Falta de regulamentação

Se não há lei federal que autorize, bingos não podem funcionar

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10 de agosto de 2006, 13h43

Se não há lei federal que autorize, bingos não podem funcionar. O entendimento é do ministro Sepúlveda Pertence, do Supremo Tribunal Federal. O voto de Pertence guiou a decisão foi tomada pelo Plenário da Corte em Ação Direta de Inconstitucionalidade contra a Lei 11.348/00, do estado de Santa Catarina.

A lei autorizou o estado a explorar o serviço de jogos e loterias. A alegação na ADI foi de ofensa ao artigo 22, incisos I e XX da Constituição Federal. Pela regra, “compete privativamente à União legislar sobre: I – direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho; XX – sistemas de consórcios e sorteios”.

O ministro Sepúlveda Pertence não acolheu a tese de ofensa ao inciso I. Ele esclareceu que a doutrina já deixou claro que as leis estaduais que regulamentam esses serviços de exploração não tratam de matéria penal. Quanto ao inciso XX, Pertence entendeu haver “inconstitucionalidade formal do diploma impugnado”.

Para reforçar o argumento, o ministro citou parte do parecer da Procuradoria-Geral da República sobre o tema. No documento, é explicado que o Decreto-Lei 204/67 deixou para a União a exploração do serviço público de loteria, destituindo os Estados-Membros do poder de explorar esse tipo de atividade.

De acordo com o artigo 32 do decreto, só as casas de jogos criadas antes de 1967 poderiam continuar operando. Depois desse ano, os Estados-Membros não tinham mais competência para criar e manter o serviço público de loterias.

Assim, para o ministro “a regulação estadual do bingo tornou-se inoperante, à falta de fonte normativa federal que o autorizasse. O que pode subsistir — e não está em causa, por não ser objeto desta ação direta — é a legislação estadual atinente à loteria estadual, nos termos restritos em que foram mantidas por força dos artigos 32 e 33 do DL 204/67”.

As leis dos estados do Piauí e do Mato Grosso do Sul sobre a mesma matéria também foram declaradas inconstitucionais pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal.

Leia o relatório e voto de Pertence

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 2.996-7 SANTA CATARINA

RELATOR: MIN. SEPÚLVEDA PERTENCE

REQUERENTE(S): PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA

REQUERIDO(A/S): GOVERNADOR DO ESTADO DE SANTA CATARINA

REQUERIDO(A/S): ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DE SANTA CATARINA

R E L A T Ó R I O

O SENHOR MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE – Ação direta de inconstitucionalidade – com pedido de medida cautelar – contra a L. est. 11.348, de 17 de janeiro de 2000, do Estado de Santa Catarina que tem este teor:

“Art. 1º O serviço de exploração de loterias, criado pela Lei nº 3.812, de 3 de março de 1966, será executado no Estado de Santa Catarina de acordo com as disposições da presente Lei.

Art. 2º O serviço de loteria constitui-se um serviço público com objetivo de angariar recursos financeiros para o desenvolvimento da política estadual de assistência social e da política de fomento ao desporto.

Art. 3º Compete à Loteria do Estado de Santa Catarina S.A. – LOTESC, criada pela Lei nº 3.812, de 03 de março de 1966, subordinada à Secretaria de Estado da Fazenda, a operacionalização, a administração e a fiscalização dos serviços de loterias do Estado de Santa Catarina.

Art. 4º. Compete à LOTESC dirigir, coordenar, executar, credenciar, autorizar, fiscalizar, distribuir e controlar as atividades relacionadas com as modalidades lotéricas e jogos de diversões eletrônicas e eletromecânicas.

Art. 5º. Da receita bruta auferida pela LOTESC na exploração dos serviços lotéricos dez por cento será destinado ao Fundo Estadual de Assistência Social.


CAPÍTULO II

Das Modalidades Lotéricas

SEÇÃO I

Modalidades Lotéricas com premiação em Bens, Serviços e Dinheiro

Art. 6º. Poderão ser exploradas as seguintes modalidades lotéricas que terão premiação em bens, serviços e/ou dinheiro.

