Pagar ou morrer

A guerra do lançamento tributário por homologação

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10 de agosto de 2006, 21h53

Os professores Sacha Calmon Navarro Coelho, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, e Estevão Horvath, da Universidade de São Paulo, travaram um duelo de idéias empolgante no auditório do Ourominas Hotel, em Belo Horizonte, durante o X Congresso de Direito Tributário. Na mesa redonda que discutiu “A manifestação da autonomia privada do contribuinte no lançamento por homologação”, os dois luminares do Direito Tributário defenderam posições opostas.

Coube a Sacha Calmon a primeira intervenção e antes de entrar no tema dos lançamentos tributários por homologação, ele fez uma peroração contra o que disse ser o contraste entre o que o Estado faz para receber seus créditos e o esforço que faz para não pagar o que deve aos contribuintes. “O Estado deve, não nega e não paga”, disse o professor em tom de indignação. “O contribuinte não tem meios para constranger o Estado e fica sujeito a receber o que lhe é devido através de precatórios em suaves prestações durante 10 anos.”

Culpou o Legislativo, que quando é provocado sempre atua em favor do Fisco e em desfavor do contribuinte. E acusou a Fazenda de, além de não pagar o que deve, punir os contribuintes inadimplentes com ela. “Querem agora vedar a proibição de bonificações aos acionistas às empresas em débito. Exigem CND para as empresas receber precatórios. Dificultam a emissão de certidões, tomam declarações como confissões.”

Sacha Calmon encerrou seu desabafo repetindo a notícia publicada pelos jornais do dia, de que a arrecadação de tributos no país chegou a R$ 500 bilhões. “São mais de US$ 200 bilhões em impostos. O que demonstra que ou a sonegação é muito mais baixa ou o PIB brasileiro é três vezes maior do que dizem.”

Duelo de palavras

A guerra de palavras de dois dos mais respeitados tributaristas do país se deu em torno do chamado crédito-não contencioso ou de lançamento por homologação. Como explicou na primeira exposição do painel, Betina Grupenmacher, da Universidade Federal do Paraná, trata-se dos créditos tributários originados a partir da declaração do contribuinte e que se extinguem no prazo de cinco anos. Neste período, a Fazenda faz o lançamento por homologação destes créditos.

Para o professor, o maior problema é que a Fazenda, ao constatar que o contribuinte não pagou ou que não pagou bem, pode inscrevê-lo na dívida, sem notificá-lo previamente. “Para a formação de título executivo no âmbito administrativo é preciso que se abra processo prévio de cognição. O Código Tributário Nacional, que é uma Lei Complementar, diz que o lançamento é ato privativo da Fazenda e que a formação de título executivo exige cognição”, sustentou.

Como o lançamento é feito a partir da declaração do contribuinte, a Fazenda considera a declaração como uma confissão de débito. Sacha Calmon contesta também este dispositivo: “A confissão só tem validade se o contribuinte se conformar com ela depois de devidamente notificado”. Ele lembrou que o Direito Penal recomenda que se desconfie da confissão do réu. “Por que não acontece o mesmo no Direito Tributário?”

Estevão Horvath iniciou sua palestra dizendo que poderia resumi-la como uma negação a tudo que Sacha Calmon havia dito antes. Afirmou que o lançamento por homologação é uma ficção, mas existe. Reconheceu que cabe à Fazenda fazer o lançamento, mas que o contribuinte o faz. “A lei obriga o contribuinte a fazer o que é obrigação do Estado: ele se identifica, aponta o fato gerador, apura o quanto deve, e faz o lançamento. Quando do pagamento do crédito, o lançamento fica provisoriamente extinto”, afirmou.

“Não vejo como falar em obrigação sem crédito nem em crédito sem obrigação”, disse para explicar que ao preencher a guia de recolhimento do imposto o contribuinte está constituindo um crédito para a Fazenda e reconhecendo sua obrigação de saldá-la. “Com a homologação, a atividade do Fisco é o de controle da legalidade do ato administrativo.”

Para o professor da USP, o Fisco pode inscrever na Dívida Ativa o crédito declarado e não pago, sem com isso violar o princípio do contraditório, porque a própria declaração faz este papel. “O contribuinte está sabendo. A falha da legislação está em não prever meios para a retificação das declarações prestadas.”

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