Constituinte exclusiva

Convocação deveria ser legitimada por plebiscito ou referendo

Autor

  • Ives Gandra da Silva Martins

    é professor emérito das universidades Mackenzie Unip Unifieo UniFMU do Ciee/O Estado de S. Paulo das Escolas de Comando e Estado-Maior do Exército (Eceme) Superior de Guerra (ESG) e da Magistratura do Tribunal Regional Federal da 1ª Região professor honorário das Universidades Austral (Argentina) San Martin de Porres (Peru) e Vasili Goldis (Romênia) doutor honoris causa das Universidades de Craiova (Romênia) e das PUCs PR e RS catedrático da Universidade do Minho (Portugal) presidente do Conselho Superior de Direito da Fecomercio-SP ex-presidente da Academia Paulista de Letras (APL) e do Instituto dos Advogados de São Paulo (Iasp).

9 de agosto de 2006, 12h14

O presidente Lula apresentou, para um grupo de representantes da OAB, a idéia de convocação de uma Constituinte exclusiva, com o apoio de alguns juristas e advogados, e pesadas críticas de políticos, operadores de Direito, jornalistas e formadores de opinião.

Pessoalmente, sou favorável à idéia, desde que alicerçada em dois pré-requisitos, a saber: 1) a aprovação por emenda constitucional da convocação com previsão de um plebiscito (no caso de tratar-se apenas da autorização para convocação) ou de um referendo (se os termos da convocação já constarem da própria Emenda Constitucional); 2) que a Constituinte seja exclusiva, podendo concorrer para compô-la, em eleições livres, qualquer cidadão brasileiro, sem necessidade de filiar-se a partido político, exceção feita àqueles que pretendam disputar as eleições seguintes ou estejam no exercício de mandato eletivo.

Seria, portanto, uma Constituinte exclusiva.

A solução do plebiscito ou referendo, de rigor, equacionaria problemas maiores, como vício de legitimidade ou de inconstitucionalidade.

Tenho defendido que não há cláusulas pétreas, no que diz respeito a regimes jurídicos ou políticos, sempre que a sociedade, por uma das formas de exercício direto de soberania popular, decida alterar o que constituintes pretéritos entenderam fosse o melhor para o país. Nunca admiti, como professor titular de Direito Constitucional da Universidade Mackenzie e comentarista da Constituição Brasileira, que brasileiros do passado pudessem engessar o futuro da nação, tornando imodificável disciplina que, no momento da elaboração da Carta Política, entenderam ser a melhor para o país. Os povos evoluem e cada geração tem o direito, em regime democrático, de decidir seu próprio destino.

Por esta razão, para mim, se, mediante plebiscito ou referendo, o povo optar pela alteração de disposições relativas a regimes jurídicos ou políticos, democraticamente, isso será legítimo, podendo até mesmo a alteração atingir normas pétreas institucionais. Só não admito alteração no que concerne a direitos fundamentais do ser humano, pois tais direitos são inerentes ao indivíduo, não cabendo ao Estado “instituir” normas a respeito, mas apenas “reconhecê-los”.

O plebiscito ou o referendo, conforme o teor da Emenda a ser aprovada, representa a vontade popular, em determinado período histórico, valendo, a meu ver, mais que a vontade dos constituintes passados. É a concretização da norma contida no parágrafo único do artigo 1º da lei suprema, ao afirmar que “todo o poder emana do povo, que poderá exercê-lo, diretamente”, nos termos do art. 14, incisos I, II e III.

Afastado o óbice da inconstitucionalidade, se a sociedade assim desejar, nada mais legítimo que se convoque uma Constituinte exclusiva.

Apenas, no modelo que idealizei quando presidente do Iasp, em 85/86 — encampado pelo atual ministro do Tribunal Superior Militar, o então deputado Flávio Bierrenbach — a Constituinte teria que ser exclusiva e sem a participação de políticos ou cidadãos que pretendessem concorrer a cargo eletivo durante pelo menos o prazo de um mandato após a promulgação do texto supremo, com o que, encerradas suas atividades, voltariam os constituintes para suas atividades normais.

Desta forma, temas essenciais e que os políticos deixaram de votar, por não terem interesse em aprovar medidas que impliquem perda de poder — como “voto distrital”, “fidelidade partidária”, “definição principiológica na conformação dos partidos”, “equilíbrio da representação popular” e outros temas — poderiam ser examinados por juristas, formadores de opinião, e demais elementos da população, que concorreriam a uma vaga na Constituinte, apontando exclusivamente o modelo constitucional que desejariam. O número de vagas para a Constituinte corresponderia à soma das atualmente existentes para Senado e Câmara, em cada estado, no que concerne a deputados e senadores.

Estou convencido de que, se fosse exclusiva, os constituintes é que formatariam a atuação dos políticos no interesse da nação, e não os políticos que formatariam a Constituição segundo seu próprio interesse.

É de se lembrar que há inúmeros projetos de emenda constitucional para adoção do voto distrital ou da fidelidade partidária, que não são apreciados pelo Congresso, como poder constituinte derivado, pois tais matérias não são do interesse dos atuais detentores do poder no parlamento.

Apesar das divergências que mantenho com o presidente Lula em muitos pontos, neste, ele tem a minha adesão, condicionada aos dois pré-requisitos acima mencionados.

Artigo originalmente publicado no jornal Folha de S.Paulo.

Autores

  • Brave

    é advogado tributarista, professor emérito das Universidades Mackenzie e UniFMU e da Escola de Comando e Estado Maior do Exército, é presidente do Conselho de Estudos Jurídicos da Federação do Comércio do Estado de São Paulo, do Centro de Extensão Universitária e da Academia Paulista de Letras.

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