I – Loteria de Números – todo e qualquer concurso de sorteio manual, mecânico ou eletrônico de números, palavras, símbolos e loterias de qualquer natureza com distribuição de prêmios aos acertadores mediante rateio, prêmios pré-definidos ou prêmios bancados;

II – Loteria Instantânea – sorteios instantâneos realizados em bilhetes individuais próprios, mediante a combinação de números ou símbolos para a distribuição de premiação previamente estabelecida.

III – Videoloteria – equipamentos de apostas eletrônicas e eletromecânicas que operam com fichas, moedas, cédulas, cartões magnéticos e sistemas de créditos ou qualquer outra forma de identificação e quantificação das apostas;

IV – Sistema Lotérico “on line”/real time – loteria de prognósticos baseados em técnicas e recursos de informática em linha e tempo real;

V – Bingo – loteria em que se sorteiam ao acaso números de um até noventa, mediante sucessivas extrações, até que um ou mais concorrentes atinjam o objetivo;

VI – Loteria Convencional – venda de bilhetes previamente numerados, cujo sorteio será efetivado em datas pré fixadas, para distribuição aos acertadores de prêmios previamente anunciados;

VII – Loteria Mista – com vendas de bilhetes que reúnam características de duas ou mais modalidades.

Art. 7º. Cada modalidade lotérica poderá ter tipos de jogos diversificados que serão regulamentados através da edição de Resolução pela Loteria do Estado de Santa Catarina S.A. – LOTESC, que deverá ser publicada no Diário Oficial do Estado de Santa Catarina.

Art. 8º. A exploração da modalidade lotérica bingo, deverá ser autorizada com a finalidade exclusiva de angariar recursos financeiros destinados ao fomento ao desporto e/ou ao custeio do Sistema Desportivo Estadual.

Art. 9º. As entidades de administração e práticas desportivas poderão credenciar-se anualmente junto à LOTESC para explorarem a modalidade lotérica bingo, podendo se contratada empresa comercial idônea para a administração da atividade.

Art. 10. Além da modalidade lotérica prevista no artigo anterior, a LOTESC poderá autorizar a exploração de outras modalidades de loterias e concurso de prognósticos destinados a angariar recursos financeiros para o fomento ao desporto e a manutenção do Sistema Desportivo Estadual de Santa Catarina, instituído pela Lei n. 9.808, de 26 de dezembro de 1994.

Art. 11. A execução do serviço lotérico poderá ser delegada, mediante concessão, permissão e autorização dentro do que preceitua a legislação que rege a matéria.

SEÇÃO II

Dos Jogos e Diversões Eletrônicas

Art. 12. Jogos e diversões eletrônicas são uma modalidade de jogo em que são utilizados equipamentos de videojogos, vídeo games, jogos de realidade virtual e todo tipo de jogos de habilidade e/ou destreza que não entreguem premiação em dinheiro e que tenham por objetivo principal a diversão de crianças e adolescentes.

Art. 13. Serão permitidos a exploração de jogos e diversões eletrônicas mediante o credenciamento das empresas comerciais fornecedoras de equipamentos e de autorização das empresas comerciais operadoras, expedido pelo poder público.


Art. 14. Compete à Loteria do Estado de Santa Catarina S.A. – LOTESC, em nome do poder público, o credenciamento dos fabricantes, fornecedores e operadores de equipamentos, máquinas eletrônicas e eletroeletrônicas de jogos; a concessão da autorização e a fiscalização dos estabelecimentos comerciais que operam estes jogos.

CAPÍTULO III

Da Tributação

Art. 15. Na regulamentação das modalidades lotéricas, a LOTESC, poderá instituir a cobrança de taxas em razão da prestação do serviço público específico.

