagem que a sociedade criou dos advogados, nos últimos meses, surgiu baseada em fatos – embora exceções, como enfatizou Ives Gandra. Com a onda de ataques em São Paulo atribuída ao grupo criminoso PCC — Primeiro Comando da Capital, apontou-se a intermediação de advogados na comunicação entre líderes presos e integrantes soltos. A ordem de atacar unidades da Polícia saiu dos presídios, disseram as autoridades.

“Não é o celular coisa nenhuma. São determinados elementos que entram nos nossos presídios baseados na legislação, coletam informações e levam para o mundo exterior”, disse o governador paulista Cláudio Lembo, que sugeriu que as conversas entre presos e seus defensores deveriam ser gravadas. Mais uma vez, os advogados sentiram suas prerrogativas invadidas e bradaram: a Constituição garante o sigilo da conversa entre cliente e advogado.

Prerrogativas em jogo

Nunca se discutiu tanto as prerrogativas de advogados e jamais elas foram tão violadas. O advogado e conselheiro federal da OAB Alberto Zacharias Toron teve de recorrer três vezes à Justiça para ter acesso ao inquérito em que um cliente é acusado de crimes financeiros. “Ainda hoje [um dia antes do dia do advogado] fui visitar um preso e me disseram que só poderia vê-lo daqui a 10 dias. Isso é uma truculência com o advogado”, reclama.

Nestas ocasiões, o Judiciário tem se posicionado a favor dos advogados. O Superior Tribunal de Justiça, por exemplo, concedeu liminar para garantir que a defesa de um investigado pudesse ter acesso aos autos do inquérito policial, mesmo sem ele ter sido indiciado. O ministro Hamilton Carvalhido defendeu que, se o cidadão intimado a depor não é testemunha nem vítima, é investigado e tem direito de saber o motivo.

Recentemente, o Supremo Tribunal Federal também concedeu Habeas Corpus para garantir que um advogado tivesse acesso ao inquérito contra seu cliente, ainda que o caso estivesse em segredo de Justiça.

Para o advogado criminalista José Luiz de Oliveira Lima, nunca foi tão difícil exercer a advocacia como é hoje. “As prerrogativas são violadas diariamente. Há má vontade de parcelas do Judiciário, do Ministério Público e de autoridades policiais e a mídia faz campanha contra o advogado. Por tudo isso, não há muito o que comemorar nesse dia”, lamenta.

A crise em lente ampliada

O presidente da seccional paulista da OAB, Luiz Flávio Borges D’Urso, lembrou dos episódios de busca e apreensão em escritórios de advocacia com base em mandados genéricos no ano passado. E definiu esse como um dos marcos de afronta às prerrogativas da profissão.

Em relação à imagem dos advogados, D’Urso frisou que “todas as categorias têm profissionais que cometem desvios éticos. A advocacia não é diferente. Mas no estado de São Paulo, por exemplo, os desvios somados atingem 0,01% da categoria”. O presidente da OAB-SP considera que a advocacia tem, sim, muito que comemorar. “As infrações de alguns ganham as manchetes e respingam em toda a categoria. Mas não se afasta a credibilidade da advocacia com base em exceções”, sustenta.

Antonio Ruiz Filho, presidente da Associação dos Advogados de São Paulo, comparou o que acontece hoje em relação à advocacia com o que aconteceu com a sociedade americana logo após o ataque às torres gêmeas de Nova York, em 11 de setembro de 2001: a tentativa de diminuição dos direitos em prol de uma suposta causa maior.

“Mas os fins não justificam os meios”, afirma Ruiz. “Nós só vamos conseguir superar a crise atual de criminalidade e violência mantendo os princípios da lei. E nisto estão englobadas as prerrogativas profissionais do exercício dos advogados dignos, que são a expressiva maioria.”

Há advogados que contribuíram para o abalo da imagem da categoria. A advogada Maria Cristina Rachado, por exemplo, foi presa em julho sob a acusação de associação com o crime organizado. De acordo com a denúncia, ela pagou propina a um funcionário terceirizado da Câmara dos Deputados para obter cópias de depoimentos sigilosos de integrantes do Deic — Departamento de Investigações Criminais da Polícia Civil de São Paulo à CPI do Tráfico de Armas.

Maria Cristina, responsável pela defesa de Marcos Willian Herbas Camacho, o Marcola, apontado como líder do PCC, chegou a depor na CPI. No mesmo dia, seu colega Sérgio Weslei da Cunha, também advogado de supostos líderes do PCC e acusado pela compra da fita, foi interrogado.

Mesmo com todas as acusações que pesam nesse caso, os dois profissionais foram alvos de violações de seus direitos como advogados. Eles foram questionados sobre a origem de seus honorários — se seria lícita ou não. Cunha saiu preso da sessão por desacato ao responder com ironia a uma provocação do deputado Arnaldo Faria de Sá (PTB-SP). Na ocasião, a classe considerou a prisão arbitrária. A categoria não discutiu as acusações contra os interrogados, mas sim seus direitos como cidadãos e, até então, como advogados.

Retoque na maquiagem

A imagem da advocacia está manchada, lamentam os advogados. Para resgatar a sua beleza, é preciso, mais do que nunca, deixar o corporativismo de lado e punir os maus profissionais. No final de julho, a OAB prometeu uma faxina contra advogados envolvidos com o crime.

Além de Maria Cristina Rachado, no primeiro semestre do ano, foram presos pelo menos outros cinco advogados: Eduardo Diamante, Valéria Dammous, Libânia Catarina Fernandes Costa, Nelson Roberto Vinha e Mário Sérgio Mungioli.

O Conselho Federal da Ordem pretende encontrar punições adequadas para estes profissionais e, assim, começar a limpar a imagem da classe. “A advocacia nunca recebeu um ataque tão forte como agora. Mas o ataque é injusto. A advocacia não pode ser acusada de ser antiética e ilícita, pois é incompatível com o crime”, defende Roberto Busato, presidente da OAB.

Para a advogada Ana Paula de Barcellos, os problemas que têm ocorrido com a categoria são mais amplos. “Há um greve problema ético de distorção de padrões morais na sociedade como um todo. Assim, o desafio do advogado é ser ético e impor limites à defesa do cliente.”

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!