Art. 16. Na exploração das atividades lotéricas, por delegação, a pessoas jurídicas de direito privado, as mesmas deverão recolher, além dos tributos legais incidentes e das taxas instituídas e devidas à LOTESC, a seguinte remuneração:

I – Nas modalidades lotéricas em que a delegação para a exploração for realizada através de processo de licitação, três por cento da renda bruta destinada ao Fundo Estadual de Assistência Social;

II – Nas modalidades lotéricas em que a delegação for efetuada através de autorização:

a) modalidade Loteria de Números e ou Loteria Instantânea: sete por cento da receita bruta para a entidade esportiva ou entidade beneficente credenciada e três por cento da premiação ao Fundo Estadual de Assistência Social;

b) modalidade bingo: sete por dento da renda bruta destinada à entidade esportiva e um por cento destinado ao Fundo Estadual de Desenvolvimento do Desporto de Santa Catarina;

c) modalidade lotérica Videoloteria: recolher mensalmente cinqüenta Unidades Fiscais de Referência – UFIR’s por equipamento, ao Fundo Estadual de Desenvolvimento do Desporto;

d) modalidade Jogos e Diversões Eletrônicas: recolher mensalmente vinte e cinco Unidades Fiscais de Referência – UFIR’s por equipamento, assim distribuídos:

1 – sessenta por cento ao Conselho Municipal Tutelar da Criança e do Adolescente do município onde localiza-se o estabelecimento comercial;

2 – quarenta por cento ao Fundo Estadual da Criança e do Adolescente – FIA.

Art. 17. Para efeitos do artigo anterior entende-se como receita bruta o valor total proveniente da venda de cartelas deduzido o valor da premiação e dos impostos, taxas e tarifas incidentes.

CAPÍTULO IV

Das Penalidades

Art. 18. A inobservância dos termos de que trata esta Lei implicará nas sanções legais, que poderão ser aplicadas cumulativamente, além das penalidades criminais previstas:

I – advertência;

II – multa:

a) na primeira autuação mil UFIR’s por equipamento e/ou infração;

b) na segunda autuação três mil UFIRS’s por equipamento e/ou infração;

c) na terceira autuação cinco mil UFIR’s por equipamento e/ou infração;

III – apreensão de equipamentos, materiais lotéricos e similares;

IV – suspensão temporária de funcionamento;

V – cassação da autorização e/ou credenciamento.

Parágrafo único – Nas modalidades lotéricas em que a permissão para exploração for realizada através de processo licitatório as penalidades serão previstas nos contratos.


CAPÍTULO V

Das Disposições Gerais

Art. 19. As empresas comerciais fornecedoras de equipamentos e materiais lotéricos e/ou que explorarem comercialmente as atividades lotéricas e de diversões eletrônicas deverão obter credenciamento e autorização, anualmente, do poder público.

Art. 20. É proibido nos recintos de exploração das modalidades jogos e diversões eletrônicas;

I – acesso de crianças desacompanhadas por pais ou responsáveis;

II – acesso de crianças e adolescentes trajando uniforme e ou portando pastas ou materiais escolares;

III – instalação de quaisquer outros tipos de jogos que ofereçam prêmios em dinheiro;

IV – fumar;

V – comercialização ou consumo de quaisquer tipos de bebidas alcoólicas.

Parágrafo único – Considera-se criança, para os efeitos desta Lei, a pessoa até doze anos de idade incompletos, e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade.

Art. 21. Nenhum tipo de modalidade lotérica ou qualquer tipo de jogo e de diversão eletrônica ou eletroeletrônica poderá ser explorado no território do Estado de Santa Catarina sem a prévia autorização do poder público estadual.

Art. 22. E proibido o acesso de menores de dezoito anos em quaisquer estabelecimentos que explorem modalidades lotéricas, exceto na modalidade prevista no art. 12 desta Lei.

Art. 23. A Secretaria de Estado da Segurança Pública expedirá o alvará de funcionamento às empresas autorizadas à exploração de qualquer modalidade lotérica após a apresentação do Certificado de Autorização expedido pela LOTESC.

Art. 24. Os fabricantes, fornecedores e estabelecimentos comerciais que estão explorando as atividades lotéricas e de jogos eletrônicos e eletroeletrônicos previstos nesta Lei, terão noventa dias para se adequarem à mesma.

Art. 25. Fica a LOTESC autorizada a baixar normas complementares para o fiel cumprimento do estabelecido nesta Lei.

Art. 26. O Poder Executivo regulamentará a presente Lei no prazo de sessenta dias após sua publicação.

Art. 27. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Art. 28. Ficam revogados, os arts. 3º, 4º, 5º,6º,7º,8º,9º,10,11 e 12, da Lei nº 3.812, de 03 de março de 1966 e a Lei nº 4.119, de 02 de janeiro de 1968 e demais disposições em contrário”.

Alega-se ofensa ao art. 22, I e XX, da Constituição.

Apliquei ao caso o art. 12, da L. 9868/99.

As informações foram prestadas pela Assembléia Legislativa 9f. 32/49) e pelo Governador do Estado (f. 96/111).

A Procuradoria-Geral do Estado de Santa Catarina juntou cópia do parecer do professor Miguel Reale Júnior.

O Advogado-Geral da União manifestou-se.

É esta a ementa do parecer do Procurador-Geral da República:

“Lei estadual que dispõe sobre serviço de loterias e jogos de bingo no Estado de Santa Catarina. Violação ao art. 22, incisos I e XX, da Constituição da República.

Parecer pela procedência da ação.”


Deferi o pedido de intervenção como “amicus curiae” da Associação Brasileira de Loterias Estaduais – que apresentou parecer do Prof. Inocêncio Mártires Coelho – e do Ministério Público do Estado de Santa Catarina.

É o relatório, cuja cópia será encaminhada aos Senhores Ministros.

V O T O

O SENHOR MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE – (Relator): Na doutrina, o tema é antigo. O saudoso Geraldo Ataliba defendeu, em 1985 – em parecer solicitado pela Caixa Econômica do Estado de São Paulo – a possibilidade jurídica da exploração de loteria pelos Estados Federados à luz da Constituição pretérita (Revista de Direito Público, nº 78, abril-junho de 1986, p. 81/93).

Após a Constituição de 1988, Carlos Ari Sundfeld, em 1989, também advogou a possibilidade de o Estado de São Paulo criar e explorar loteria (Revista de Direito Público, nº 91, julho-setembro de 1989); na mesma linha, os pareceres dos ilustres Miguel Reale Júnior (RT. v. 773, março de 2000), Luiz Roberto Barroso (Temas de Direito Constitucional, Rio: Renovar), Caio Tácito (RDP 77/75:77), todos unânimes quanto à viabilidade de os Estados-membros criarem loterias.

Afastam, para tanto, o monopólio da União para legislar sobre o assunto: não se trataria de sorteio (art. 22, XX, CF), tampouco de matéria penal (art. 22, I, CF).

Minha visão coincide em parte com essa doutrina: tenho que não se trata de matéria penal.

No julgamento da ADIn 2847, 5.8.04 (Velloso, DJ 26.11.04), acentuei:

“Também eu rejeito a irrogação às leis distritais questionadas do alegado vício de usurpação da competência legislativa federal sobre Direito Penal: obviamente não se trata de lei incriminadora.

Certo, como hoje observava o eminente Ministro Eros Grau, também são leis penais as leis que estabelecem causas de exclusão da antijudicidade ou de isenção de pena. Mas, para daí extrair a inconstitucionalidade da lei local, o pressuposto seria o seu cotejo com a legislação penal federal para afirmar previamente se a lei do Distrito Federal excetuava ou não onde a legislação federal não excetua. O que, entretanto, em caso positivo não seria vício de inconstitucionalidade, mas de ilegalidade, conforme assente na jurisprudência deste Tribunal, como na generalidade das cortes constitucionais. E, portanto, não seria objeto idôneo à decisão em ADIn.

Ainda, porém, que pudéssemos baixar a esse cotejo entre a lei distrital e a lei penal federal pertinente, o art. 51 da Lei das Contravenções Penais, o conflito seria duvidosíssimo.

O que se incrimina no art. 51 da Lei de Contravenções Penais, exemplo claro de tipo penal em branco, é:

“Promover ou fazer extrair loteria sem autorização legal.”

Assim o problema se reduz ao segundo fundamento dessa ação direta: se é, ou não, competência dos Estados, cumulativamente com a União, estabelecer em seus territórios o que se chamou de serviço público de exploração de loterias.

Por isso, a questão é, efetivamente, de competência na estrutura federal brasileira para disciplinar o tema — não o crime, que este é indiscutivelmente da União — mas para disciplinar o sistema de loterias.

Neste ponto, perfeita a observação do saudoso Ministro Osvaldo Trigueiro de que, onde houver competência dos Estados, jamais poderia a União incriminar o seu exercício: se determinada matéria é competência do Estado, seja a título do serviço público, seja a título de atividade econômica, jamais poderia a União agredir esta competência, tornando como criminosa a atividade estadual legítima conforme a Constituição.”


Pouco importa, entretanto, para o caso, que não se trate de matéria penal.

É que há ofensa ao art. 22, XX, da Constituição, conforme assinalei no meu voto na mesma ADIn 2847:

“O problema, então decisivo, é o segundo fundamento da ação direta, art. 22, da Constituição, que confere à União competência privativa para dispor sobre “sistemas de consórcios e sorteios”.

Impressionou-me a unanimidade dos pareceres de juristas da mais alta respeitabilidade, como Caio Plácido, Oswaldo Trigueiro, Carlos Ari Sundfeld e Geraldo Ataliba — excelentemente resenhados, no mais recente deles, que é o de Luis Roberto Barroso — todos no sentido de que a alusão ali a consórcios e sorteios se reduziria, na verdade, à competência para disciplinar consórcios, ou coisas similares, ou institutos similares, que envolvem sorteios.

Notou, porém, salvo engano, o Ministro Gilmar Mendes, que aí se reduziria a nada a alusão a sorteio na cláusula de competência da União, porque o próprio conceito de consórcio envolve o sorteio entre os consorciados a respeito da ordem em que lhe será dado adquirir o bem almejado pelos consorciados.

Acabei, assim, por convencer-me — contra o argumento muito inteligente assim desenvolvido e hoje avalizado aqui pela autoridade do Ministro Marco Aurélio — da cerrada argumentação em contrário que encontro no voto do Ministro Carlos Britto e da síntese já contida no voto do eminente Ministro-Relator.

O que se incumbiu à União de legislar com privatividade, ademais, foi sobre o “sistema de sorteios”, o que — demonstrou exuberantemente o Ministro Britto — envolve a regulação substancial das modalidades de sorteio, dos direitos, deveres e responsabilidades daí decorrentes, campo no qual ingressou despudoradamente a lei distrital”.

Há, pois, inconstitucionalidade formal do diploma legal impugnado.

No mesmo sentido, as ADIns 3259 (Eros, DJ 29.02.06) e 2948 (Eros, DJ 13.05.05). Além da referida ADIn 2847, Velloso, a decisão do Plenário na ADIn 3259, 16.11.05 (Eros, DJ 29.2.06).

Observo que não está em jogo a L. est. 3812/66 – a que alude o art. 1º do diploma questionado -, a qual teria criado a Loteria do Estado de Santa Catarina, ao tempo em que facultada, pela legislação federal, a instituição e a exploração de loterias pelos Estados-Membros.

Explica-o o parecer da Procuradoria-Geral – f. 163:

“As loterias passaram a ser toleradas e, portanto, descriminalizadas, a partir do ano de 1932, com a promulgação do Decreto nº 21.143 (10.03.1932), passando a ser qualificadas como serviço público.

Em 1941, o Decreto-Lei nº 2.980 (24.01.1941) manteve essa mesma definição e, da mesma forma, o Decreto-Lei nº 6.259, de 10.02.1944, que assim dispunha em seu art. 1º:

“Art. 1º O serviço de loteria, federal ou estadual, executar-se-á em todo território do país, de acordo com as disposições do presente decreto-lei.”

Como se pode observar, o serviço público de loteria, na época, podia ser realizado tanto no âmbito federal como estadual.

No entanto, o Decreto-Lei nº 204, de 27 de fevereiro de 1967, que foi recepcionado pela Constituição de 1988, estando atualmente em vigor, passou a definir a atividade de loteria como serviço público a ser exercido exclusivamente pela União, não suscetível de concessão, configurando-se, dessa forma, como derrogação excepcional das normas de direito penal. Assim está disposto no referido decreto-lei:

“Art. 1º A exploração de loteria, como derrogação excepcional das normas do Direito Penal, constitui serviço público exclusivo da União, não suscetível de concessão e só será permitida nos termos do presente Decreto-Lei.”


O Decreto-Lei nº 204/67, dessa forma, criou o monopólio da União sobre o serviço público de loteria, destituindo os Estados-Membros do poder de explorar esse tipo de atividade.

Com efeito, no art. 32 deste decreto-lei está disposto que “é vedada a criação de novas loterias estaduais”, devendo permanecer, no âmbito dos Estados-Membros, somente as já existentes na data de sua promulgação. Portanto, desde o ano de 1967, os Estados-Membros não possuem mais competência para criar e manter o serviço público de loterias.”

Dispuseram, com efeito, os arts. 32 e 33 do DL 204/67:

“Art. 32. Mantida a situação atual, na forma do disposto no presente Decreto-lei, não mais será permitida a criação de loterias estaduais.

§ 1º. As loterias estaduais atualmente existentes não poderão aumentar as suas emissões ficando limitadas às quantidades de bilhetes e séries em vigor na data da publicação deste Decreto-lei.

…….

Art. 33. No que não colidir com os termos do presente Decreto-lei, as loterias estaduais continuarão regidas pelo Decreto-lei nº 6.259, de 10 de fevereiro de 1944.”

Certo, no que diz respeito especificamente ao jogo de bingo, sobrevieram a L. 8.672/93 (Lei Zico) e a L. 9.615/98 (Lei Pelé), no entanto, revogadas pela L. 9981/00, como também recorda o parecer do Ministério Público Federal f. 164:

“11. O jogo de bingo, que é uma modalidade de loteria, passou a ser autorizado como atividade lícita pela Lei nº 8.672, de 6 de julho de 1993 (Lei Zico). O art. 57 desta lei permitiu a prática desse tipo de loteria unicamente para angariar recursos para o desporto, e concedeu poderes aos Estados e ao Distrito Federal para regular e fiscalizar a atividade. Esse artigo, porém, veio a ser atacado nos autos da ADIMC nº 1.169/DF (Relator Ministro ILMAR GALVÃO, DJ 29.06.2001), da qual pode ser retirado o voto proferido pelo eminente Ministro CARLOS VELLOSO:

“(…) De outro lado, a lei, no § 1º do art. 57, ao dizer que ‘o órgão competente de cada Estado e do Distrito Federal normatizará e fiscalizará a realização dos eventos de que trata este artigo’, faz tábula rasa do disposto no art. 22, inciso XX, da Constituição, ao estabelecer que compete privativamente à União legislar sobre sistemas de consórcios e sorteios. Na verdade, a Lei 8672, de 1993, institui jogatina desenfreada nas grandes cidades dos Estados e quer fazer deste o regulamentador e disciplinador dessa desenfreada jogatina, que não presta obséquio à sociedade brasileira e serve apenas para enriquecer grupos de pessoas”. (ênfases acrescidas)

12. Nada obstante, a Lei nº 8.672/93 (Lei Zico) foi revogada pela Lei nº 9.615, de 24 de março de 1998 (Lei Pelé), que deu novo tratamento à matéria. A Lei Pelé continuou autorizando a prática do jogo de bingo, para angariar recursos para o fomento do desporto, mas somente nas modalidades “permanente” e “eventual” (art. 60), com a conseqüente exclusão de qualquer outra modalidade, mormente os chamados bingos eletrônicos, chegando a determinar, de forma expressa, no art. 72, que “é proibida a instalação de qualquer tipo de máquinas de jogo de azar ou de diversões eletrônicas nas salas de bingo”, e, no art. 74, que “nenhuma outra modalidade de jogo ou similar, que não seja o bingo permanente ou o eventual, poderá ser autorizada com base nesta lei.”

13. A lei Pelé dispunha também que as entidades de administração e de práticas desportivas que tivessem interesse em explorar o jogo de bingo deveriam credenciar-se junto à União, e atribuía ao Instituto Nacional de Desenvolvimento do Desporto – INDESP, autarquia federal vinculada ao Ministério do Esporte, a competência exclusiva para autorizar e fiscalizar as loterias de bingo, além da aplicação de penalidades. O Decreto nº 2.574, de 29 de abril de 1998, que regulamentou a Lei Pelé, igualmente prescrevia que somente ao INDESP, autarquia federal, era atribuída a competência para o credenciamento de entidades para exploração do jogo de bingo.


14. Sem embargo, no ano de 2000, pondo fim aos incontáveis problemas envolvendo a exploração do jogo de bingo no país, o legislador proibiu essa espécie de jogatina, editando a Lei nº 9.981 (14.7.2000), que assim dispõe em seu artigo 2º:

“Art. 2º Ficam revogados, a partir de 31 de dezembro de 2001, os arts. 59 a 81 da Lei nº 9.615, de 24 de março de 1998, respeitando-se as autorizações que estiverem em vigor até a data da sua expiração.

Parágrafo único. Caberá ao INDESP o credenciamento das entidades e à Caixa Econômica Federal a autorização e a fiscalização da realização dos jogos de bingo, bem como a decisão sobre a regularidade das prestações de contas.”

15. Os artigos 59 a 81, revogados, são justamente aqueles que autorizavam a prática do bingo em todo território nacional. Assim, desde o advento da Lei nº 9.981/00, a exploração do jogo de bingo está proibida, respeitando-se as autorizações que estiverem em vigor, mas somente até a data de sua expiração.

16. Para regulamentar a Lei nº 9.981/00, foi editado o Decreto nº 3.659, de 14 de novembro de 2000, que passou a regular a autorização e fiscalização do jogo de bingo. Este decreto afirmou o monopólio da União para exploração do serviço público de loteria de bingo, atribuindo à Caixa Econômica Federal a competência para executá-lo. Segundo as normas do decreto, a execução levada a efeito pela CEF será direta, quando a própria CEF o realizar, ou indireta, quando a CEF autorizar a exploração por entidades desportivas. Assim dispõe o referido decreto:

“Art. 1º A exploração de jogos de bingo, serviço público de competência da União, será executada, direta ou indiretamente, pela Caixa Econômica Federal em todo o território nacional, nos termos das Leis nºs 9.615, de 24 de março de 1998, e 9.981, de 14 de julho de 2000, dos respectivos regulamentos, deste Decreto e das demais normas expedidas no âmbito da competência conferida à Caixa Econômica Federal.”

17. Portanto, a Lei nº 9.981/00, e o Decreto nº 3.659/00, puseram fim à exploração do jogo de bingo no país, permanecendo somente as autorizações em vigor na data de sua promulgação, que devem ser reconhecidas pela da Caixa Econômica Federal.

18. Ocorre que o referido decreto concedeu autorização aos bingos permanentes somente pelo prazo de 12 meses, a partir de 30 de dezembro de 2001. Com efeito, tendo esse prazo expirado em 30 de dezembro de 2002, todos os bingos, de qualquer espécie, passaram, desde então, a estar na ilegalidade.”

Desse modo, quanto a essa modalidade de sorteio, desde então, a regulação estadual do bingo tornou-se inoperante, à falta de fonte normativa federal que o autorizasse.

O que pode subsistir – e não está em causa, por não ser objeto desta ação direta – é a legislação estadual atinente à loteria estadual, nos termos restritos em que foram mantidas por força dos arts. 32 e 33 do DL 204/67.

Esse o quadro e na linha dos precedentes reiterados do Tribunal, julgo procedente a ação direta e declaro a inconstitucionalidade da L. est. 11348, de 17 de janeiro de 2000, do Estado de Santa Catarina: é o meu voto.

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